25.4.13

ESPIRITISMO E ESPIRITUALISMO


Foto 1: Pedro Camilo.

A sociedade espírita em que trabalho tem reuniões diárias, de segunda à sábado, que começam em torno das 20 horas. Em uma delas fui convidado a apresentar um estudo no qual abordei o trabalho de Deolindo Amorim, "O espiritismo e as doutrinas espiritualilstas".

Deolindo viveu em uma época de intensos debates no movimento em torno da identidade do espiritismo, e como tivesse conhecimento filosófico e coerência doutrinária, assumia posições contrárias aos sincretismos que os mais entusiasmados propugnavam, e que já haviam gerado diversas cisões no movimento espírita. 

Seu livro foi publicado originalmente pela Federação Espírita do Paraná, e objetiva distinguir o espiritismo das diferentes doutrinas espiritualistas em voga no Brasil. Deolindo era membro da Liga Espírita do Brasil, cuja sede era estabelecida em Niterói-RJ, e que se transformaria da FEERJ, após o Pacto Áureo. Ele somava forças com Herculano Pires e Carlos Imbassahy, dois grandes pensadores daquela época, nos congressos e encontros que organizaram.

Como pensador, sensato que era, em vez de escrever em tom panfletário, o que não lhe era característico, Deolindo analisava, calmamente, mas de forma clara e incisiva, as semelhanças e diferenças entre o espiritismo e: a rosacruz, a cabala, a teosofia, as doutrinas evangélicas, a umbanda, e o movimento espiritualista anglo-saxão. Posteriormente ele publicaria africanismo e espiritismo.

Este tema parece nunca ter fim. É muito comum os neófitos (e mesmo espíritas com muitos e muitos anos de casa) desejarem trazer algo de sua experiência pessoal para as sociedades espíritas. Recentemente ouvi pessoas quererem trazer o reiki para as casas espíritas (talvez pela similitude com os passes), as práticas de medicina chinesa, a cromoterapia, a acupuntura (que hoje é uma especialidade médica em nosso país, portanto, regulamentada), os florais de Bach  e outras práticas/filosofias, nas quais parecem perceber alguma identidade de conceitos, mas que tem suas diferenças. 

Parece haver uma nova onda africanista no movimento, e como se vende de tudo nas livrarias, a leitura de um livro opinativo, ainda que considerado mediúnico, parece ser suficiente para sacramentar sincretismos. Felizmente, há pessoas lúcidas no movimento, como o Pedro Camilo, que muito recentemente publicou um artigo no qual se dirige respeitosamente à umbanda e aos umbandistas, mas reafirma a identidade destas duas práticas, posicionando-se contra as misturas.
Voltando às palestras na Associação Espírita Célia Xavier, em uma delas, uma frequentadora perguntou se eu não considerava os cultos afrobrasileiros e o espiritismo como sendo a mesma coisa. Em outra, um frequentador ficou incomodado com o trabalho do Deolindo e veio me questionar após a palestra. Quando reafirmei o que disse ele desabafou: eu não vou deixar de tomar os meus banhos de flores brancas... 

Creio que na esfera particular, devemos respeitar o livre-arbítrio das pessoas.  A questão maior é quando, querendo reconhecimento social para escolhas individuais, elas resolvem querer implantar suas combinações pessoais nas casas espíritas, como forma de buscar reconhecimento. Se em nome da tolerância os trabalhadores da casa aceitam, em breve não se conseguirá mais  identificar o que é espiritismo e o que não é.

23.4.13

OS BORGES: DO CLUBE DA ESQUINA À UNIÃO ESPÍRITA MINEIRA.


Salomão Borges, irmão de Henrique Kemper Borges


Estava lendo o livro "Diretrizes de segurança", de Divaldo Franco e Raul Teixeira. Este livro tem um significado especial para mim, porque eu assisti o livro sendo feito. Foi na década de 80, no Colégio Tiradentes da Santa Tereza - BH. A Aliança Municipal Espírita, com a colaboração da saudosa Telma Núbia, organizou as questões e os dois médiuns e oradores espíritas se dispuseram a responder de forma concisa, para que o seminário fosse gravado e transcrito.

Encontrei uma das referências típicas do Divaldo: uma menção a um espírito que se apresentava como Henrique Kemper Borges, que houvera sido militar e médium na capital mineira. Imediatamente lembrei-me do novo presidente da União Espírita Mineira, que deve ser filho do espírito percebido (ele se chama Henrique Kemper Borges Júnior). Fui procurar mais informações na internet, e encontrei o depoimento abaixo no site do Museu do Clube da Esquina, feito por Salomão Borges, pai do conhecido músico mineiro, Lô Borges, e membro de uma família muito ligada ao Milton Nascimento e ao Clube da Esquina.



"O nome Magalhães é o seguinte: meu pai e minha mãe eram pioneiros do espiritismo kardecista aqui em Minas Gerais. Aliás, por isso eles foram muito perseguidos. É bom que se diga isso, que eles sofreram muitas perseguições, porque naquele tempo a intolerância era uma coisa medonha. Mas meu pai foi fundador de um centro espírita que existe até hoje, em condições precárias mas existe. É o Centro Espírita Luz, Amor e Caridade. Meu pai fundou esse centro e, na primeira reunião pública do centro, eles receberam lá um espírito que se ofereceu para ser um diretor, o guia espiritual do centro. O nome desse espírito era Salomão Magalhães, que era o nome de um jovem médico de Bagé, Estado do Rio Grande do Sul. E meu pai, em homenagem a esse médico, me deu esse nome de Salomão Magalhães, além do Borges dele. E teve uma reunião pública muito tumultuada nesse centro espírita. E foi contra vontade de meu pai que essa reunião se efetuou, porque ainda era cedo pra uma reunião pública, pela fluência de maus espíritos em grande quantidade, e foi exatamente o que aconteceu. Então o pau quebrou lá, muita gente foi tomada de espírito mau e começaram a quebrar as coisas, tamboretada. E meu pai descreve isso num livro manuscrito que ele não chegou a publicar. E o Salomão Magalhães, que era o guia espiritual, não conseguiu segurar a barra dos espíritos maus que estavam lá conturbando a sessão. Foi quando apareceu então o Henrique Kemper – um outro irmão que recebeu esse nome de Henrique Kemper –, que tinha sido professor de medicina do Salomão Magalhães. E o Henrique Kemper então debelou a rebelião dos espíritos e acalmou todo mundo. Então meu pai, em homenagem ao Henrique Kemper, deu ao meu irmão o nome de Henrique Kemper Borges".


As informações do médium baiano são corretas, e o Kemper-pai tornou-se militar, como se pode ver no transcorrer da entrevista. O Luz, Amor e Caridade está revitalizado, mantido por um grupo de trabalhadores oriundos da União Espírita Mineira, dentre eles o Geraldinho Lemos, muito conhecido nos dias de hoje pelo seu trabalho de recuperação da memória de Chico Xavier.


14.4.13

AS POTÊNCIAS DA ALMA





Léon Denis foi um dos continuadores da obra de Allan Kardec. Filho das classes operárias, desde jovem interessou-se pelo espiritismo e por uma França mais justa. Um dos trabalhos que prestou foi participar da Liga de Ensino, de Jean Macé, fundou bibliotecas pelas cidades em que passava profissionalmente e trabalhou pela criação do ensino "obrigatório, gratuito e leigo". Interessado no socialismo, ficou chocado com o crescimento do materialismo nos grupos socialistas franceses.


Parte ativa do movimento espírita, estava sempre atualizado com relação às publicações espíritas, espiritualistas, de pesquisa psíquica e outras relacionadas ao espiritismo. Ele trabalhou pela ideia de Kardec, de acompanhar o desenvolvimento das ciências e das filosofias de sua época. Sua obra é sempre uma articulação entre o novo e o pensamento kardequiano, um desenvolvimento do que ele estudava e das matérias de suas conferências.

Sua admiração pelo mestre é patente em todos os seus livros. 

Passei a ler, depois de alguns anos, de forma mais atenta, as introduções e apresentações dos livros de Denis. Ele não era apenas um compilador, mas um pensador espírita em seu tempo. Ele sempre dá notícias das razões de ter escrito os livros, que nunca são "mais do mesmo". 

As potências da alma, que foi objeto do meu trabalho em Formiga-MG, é a terceira parte do livro "O problema do ser, do destino e da dor", escrito em 1908. Ele foi escrito para a juventude francesa da época, que tinha por influência o pensamento positivista e cético. Denis avaliava que os jovens haviam ficado um tanto inertes, pela falta de ideais nobres e espírito de trabalho e transformação. Esta parte do livro, escrita após uma defesa da concepção espírita do homem e da reencarnação, é quase uma exortação à avaliação de si mesmo, e à transformação do mundo interior.

Com os termos próprios do pensamento da época, Denis se volta a mostrar as capacidades que o mundo interior oferece ao homem, especialmente se este não se nega a entrar em contato com seu sentido íntimo, se se propõe a empregar a vontade na superação dos limites, se amplia a consciência para além da superficialidade dos sentidos, se disciplina o pensamento e reforma o caráter, se não se nega ao amor e se lança nova visão sobre a dor inevitável em sua trajetória.

Em uma época ainda mais sombria, passados mais de cem anos, na qual progrediu o relativismo filosófico, onde ainda se vê um ceticismo doutrinário, militante e antireligioso, mais que metodológico, influenciar a juventude; o brado latino de Denis ainda soa e fala alto para as mocidades espíritas. Releiamos Denis.

9.4.13

AS POTÊNCIAS DA ALMA - FORMIGA-MG



É com muita alegria que fui convidado para participar das comemorações dos 85 anos do Centro Espírita Lázaro, em Formiga-MG. São cerca de trinta anos de permuta e aprendizado com os trabalhadores incansáveis deste núcleo de luz.

No próximo sábado, dia 13, vamos conversar sobre um belo trabalho de Léon Denis: as potências da alma. Neste texto do livro "O problema do ser, do destino e da dor", já centenário, o espírita lionês, de posse das, então, novas descobertas da pesquisa psíquica e da sólida argumentação da obra de Kardec, faz propostas para a construção de um novo homem.

Além do diálogo, teremos um tempinho para divulgar nossos livros e autografar os de nossa autoria/coautoria. Serão expostos os livros da Coleção Espiritismo na Universidade, da série "Pesquisas Brasileiras sobre o Espiritismo", as traduções das obras espiritualistas de Alfred Russel Wallace e  a obra mediúnica "Casos e descasos na casa espírita", do espírito Conselheiro.

Aguardo vocês lá!

4.4.13

DA CURIOSIDADE À RENOVAÇÃO SOCIAL




Allan Kardec publicou em 1863 o trabalho intitulado "Período de Luta" no qual ele fez uma avaliação do progresso do movimento espírita, à época. Em outras publicações ele havia identificado períodos por que passava o movimento espírita, mas neste texto quase desconhecido pelo movimento espírita atual, ele tece considerações que merecem uma análise.

Kardec identifica o primeiro período do espiritismo como sendo o da curiosidade. Podemos identificar na biografia de Rivail, especialmente os relatos autobiográficos que compõem o livro "Obras Póstumas", um convite recebido por ele de Fortier para que conhecesse as mesas girantes. Recusado em princípio, mas intrigado com as características do fenômeno, o professor procura grupos familiares onde as experimentações eram feitas. Após observar, ele se convence que havia inteligências incorpóreas por detrás dos movimentos, e dispõe-se a dialogar com elas. É difícil traçar datas, mas esse período deve cobrir os anos de 1853 a 1855-56.


O segundo período é intitulado filosófico. Ele parece cobrir essencialmente as pesquisas e os diálogos que teve com os espíritos. Satisfeito com as demonstrações de sua existência, o pesquisador decidiu discutir grandes temas da filosofia com seus interlocutores desencarnados. A existência de Deus, a origem do homem, a criação do universo, o mito adâmico, o mundo dos espíritos, as condições dos espíritos, a felicidade, as ideias inatas, as leis do universo, o futuro, entre outros, foram seus objetos de questionamento. Um estudioso da filosofia identifica as raízes de muitas das questões que comporiam O Livro dos Espíritos em obras de autores que vão de Sócrates e Platão a Descartes, os empiristas ingleses, os racionalistas alemães, etc. Se fôssemos identificar este período na biografia de Rivail/Allan Kardec, ele envolveria a preparação de seu primeiro livro espírita (1856/1857), suas primeiras publicações até O Livro dos Médiuns (1861), a fundação da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (1859) e da Revista Espírita (1858).

O terceiro período foi identificado por Allan Kardec como o período de luta. Nele identificamos incidentes como o que aconteceu em Barcelona, envolvendo a queima de livros encomendados por Maurice Lachâtre, por ordem de autoridade eclesiástica (1861). Daí para a frente, a igreja católica inseriu os livros de Kardec no Index Prohibitorum e abriu campanha contra o espiritismo. Nas páginas da Revista Espírita se pode acompanhar os debates com os opositores das ideias espíritas, que estão em diferentes lugares das sociedades europeias. Quando escreveu o texto que citamos Kardec afirma: "Estamos, pois, plenamente no período de lutas, mas ele não terminou." 

O quarto período previsto pelo druida reencarnado seria o período religioso. Não há nenhuma explicação no texto, mas nota-se que ele envolveu os anos subsequentes da obra de Kardec. "O evangelho Segundo o espiritismo" (1864) e "O céu e o inferno, ou a justiça divina segundo o espiritismo" (1865) são trabalhos que se voltam ao cristianismo. Se no evangelho, Kardec privilegia a questão moral, o mesmo não se dá em O céu e o inferno, no qual se discute racionalmente a teologia católica, em comparação às crenças clássicas (greco-romanas). Kardec tenta apontar a superioridade da concepção da justiça divina no pensamento espírita, e suas origens nas declarações dos espíritos, que ele transcreve na segunda parte, mostrando seres em diversas condições evolutivas e focalizando seus atos e consequências. Mesmo no corpo de "A gênese, os milagres e as predições segundo o espiritismo" (1867), livro considerado científico pela articulação entre o debate proposto pelo codificador entre a gênese moisaica e as teorias de formação da terra, além das comunicações sobre o tema obtidas na Sociedade, ele se volta a questões evangélicas, como os milagres do Cristo e as predições, reinterpretados ante as descobertas e contribuições da ciência espírita. Note-se que são temas evitados por Kardec em "O evangelho segundo o espiritismo", e dissertados amplamente neste livro. Veja que apesar de refutar o caráter institucional da religião para o movimento espírita, que desejava fosse racional e democrático,  ele não nega um caráter religioso do espiritismo. 

O quinto período previsto por Kardec seria um período intermediário, sobre o qual ele não consegue fazer antecipações. É, possivelmente, o que vivemos agora. O movimento não continuou seu crescimento exponencial como desejava o prof. Rivail, as guerras mundiais e as instituições políticas tomaram a cena na Europa, o espírito cético e materialista fez diversas objeções ao progresso dos estudos espíritas nas universidades e centros de pesquisa, apesar de não tê-los conseguido interromper. O movimento espírita teve grande aceitação no Brasil, onde conta com milhões de adeptos, e agora volta-se a uma nova empreitada voltada à internacionalização. As ideias espíritas, como a imortalidade e a reencarnação, estão mais presentes nas sociedades ocidentais.

O sexto período igualmente antevisto e proposto no texto é o período da renovação social, que teria início no século XX, mas que ainda se acha em construção. Kardec escreve que a "geração que surge, imbuída das ideias novas, estará em toda a sua força e preparará o caminho da que deve inaugurar a vitória definitiva da união, da paz e da fraternidade entre os homens, confundidos numa mesma crença, pela prática da lei evangélica". Ainda não vivemos este momento histórico, mas muitos avanços se fizeram na questão dos direitos humanos, nas concepções de justiça e se não vivemos ainda o desejo de Rivail, estamos mais próximos dele que estávamos no século XIX.

O espiritismo concebido por Kardec não ficou circunscrito às ciências ou às filosofias, mas foi visto como uma força de mudança social a partir da transformação ética dos homens. Este é um ponto que gerou discussões no meio espírita de sua época e que deve ser recordado e pensado pelas casas espíritas.