31.12.19

REENCARNAÇÃO NA FRANÇA ANTES DE KARDEC

Lynn L. Sharp

Concluí a leitura de “Secular Spirituality: reincarnation and spiritism in nineteenth-century France” de Lynn L. Sharp há alguns meses. O livro foi publicado pela Lexington Books e trata da história do espiritismo na França no século 19. 

Pelo que encontrei na internet, a autora é professora associada do Whitman College, com formação em história nas universidades do Colorado e pós-graduação (mestrado e doutorado) na Universidade da Califórnia. Ela é laureada com o prêmio Robert Y. Fluno de ensino em ciências sociais. 



Ao contrário das outras histórias do espiritismo, Sharp começa com os reformadores sociais franceses. Alguns deles tinham uma ideia comum com o futuro espiritismo de Allan Kardec: a reencarnação. Alguns nomes pouco estudados no Brasil pelos espíritas surgem, como Jean Reynaud, o socialista Saint-Simon, o filósofo Pierre Leroux, Charles Fourier (que propunha a reencarnação interplanetária) e Pierre–Simon Ballanche. A autora explica a reencarnação em alguns dos socialistas utópicos como um caminho para “explicar a tensão entre indivíduo e sociedade”, e promover mudanças. 

Ainda com essa visão social da história das ideias espiritualistas na França, Lynn Sharp trata dos sonâmbulos mesmerizados e das ideias mediúnicas de Swedenborg como uma forma de reconciliação entre os interesses individuais e sociais.

Outra influência incomum em nossos autores de história é o que Sharp denomina como o “renascimento oriental” que aconteceu na Europa no final do século 18 e ao longo do século 19, e destaca a publicação do Bhagavad Gita e do Ramayana. A Índia e a Pérsia foram vistas por Leroux e Reynaud como fontes de verdades antigas, e o leste em geral como “fonte das ideias religiosas”.

Reynaud trata da crença na reencarnação entre os Druidas. Não sei se entendi direito, mas Sharp o critica por supervalorizar a cultura gaulesa. 

“... as verdades nucleares de suas idéias filosóficas, e de todas as religiões, podiam ser encontradas nos primeiros franceses, os gauleses, como expressão de sua intelligentsia, os druidas.”

Lynn Sharp segue mostrando que muitas pessoas foram influenciadas por Reynaud e passaram a incorporar seus dados sobre os celtas.

Ela considera que os espíritas incorporariam muito tarde, em torno da década de 1920, trabalhos promovendo a conexão entre “druidas e a metempsicose”. Deve estar referindo-se a dois livros importantes, “O gênio céltico e o mundo invisível” e “A reencarnação”. O primeiro de Denis e o segundo de Delanne. 

Estranha que ela não citasse Allan Kardec, que em abril de 1858 publicou um artigo sobre o espiritismo entre os druidas. Nele, o fundador do espiritismo já apontava a questão da reencarnação:

“Se, pois, nos reportarmos aos preceitos contidos no Livro dos Espíritos, onde encontraremos formulado todo o seu ensino, ficaremos admirados ante a identidade de alguns princípios fundamentais com os da doutrina druídica, dentre os quais um dos mais notáveis é, incontestavelmente, o da reencarnação.”

O livro “Terre et Ciel” de Reynaud, foi publicado em 1854, muito próximo de O Livro dos Espíritos (1857). Kardec publicou um artigo em sua homenagem na Revue Spirite, em agosto de 1863, considerando-o um precursor do espiritismo. Ele publicou uma comunicação de Santo Agostinho que entende que os livros de Reynaud possibilitariam aos seus leitores uma conexão entre as ideias do filósofo e o espiritismo.

A proposta de Sharp nesse primeiro capítulo de seu livro é mostrar que há uma “rede de linhas de pensamento que se entrelaçam” com relação à reencarnação na França do século 19. A autora a remonta aos socialistas românticos. Como historiadora, a autora faz uma história do espiritismo analítica, articulada à política e às questões de gênero. Ela leu muitos autores, inclusive periódicos espíritas de duração breve na França do século 19. Aos espíritas brasileiros contemporâneos que ela não parece conhecer bem, vale a pena estudar seu livro.


28.12.19

EC NO INSTAGRAM




O Espiritismo Comentado agora está no Instagram. Saiba de primeira mão as atualizações do blog pelo "Insta" em @espiritismocomentado.

Agradecemos a criação de Júlia Jacomini Sampaio para o projeto!

26.12.19

QUE TEMAS PODEM SER DESENVOLVIDOS PARA O 16º ENLIHPE?


Seguem abaixo algumas sugestões de assuntos gerais ligados ao tema central que poderiam ser desenvolvidos por interessados no 16º Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo - ENLIHPE.

1. Estudos de caso: casos de transtornos mentais tratados em reuniões espíritas (diagnóstico detalhado, terapêutica médica e espiritual detalhada, avaliação de desfecho do caso, estudos de follow-up, conclusões consistentes com os dados obtidos).
2. Estudos históricos ou de análise sobre o livro "A loucura sob novo prisma", de Bezerra de Menezes.
3. Análises de conceitos psicopatológicos empregados em literatura espirita de origem mediúnica.
4. Estudos descritivos de tratamento espiritual em instituições espíritas de saúde, como hospitais espíritas.
5. Estudos de casos múltiplos (de design experimental ou observacional) de pacientes com determinados transtornos mentais submetidos a passe (diagnóstico detalhado, terapêutica médica e espiritual detalhada, avaliação de desfecho do caso, estudos de follow-up, conclusões consistentes com os dados obtidos)
6. Relatos de casos de emprego de informações mediúnicas no diagnóstico de pacientes portadores de psicopatologias
7. Psicopatologia e obsessão
8. Estudos históricos sobre o tratamento destinado a pacientes portadores de transtornos mentais por instituições espíritas
9. Análise de livros da literatura espírita que trazem relatos e informações sobre psicopatologia
10. Revisões de literatura de artigos técnicos que distinguem transtornos mentais de experiências espirituais.

Saiba mais sobre o formato dos trabalhos do 16º Enlihpe em http://www.lihpe.net/wp2/?page_id=329

12.12.19

O NATAL DE 2019



Vem chegando o Natal e a cidade muda seu ritmo. Trânsito ativo, vai e vem de pessoas e, na nossa cidade, dezembro traz consigo suas chuvas, que não  impedem ninguém de ir às ruas comprar coisas para a ceia e a troca de presentes.

Nossa casa espírita se prepara para celebrar o natal, à moda antiga. Preparamos cestas de alimentos para presentear pessoas pobres. É assistencialismo, mas é festa ao mesmo tempo. As muitas reuniões públicas, de estudo, mediúnicas, se cotizam para adquirir os gêneros que compõem a “cesta de natal”, também chamada, pelos que nos antecederam na tarefa, de farnel.

Nas muitas festas de confraternização, em que nos encontramos, a jovem lamentava:

- Esse ano vou ao Canadá. Pela primeira vez não poderei participar da confecção das cestas de natal! Ela sabia que perderia aqueles momentos de alacridade e companheirismo.

A quebra da rotina marca o nosso natal sem neve, mas com a presença dos símbolos da cultura europeia que nos alimentou. Por todos os lados se vê um Papai Noel, uma árvore de natal, os enfeites, uma rena voadora ou qualquer um dos simpáticos ícones que têm mais a ver com o antigo culto dos deuses que com a história de Jesus.

Na mediúnica de sábado, estamos estudando o livro “Memórias de um suicida”. A leitura é sempre interessante e a riqueza dos detalhes do texto produzido por Yvonne-Camilo provoca nossa curiosidade e nosso desejo de aprender mais.

Na parte mediúnica, silêncio. Muitos médiuns relatam ter ficado entre o estado de consciência e o de transe. Um espírito comunica-se por Jeziel. 

Ao mesmo tempo, a médium Ana começa a falar e Débora vai atender. É um daqueles raros momentos em que um espírito que já se comunicou há semanas por um médium, volta a falar por outro. 

A mulher vinha nos comunicar que iria reencarnar. Ela identifica sua história, que Ana não conhecia. Na “terceira parte”, Alex iria dizer que ela havia se comunicado há algumas semanas através dele.
Ela agradece. Agradece o carinho do grupo, o acolhimento, a dedicação. Ela nos diz que fala em nome de muitos espíritos que lá estavam presentes, que também foram beneficiados pelos nossos trabalhos. Ainda pela voz da mulher, antes identificada como prostituta, vem o recado de um de nossos dirigentes espirituais, ainda anônimo, mesmo após tantos anos de trabalho.

Acompanha uma sensação de estar fazendo a coisa certa, uma alegria com a gratidão! Quão poucos se dedicam a ajudar o próximo sem nunca receber um muito obrigado! Dos dez leprosos, ensina o Novo Testamento, apenas um voltou para agradecer.

Lembrei imediatamente do Natal. Não foi Jesus quem escolheu a "apóstola dos apóstolos", talvez injustamente considerada como prostituta por uma autoridade eclesiástica medieval, para dar a notícia aos apóstolos que ele continuava vivo após a morte do corpo? Não foi Maria, a de Magdala, a mulher corajosa cujas histórias foram contadas pelos evangelistas? Não foi ela a companheira da outra Maria, no sombrio momento do Gólgota, que enfrentou sem medo a soldadesca romana com sua presença claramente favorável ao Rabi Galileu?

E eis que do plano espiritual veio uma voz de mulher que nos agradeceu e comunicou que voltaria à vida, no mês em que lembramos que Jesus também reencarnou para nos instruir e ensinar o amor.

Feliz Natal a todos os que acompanham o Espiritismo Comentado! Possa a paz do aniversariante e a alegria dos pais invadir todas as casas nas celebrações da vida, da fé e da família.



28.11.19

INTERRUPÇÃO TEMPORÁRIA DA MEDIUNIDADE




Uma companheira de trabalhos de Minas Gerais me escreveu explicando que é médium psicofônica, mas que as manifestações diminuíram bastante, chegando a ficar diversas reuniões seguidas sem obter comunicação. Ela questiona se isso é um problema.

Allan Kardec trata dessa questão em um capítulo no qual trata da perda e suspensão da mediunidade, em O livro dos médiuns. Está no capítulo 17, Da formação dos médiuns. A primeira coisa que fiz foi reler o capítulo e dá para perceber como ele é rico em informações.

A primeira coisa que nos deparamos ao ler, é que há diversas possíveis causas para a perda ou suspensão da mediunidade, mas a primeira coisa que os espíritos informam a Kardec é que muitas vezes se verifica uma “interrupção passageira”.

Recordei de Yvonne A. Pereira, que na introdução do livro Memórias de um suicida, informa que ficou quatro anos sem praticar a mediunidade, de forma involuntária. Uma mediunidade ostensiva como a de Yvonne, nos faz pensar que a faculdade mediúnica não funciona como os órgãos dos sentidos, sendo passível de descontinuidade no tempo.

Lembrei também dos comentários de alguns colegas de reunião, que viajam de férias, por exemplo, e faltam uma ou mais semanas à reunião. Ao voltar, comentam ao final de reunião uma dificuldade maior no exercício da mediunidade, o que volta com a regularidade da frequência das sessões.

No texto de Kardec, os espíritos levantam diversas possibilidades:
  1.  Não entendem que a perda esteja associada ao esgotamento do fluido. A essa questão respondem acentuando o desejo ou possibilidade de comunicação pelos espíritos.
  2.  Uso frívolo ou ambicioso das faculdades afasta os espíritos sérios.
  3.  Ao afastar-se, um espírito bom pode privar o médium da sua faculdade, para que entenda que não é algo que depende apenas dele.
  4.  Essa suspensão pode ser realizada pelo espírito como uma promoção de repouso necessário ao médium, e uma proteção para que espíritos inferiores não utilizem sua faculdade.
  5.  Alguns médiuns passam por um período de interrupção mesmo sem necessidade de repouso, trata-se de uma prova de sua perseverança.
  6.  A interrupção da faculdade mediúnica não significa necessariamente uma censura espiritual

Conclui-se, portanto, que se deve lidar com a mediunidade sem expectativa de comunicação contínua, em todas as reuniões, sendo normal e possível variações nos desempenhos de médiuns. Devemos evitar a expectativa de desempenho, que pode gerar algum constrangimento ou desejo de obter comunicação para atender ao grupo, acabando por incentivar fenômenos anímicos, ou seja, produções da própria mente do médium sem influência espiritual.

24.11.19

SINAIS DE NASCENÇA EM "A TRAGÉDIA DE SANTA MARIA"



Esmeralda fala a Barbedo que reencarnaria com uma mesma mancha de pele que tinha na vida passada.



Continuamos escrevendo sobre detalhes do livro “A Tragédia de Santa Maria”, ditado por Bezerra de Menezes e psicografado por Yvonne Pereira.

Na página 262 da terceira edição (capítulo quarto da quarta parte, com o título “E quando Deus permite!"), na trama da narrativa, o espírito Esmeralda comunica a seu pai, Barbedo, que vai reencarnar. Ela pede que ele examine o corpo físico da filha do casal de parentes em busca de um sinal de nascença que ela apresentava em sua encarnação passada, para certificar-se de que se tratava dela própria, reencarnada.

Os estudos sobre reencarnação são antigos, datam do início do século 20, mas o pesquisador que conheço ter tratado de marcas de nascença foi Ian Stevenson. Ele se popularizou no meio espírita brasileiro no final dos anos 60 com a tradução do livro "20 casos sugestivos de reencarnação" para o português. Ele publicou posteriormente um livro sobre reencarnação e biologia, no qual trata de forma cuidadosa da questão das marcas de nascença (birthmarks).

A pesquisa de Stevenson sobre memórias de vidas passadas em crianças, geralmente iniciadas entre dois e quatro anos, era muito dependente dos relatos feitos pelas famílias, às vezes muitos anos depois das primeiras lembranças. As memórias não são uma fonte muito segura, por que é sabido que esquecemos e nos enganamos sobre eventos acontecidos no passado, quanto mais distantes estamos do ocorrido. Stevenson desejava outras evidências de vidas passadas que pudessem ter sido registradas e verificadas de forma mais confiável.

Em 1961, em sua primeira visita ao Sri Lanka, ele estudou o caso de Wijeratne, que tinha um defeito de nascença severo associado a eventos de vida passada. Depois ele encontrou, no Alasca, os casos de Charles Porter e de Henry Elkin, que tinham marcas relacionadas a uma facada e um tiro ocorridos em suas vidas passadas. Apesar dos relatos, Stevenson diz que levou vários anos para perceber a importância dos registros, cujo insight o levou a colher muitos relatos como esses em um único trabalho, com mais fôlego[1].

Nesse trabalho, Stevenson disserta sobre os casos estudados, e fala dos diversos tipos de marcas, sinais ou defeitos de nascença. Embora sejam muito divulgadas as marcas de nascença correspondentes a feridas e lesões cirúrgicas em vidas passadas, no capítulo 8, Stevenson disserta sobre marcas de nascença correspondentes a outros tipos de feridas ou marcas de pessoas mortas.

Ele conta o caso de Santosh Sukla, que se recordava de ter sido Maya, na Índia. Os dois tinham listras vermelhas nos olhos, causados por arteríolas muito dilatadas na esclera, e não eram parentes, além de serem os únicos membros das respectivas famílias com essa característica física[2]. Stevenson fotografou Santosh aos 25 anos, ainda apresentando essa anormalidade.

Ele relata também o caso de John Rose, do Alasca, que nasceu com uma mancha branca no dorso da mão esquerda, lugar onde, na vida passada ele havia tatuado um lobo.

Stevenson relata casos de “fendas” de nascença onde havia piercings, que depois cicatrizaram, e locais de aumento de pigmentação, onde anteriormente havia pigmentação maior (pintas, onde haviam manchas, pelo que entendi). (p. 66)

Como se vê, o relato de Bezerra de Menezes parece antecipar a descoberta de Stevenson. Não tenho conhecimento da literatura de sinais de nascença associados à reencarnação, anteriores a esse pesquisador, o que daria uma bela pesquisa.

Mais uma vez encontramos uma contribuição interessante na psicografia de Yvonne Pereira, que normalmente passa despercebida  ao leitor da nossa época.




[1] STEVENSON, Ian. Where reincarnation and biology intersect. USA, Praeger Publishers, 1997. p. 2.
[2] STEVENSON, Ian. Where reincarnation and biology intersect. USA, Praeger Publishers, 1997. p. 63-64..


19.11.19

MULHERES E ESPÍRITAS





O informativo da Sociedade Mineira de Pediatria nº 57, publicado em maio/setembro de 2019, publicou uma matéria sobre o Grupo de Convivência da Mulher e Amparo à Maternidade, que acontece aos sábados no Grupo Espírita Luz e Paz – GELP.

A entrevistada da matéria, a médica-pediatra Juliana Goulart, diz que foi convidada por Andréa Lucchesi a participar. No grupo se fazem palestras de orientação de “nutrição, prevenção de doenças, cuidados com os bebês, direitos da mulher, etc.”

O grupo baseia-se em trocas, e não na antiga dualidade assistente-assistido. A Dra. Juliana se considera uma mulher como as demais, e destaca a importância de “fornecer um ambiente de acolhimento, amor e carinho” às crianças que também participam.

O projeto começou há mais de sete anos quando as mulheres eram gestantes. As participantes ganhavam os bebês, mas desejavam continuar participando, então ele foi se conformando a essa nova característica.

No dia 29 de outubro fazia uma palestra na Associação Espírita Célia Xavier sobre a transição planetária e surgiu o tema das contradições do nosso país. Discutíamos como nós nos acostumamos a achar normal bebês serem criados em caixas de papelão no centro da cidade por familiares, no meio da sujeira e fumaça, enquanto colegas europeus se comoviam às lágrimas.

O dirigente fez uma questão interessante, porque quando falamos em um problema dessa ordem, é normal sentirmo-nos impotentes diante dele. Comentamos então, que no meio espírita, pequenas iniciativas podem ter, com o tempo e a associação das pessoas, grandes ou profundas repercussões. O crescimento da nossa casa e das atividades que realizamos foi um exemplo lembrado naquele momento.

Agora, lendo o trabalho das Dras. Andréa e Juliana, e como após sete anos ele está sendo noticiado por um órgão oficial da Sociedade Mineira de Pedriatria, creio que temos mais um exemplo de pequenas inciativas que geram valores, cuidado, consciência de direitos e têm impacto social.

14.11.19

A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA AFETA O CÉREBRO?




Essa simpática cientista "em cima do muro", apresenta alguns resultados de ativação de diferentes áreas do cérebro em diferentes experiências religiosas. Ela mostra que diferentes religiões podem ter resultados satisfatórios para a vida das pessoas e que a experiência religiosa está associada a saúde mental e qualidade de vida, assim como as práticas nas comunidades religiosas, como música, meditação, ioga, dentro ou fora do contexto religioso, também o fazem.

Estamos diante de uma mudança de abordagem das religiões pelo meio acadêmico, outrora resistente a essa dimensão da vida humana por considerá-la opressora e alienante.

12.11.19

ORIGEM DA RESTRIÇÃO ÀS EVOCAÇÕES DE ESPÍRITOS NO BRASIL



Foto de Frederico Júnior, médium do Grupo Ismael


É sabido que Kardec usava as evocações como uma forma de obter informações sobre casos específicos que lhe chegavam às mãos. Contudo, ele não as recomendava como técnica universal e infalível na prática mediúnica.

As evocações nominais, segundo Kardec, demandam médiuns especiais, identificados por ele como flexíveis e positivos. [1] Os médiuns positivos, apresentados no capítulo 16 de O Livro dos Médiuns, segundo o próprio Kardec, são muito raros. Os médiuns flexíveis, que Kardec menciona apenas no capítulo 16, item 191, parecem ser o mesmo que os maleáveis, definidos acima. São capazes de dar comunicações de “diversos gêneros”, e ditadas por “quase todos os espíritos”.

Atento para com suas limitações ele advertia os espíritas para o risco de fraude por parte dos espíritos: “evoca um rochedo e ela te responderá. Há sempre uma multidão de espíritos prontos a tomar a palavra sob qualquer pretexto”[2].

Alguns autores atribuem a censura da prática das evocações a Chico Xavier. Eles geralmente se lembram da frase: o telefone toca de lá para cá. Honestamente, acredito que não seja verdade. Chico participava de reuniões onde ocorriam evocações mentais, nas quais parentes de pessoas desencarnadas pediam à espiritualidade a sua comunicação. Havia apelos mentais[3]. Tantos, que no livro Missionários da Luz, os espíritos em uma sessão de materialização recomendam que as pessoas cantem, para que se desligassem do petitório mental (p. 118). Isso significa que mentalmente se solicitava da espiritualidade a presença dos familiares, entre outros desejos, embora não se pudesse assegurar que eles estariam em condições de se comunicar, como vemos no capítulo 25 de O Livro dos Médiuns na pena de Allan Kardec: há diversos motivos para que os espíritos evocados não possam se manifestar. A explicação do Chico aos familiares, referindo-se ao telefone, é mais um eufemismo, visando preservá-los da dor da perda, mais uma vez revivida.

Estudando as informações publicadas sobre o Grupo Ismael, do Rio de Janeiro, encontrei algumas orientações dadas pelo “espírito guia” do grupo pela mediunidade de Frederico Júnior. Ele dizia:

“Não se ofereçam para evocações. Quando um centro não lhes parecer homogêneo, neguem-se ao trabalho, porque assim pouparão elementos do seu cérebro e não darão ocasião a divertimentos, a que muitos estão acostumados.
A sua linguagem deve ser esta:
Eu só trabalho quando meu guia esteja a meu lado, e desde que meus companheiros não me proporcionem a satisfação desta vontade, eu não trabalho: porque serei uma máquina sem maquinista, serei uma bússola sem agulha, serei um navio sem leme, e o meu estado é perigoso.” – Ismael via Frederico Júnior[4]

Creio que a orientação de Ismael se deve à época e aos conhecimentos do grupo. No Brasil ainda era muito comum a prática da mediunidade (e a de efeitos físicos também) para atrair adeptos. O grupo de Ismael era um dos primeiros a se dedicar ao exercício sistemático da mediunidade.

Se o público participante, que ignorava o espiritismo e os cuidados com a mediunidade, fosse incentivado a ir, movido exclusivamente pela curiosidade, os médiuns ficariam expostos a vexames públicos, às reações psicológicas dos assistentes da reunião e de outras consequências desagradáveis, diante da prática pública e oral de evocações. A prática mediúnica se tornaria uma espécie de espetáculo, onde as pessoas iriam querer que seus desejos e exigências pessoais fossem atendidos pelo médium. Muito diferente do ambiente de estudo criado por Allan Kardec na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, em Paris. Talvez por isso tenhamos a orientação restritiva do espírito que se identificava como Ismael.

O cuidado intransigente da presença do "guia" sugere fragilidade da direção encarnada da reunião mediúnica. O médium se orienta preferencialmente através do espírito que reconhece como guia. Sabemos que é uma atitude arriscada, porque nem sempre o médium é capaz de identificar esse espírito e outro espírito pode se passar por ele. Seria um cuidado próprio para a época e específico para o Grupo Ismael? Penso que sim.

Não há como afirmar sem dúvida que essa é a origem da restrição às evocações verbais nas reuniões mediúnicas brasileiras, mas é o que encontrei de mais antigo, e Chico Xavier ainda usava calças curtas.




[1]KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 40 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. [Segunda parte - Das manifestações espíritas. Capítulo 25 - Das evocações » Considerações gerais, item 269]
[2] KARDEC, Allan. Evocações dos animais in: O Livro dos Médiuns. 40 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. [Segunda parte Segunda parte - Das manifestações espíritas - Das evocações. Capítulo 25 - questão 283 - 36ª.]
[3] LUIZ, André. Materialização. in: Missionários da Luz. 13 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1980.  p. 117-118
[4] RICHARD, Pedro. Frederico Pereira da Silva Júnior, Reformador, Rio de Janeiro, ano 32, n. 18, 16 set. 1914,  p. 319


5.11.19

EM LUZ



Domingo fomos ao teatro do Colégio Monte Calvário para assistir ao espetáculo “Em Luz” da cantora espírita Sandra Miramar. Sandra é estudiosa e expositora há décadas, mas tem ligações com a música desde a participação na Mocidade “O Precursor”, na União Espírita Mineira. Sandra participou do Coral “Pedro Helvécio” no final da década de 1970, ainda com Elcinho como maestro. Lá ela teve contato com James Marotta, que marcou época com suas músicas e arranjos vocais. 

Algumas criações do James se encontram no Soundcloud, no seguinte endereço: https://soundcloud.com/james-marotta

Abaixo está a música "Noite Igual", dele.




Outra influência que se encontra no CD que gravou foi do Toninho (Antônio Gonzalez), jovem músico da mocidade O Precursor e também maestro do Coral Pedro Helvécio por algum tempo. Sandra recuperou a música intitulada “Luz”, na oitava faixa.

Embora desejasse muito ser cantora, sob a influência da mãe iniciou sua carreira profissional na área de saúde mental. Sandra formou-se enfermeira de nível superior, trabalhou no Hospital Espírita André Luiz e no Instituto Raul Soares da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais-FHEMIG. Ela dirigiu a Escola de Formação  profissional da Fhemig, que foi incorporada à Escola de Saúde. Posteriormente ela foi coordenadora na Escola de Saúde de MG. Sandra exerceu docência e pesquisa na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Em seu trabalho, Sandra associava a música à saúde. Aprendeu violão para tocar para as hansenianas de Sabará, cidade histórica mineira que ainda sofria os efeitos de anos de segregação social dos portadores do mal de Hansen.

“- Elas ficavam alegres com a música! ” Disse-nos.

Nos hospitais psiquiátricos montou grupos de teatro e música, à época levava jovens das mocidades espíritas para cantar e representar peças teatrais voluntariamente.

Os anos se passaram e Sandra passou a levar seu violão nas palestras espíritas que fazia fora de Belo Horizonte para cantar alguma música. Os participantes perguntavam se ela não tinha um CD ou um lugar na internet em que pudessem acessar suas canções e ouvir sua voz. Ela sempre postergava, dizendo que quando aposentasse iria fazê-lo.

Veio a aposentadoria e com ela aulas de canto, contatos no meio musical, recuperação de músicas e a gravação do CD. Daí para o palco do teatro foi um passo.

O espetáculo foi composto de voz, de violão, de flauta, de violino e de cajón. Entre os convidados, estavam o cantor Tim, o grupo Lumiar e um conjunto de jovens da COMEBH.

Além das músicas que compõem o bom CD com o mesmo nome do show, Sandra escolheu algumas músicas com temática religiosa.

“- Vivemos tempos pesados! ” Ela nos disse.

“- Gravei o CD para que as pessoas possam ouvir uma música suave e desligar-se dos problemas da vida. ”

Músicas muito cantadas em nossas casas espíritas, como “Mensagem Fraterna” composta para a letra de Auta de Souza, psicografada por Chico Xavier, tiveram um arranjo diferenciado. Esta canção me lembrou “Scarborough Fair”, música medieval inglesa cuja regravação de Simon e Garfunkel tornou popular nos anos 1960-70.

Uma bela surpresa é a música “Amazing Grace”, de 1773, composta originalmente por John Newton, um traficante de escravos que se tornou pastor. Dizem que a canção era cantada pelas “peças” transportadas em “bocca chiusa” porque lhes era impedido falar ou gritar. Sandra gravou a canção com letra em português de James Marotta.

Outra escolha de canção muito divulgada por aqui foi “Fim dos Tempos”, de João Cabete (1919-1987). Cabete é um compositor espírita paulistano, que se tornou advogado e tabelião em São Bernardo do Campo. Tem mais de 200 músicas e influência em Belo Horizonte e região em função do Coral Scheilla. Procurei, mas não encontrei informações sobre a música. Algo me diz que deve ter sido composta em reação ao sofrimento proporcionado pela segunda guerra mundial.

Onde comprar?

Livraria da União Espírita Mineira
Rua Guarani 314 - Centro. Belo Horizonte-MG
(31) 3201-3038

Livraria Novos Rumos
Rua Rio de Janeiro 1212 - Centro. Belo Horizonte - MG
(31) 3224-0643
https://lojanovosrumos.com.br/

31.10.19

A TORTURA DE BENTINHO NA PRISÃO


Aquedutos do Rio de Janeiro


Raquel F. Lima

Estamos estudando em nossa reunião a obra mediúnica Tragédia de Santa Maria, psicografada por Yvonne A. Pereira, autor espiritual Bezerra de Menezes, e em certo momento da história, ocorreu o assassinato da doce Esmeralda, filha do pomposo Comendador Barbedo. Este, por sua vez, enceguecido pela dor lancinante que dilacerava seu coração de pai, afirmou às autoridades policiais que os responsáveis por tal atrocidade seriam o escravo liberto Cassiano e seu genro e advogado, Bentinho.

Ambos foram imediatamente recolhidos à prisão, lá, foram submetidos aos castigos dos açoites, e estes fatos despertaram nossa curiosidade, enquanto operadores do Direito. Seria permitido pela legislação da época este tipo de tratamento a um advogado? O autor espiritual narra que Bentinho fora castigado, mantido isolado, segregado e incomunicável, e que ele por vezes intercedeu em favor do advogado, solicitando entrevistas com o preso, porém, não fora atendido. Como isso foi possível, sendo Bentinho advogado e branco?

De acordo com o Estatuto da Advocacia da OAB, vigente desde 1994, é prerrogativa do advogado ”não ser recolhido preso, antes da sentença transitado em julgado, senão em Sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm). O advogado é considerado pelo Estado Brasileiro como indispensável à administração da justiça, conforme art. 133 da Constituição Federal de 1988 (https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_12.07.2016/art_133_.asp), e o referido Estatuto da OAB, no parágrafo primeiro do artigo 2º  considera que o serviço prestado pelos advogados tem função social, devido à sua relevância (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm). Diante de tantas prerrogativas, é natural à todo advogado questionar e analisar o tratamento deferido a um colega de profissão, mesmo que os fatos tenham ocorrido nos anos de 1880.

Analisando a legislação da época, estava vigente o Código Criminal de 1830, de influência portuguesa, sancionado quando D. Pedro II era o Imperador do Brasil, sendo revogado pelo Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, em 1891, (Decreto nº 847/1890 e 1.127/1890), este de cunho republicano, porém não menos violento que o primeiro. Quando comparado à legislação portuguesa que o inspirou, o Código de 1830 avançou em questões quanto à preservação da integridade física para os homens livres, quanto à inviolabilidade dos direitos civis garantidos a partir da Constituição de 1824. Porém, em relação aos escravos, no artigo 60 da referida legislação penal brasileira, havia a previsão legal para os castigos corporais, como por exemplo, os açoites.

Fato é que as autoridades responsáveis pelo esclarecimento do crime descumpriram os preceitos legais aplicáveis ao caso em tela, relegados sob a influência política do orgulhoso Comendador Barbedo, aplicando a Bentinho tratamento que não estava previsto na legislação, o que levou Bentinho à loucura e à morte.

São tantos os detalhes e tão peculiares as circunstâncias que só mesmo estando lá, no calor dos acontecimentos, para descrevê-los com tantas minudências inclusive quanto ao contexto histórico, e é neste ponto que rendemos homenagens à excelência da mediunidade de Yvonne A. Pereira, que fielmente relatou a história contada pelo autor espiritual, Bezerra de Menezes. A médium descreveu acontecimentos desconhecidos de per si, fatos que não presenciou e que pelo estudo da legislação penal da época, verificou-se que estavam presentes no cotidiano dos viventes, que até os consideravam normais e necessários à repressão de crimes e à manutenção da ordem. Constata-se quão fidedigna é a sua descrição de detalhes tão peculiares ao cotidiano do século XIX.
Assim sendo, fica aqui nossa singela homenagem e a nossa gratidão à esta notável trabalhadora espírita, Yvonne A. Pereira.



A Tragédia de Santa Maria - página 207 (3a. edição)

"Todas as provas recaíam sobre o desgraçado esposo da vítima, o advogado Bento José de Souza Gonçalves. Detido para averiguações no próprio dia do crime, sem haver sequer iniciado a defesa a que se comprometera com o Júri, logo de início se reconheceu enleado por uma série esmagadora de circunstâncias que, efetivamente, apontavam a possibilidade de ser ele próprio o estrangulador da esposa. Em vão o infeliz moço debatia-se, apelando para os recursos de que, como intérprete das leis vigentes no País, poderia dispor, exigindo, no dia fatal, por entre lágrimas de rescaldantes revoltas, lhe concedessem o direito sagrado de visitar o cadáver da esposa e de, como advogado, auxiliar as demarches para a descoberta do verdadeiro criminoso, pois que se proclamava acima de quaisquer suspeitas." 

29.10.19

ROBERT ALMEDER FALA SOBRE REENCARNAÇÃO






Neste vídeo, a TV NUPES entrevistou o pesquisador Robert Almeder. Ele é professor emérito da Faculdade Estadual da Geórgia, com diversos trabalhos na área de Filosofia da Ciência. Almeder publicou sobre Charles S. Peirce e Nicolas Rescher. Tem dois livros publicado sobre sobrevivência da alma e reencarnação: "Beyond Death: The evidence of life after death" e "Death and personal survival: the evidence for life after death".

A visão de ciência que ele defende nesse vídeo é muito próxima à exposta por Karl Popper: fundada na falsificabilidade do pensamento científico.

É uma entrevista curta e muito clara, com argumentação muito amigável ao leitor sem formação específica em filosofia, psicologia ou parapsicologia.

"Robert Almeder é Professor titular de filosofia da Georgia State University (EUA). Já foi editor do “The American Philosophical Quarterly” e é co-editor do “Biomedical Ethics Reviews”. Autor de vários livros, entre eles:“Truth and Skepticism” e “Death and Personal Survival: the evidence for life after death”. Possui doutorado em filosofia pela University of Pennsylvania, recebeu os prêmios “Outstanding Educator of America Award” e “Georgia State University Alumni Distinguished Professor Award”.  


24.10.19

QUE SUGESTÕES DEU RIVAIL PARA A MELHORIA DA EDUCAÇÃO NA FRANÇA?

O longa narra a trajetória do escritor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), responsável por publicar o pentateuco espírita (Foto: Divulgação)

HLD Rivail escreveu em 1828 um livro chamado “Plano proposto para a melhoria da educação pública” na França. Como ele havia estudado no Instituto Pestalozzi, na Suíça, ele apresentava aos franceses algumas das diferenças do método de ensino-aprendizagem de sua escola para as praticadas pelas escolas francesas, muito influenciadas ainda pela educação clássica das escolas religiosas do século 18.

O livro, hoje, é raro, mas foi obtido, traduzido ao português e publicado pelo site dos “Autores Espíritas Clássicos” em sua base de dados. Não consegui obtê-lo na Gallica em seu original francês, o que prejudica este texto, porque não sabemos ao certo quais foram as escolhas feitas pelo tradutor para determinadas palavras técnicas muito específicas ao ensino da época.

Educação Pública

A primeira coisa que chama a atenção é ele ter-se preocupado mais com a educação pública  e não apenas com a dos filhos das elites. Ele, neste ponto, alinha-se com o projeto de educação da revolução francesa, que desejava uma educação pública, gratuita e universal (para todos os cidadãos, pelo menos a educação fundamental).

Ensino de línguas contemporâneas e não clássicas

Outra questão que Rivail tratou de forma enérgica foi a da diminuição da importância dos estudos do grego e do latim no ensino fundamental. Ao que parece, o estudo dessas línguas era considerado mais importante que o estudo da própria língua pátria e das línguas contemporâneas. O instituteur francês se queixa dos anos de estudos dedicados às línguas mortas (p. 23), em detrimento do ensino de outros conhecimentos que poderiam fazer com que o aluno entendesse melhor o mundo em que se encontrava e seus fenômenos. Talvez por isso tivesse escrito um livro de aritmética para o ensino fundamental e um livro de gramática francesa.

Pedagogia como ciência e profissão de prestígio

Um terceiro ponto sobre o livro é o que parece indicar que as escolas eram uma espécie de herdeiras da educação eclesiástica. Parece que os educadores apenas repetem as práticas a que foram submetidos quando eram alunos. Rivail se preocupa com que se desenvolva a pedagogia como uma ciência da educação, semelhante à medicina e ao direito, que exigiam formação de quem quisesse exercer a profissão. Fico pensando se muitos professores do equivalente à nossa educação fundamental na França de Rivail não eram apenas pessoas ligadas ao clero, e isso, com talvez alguma autorização do Estado, não seriam considerados suficientes para o exercício da docência.

Ao tratar desse ponto, Kardec adverte a sociedade francesa sobre a desvalorização do professor:

“...os educadores são em geral considerados como primeiros criados e na educação pública são vistos como sucessores das amas de leite. Pensai que eles vos substituem; que eles exercem junto aos vossos filhos, não funções baixas e servis, mas aquelas que deveríeis preencher vós mesmos.”

Uma época contra o ensino de base eclesiástica

O Trivium medieval se transformou em studia humanitatis (ou humanidades) antes de Rivail. Nele se estudavam a gramática e a retórica (e não a lógica ou filosofia). O estudo primário das humanidades formava o que se considerava ser o coração da educação liberal. No passado, as atividades hoje chamadas técnicas seriam atribuição dos escravos e os cidadãos gregos e romanos se preparariam para a vida pública, que lhes era reservada e interdita às mulheres, servos e escravos.

Essa influência das sociedades grega e romana, somadas à influência da Igreja, eram muito marcantes no antigo regime francês. Os revolucionários opuseram-se à chamada formação liberal e implantaram leis e normas em busca da criação de uma formação profissional, que deu ênfase, no ensino superior às faculdades de medicina e direito, e às Escolas Politécnicas, como Escola Politécnica de Paris, que dirigiu Albert de Rochas.

Educação sem punição e sem competição

Uma das influências de Pestalozzi nos escritos de Rivail, que talvez remonte à Rousseau, diz respeito a uma educação que não se fundasse nos castigos e punições de alunos. Rivail escreve contra o detestável hábito da palmatória (símbolo dos castigos físicos) e dos exercícios forçados como punição (escrever uma frase inúmeras vezes, por exemplo). Ele entende que a influência moral do professor, sua desaprovação explícita, pode agir como forma de coibir os excessos que os alunos venham a cometer.

Rivail critica a promoção da competitividade entre os alunos como forma de incentivar o ensino. Ele percebe que apenas os alunos que se destacam nas atividades em que se compete são incentivados a se desenvolverem. Os que têm dificuldades não se sentem interessados em competir, já que sabem que o resultado dificilmente será de sucesso. O Instituto Pestalozzi usava uma pedagogia da colaboração (mutualismo?) na qual os alunos mais avançados, tratados como “tu” e não com a formalidade do vós, auxiliariam na condição de monitores os alunos mais jovens ou em um estado anterior de aprendizagem.

Intuição como instrumento da educação

O ensino aos moldes do que ele viveu no Instituto Pestalozzi, basear-se-ia na intuição, aqui vista como a condução das atividades de ensino de tal forma que os alunos pudessem dar sentido ao que viam e viviam. Sob esse princípio, muito se poderia explicar do campo da biologia e da geologia em um passeio nas florestas. A educação seria muito mais tolerável se, em vez de basear-se exclusivamente na memorização de conteúdos isolados, pudesse se transformar em um meio para a compreensão dos fenômenos naturais.

Uma educação que desenvolve o conhecimento, o caráter e o corpo

Já no século 19, Rivail se preocupava com o escopo da educação. Ele a concebia como o desenvolvimento harmônico das diversas faculdades do ser. Por isso, ele parece criticar a ênfase da docência no mero ensino de conteúdos cognitivos, como a matemática e a gramática, para também abranger um desenvolvimento físico, através de exercícios e talvez de atividades como a esgrima, praticada no Instituto Pestalozzi, e da educação moral, que ele credita às impressões recebidas (p. 3), ou seja, ao convívio entre professor e aluno.

Rivail foi um homem que trouxe sua experiência no Instituto Pestalozzi para a França, não se importando com as tradições e os costumes. Nascido em uma família católica e educado em uma instituição protestante, aprendeu a confiar mais na sua própria experiência de vida que nos livros. 

Conviveu com as contradições e saiu em defesa do que considerava ser o melhor para a educação na França. Sua experiência como educador o preparou para a tarefa que se propôs a fazer: estudar os fenômenos mediúnicos a partir de sua própria observação, elaborar uma teoria desses fenômenos e defendê-la da crítica mal fundamentada.

O futuro mostrou que Rivail estava certo na maioria das ideias pedagógicas que defendeu, em uma época na qual podiam soar como mero modismo ao cidadão francês comum.

Fonte bibliográfica

Rivail, HLD. Plano proposto para a melhoria da educação pública. Paris: Dentu, 1928.

22.10.19

MUDANÇAS NO ESPIRITISMO COMENTADO

Espiritismo Comentado


Atendendo a sugestões feitas por leitores do Espiritismo Comentado, fizemos quatro pequenas mudanças pontuais:

1. Facilitamos os comentários no blog, bastando preencher a caixa de comentários e identificar-se. Pedimos aos leitores que insiram pelo menos um nome para o qual possamos responder, evitando comentários anônimos.

2. Inserimos em cada publicação (post) um link para redes sociais que facilita o compartilhamento direto do blog.

3. Inserimos uma escala de reações para que os leitores indiquem o que pensam das publicações.

4. Inserimos na coluna à direita, logo abaixo do link para o livro “Conversando com os espíritos”, um link do mais novo livro da Liga de Pesquisadores do Espiritismo – LIHPE: "O espiritismo, da França ao Brasil". Ele pode ser adquirido na livraria do Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – CCDPE-ECM ou na distribuidora Boa Nova.

19.10.19

CONVERSANDO COM OS ESPÍRITOS



reuniao-mediunica.jpg

Uma reunião sem mesa. Não temos por hábito colocar as mãos para cima...


O último número do Correio Fraterno fez uma ótima síntese do nosso seminário "Conversando com os espíritos", baseado no livro de mesmo título publicado pela Lachâtre.

A imagem lembra bem nosso grupo. Uma reunião em círculo com cadeiras tipo universitário onde se pratica a mediunidade e se faz comunicações simultâneas. Um coordenador atento, médiuns de psicofonia (falantes), psicografia (escreventes) e desdobramento (sonambulismo mediúnico).

Os espíritos se comunicam contando suas histórias, dramas pessoais e sofrimentos, e aproveitamos uns poucos minutos que temos para auxiliá-los da melhor forma possível. Às vezes espíritos superiores, pessoas antes ligadas à nossa casa e já desencarnadas e espíritos que participam dos trabalhos "do outro lado" nos dão uma orientação, uma palavra de incentivo, um carinho.

Ao longo dos anos, estudando mediunidade em diversos autores na primeira parte da reunião, praticando na segunda parte e avaliando o que foi feito na terceira parte, observamos que os princípios da técnica de relação de ajuda, desenvolvida por Rogers no século passado, são úteis em nosso trabalho e mais úteis ainda para os espíritos em sofrimento. 

Verificamos, estudando Kardec, que alguns dos princípios do atendimento aos espíritos já se encontram esparsos em suas publicações, principalmente na Revista Espírita. Espíritos superiores foram falando "homeopaticamente", como lidar com espíritos obsessores ou em situação de sofrimento.

Confiram a bela síntese do seminário que a equipe do Correio Fraterno publicou recentemente, após estar conosco, clicando no link abaixo:





14.10.19

HLD RIVAIL, BANQUEIRO?

Imagem: HLD Rivail e Maurice Lachâtre, sócios em um banco


Uma das descobertas curiosas de François Gaudin, estudioso da vida de Maurice Lachâtre, foi a sociedade que ele estabeleceu com HLD Rivail na França em 1840. Ela se chamava “Sociedade Delachâtre e Rivail”.Rivail é o “nosso” Rivail, nascido em 03 de outubro de 1804, na cidade de Lyon.

Os dois fundaram um Banco de Intercâmbio, destinado a “facilitar as transações comerciais, proporcionar novas oportunidades ao comércio e à indústria, suprir a falta de recursos monetários através de troca de qualquer tipo de produto.” 

Gaudin encontrou essas informações nos Arquivos de Paris, e citou suas fontes documentais. 

O banco parece não ter tido sucesso, mas Gaudin, em nossa fonte, não informa quando ele encerrou suas atividades ou foi vendido para novos proprietários. 

Olhei as datas, para saber se Lachâtre seria o investidor citado por alguns biógrafos de Kardec, que faliu e perdeu o dinheiro que ele recebeu quando vendeu o Instituto Rivail, mas isso se deu alguns anos antes do registro da empresa acima citada.

O que teria acontecido se o banco tivesse sucesso? Talvez Rivail não tivesse tempo para se dedicar aos estudos espíritas e a sua organização tivesse que ser feita por outra pessoa...

LACHÂTRE, Maurice. O espiritismo, uma nova filosofia. Bragança Paulista-SP, Lachâtre, 2014. [Organização, apresentação e notas feitas por François Gaudin]