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28.2.15

ALLAN KARDEC E O ISLAMISMO




Vivemos hoje uma época de muita tensão entre cristãos e muçulmanos, fruto de ações militares em países muçulmanos, ações contra a vida de civis nos Estados Unidos, na França (Charlie Hebdo), das posições iconoclastas dos militantes do ISIS e do velho preconceito dos países ocidentais, que insiste em generalizar atos cometidos por indivíduos e organizações para todos os adeptos de uma religião no mundo.

Allan Kardec sempre teve uma conduta de tolerância entre as religiões, não uma tolerância ingênua, que pressupõe bondade em tudo, mas uma aceitação de diferenças e uma possibilidade de convivência apesar delas.

Na Revista Espírita de 1866, Kardec escreveu dois artigos com o título "Maomé e o Islamismo", nos quais denuncia o conhecimento apenas legendário dos Europeus sobre o Islamismo, a ação do espírito de partido, que ressalta "os pontos mais acessíveis à crítica, muitas vezes, e de propósito" deixa na sombra as partes favoráveis. "Disto resultou que sobre o fundador do islamismo se fizeram ideias muitas vezes falsas ou ridículas, baseadas em preconceitos, que não encontravam nenhum corretivo na discussão." (página 225- Edicel)

Ele consultou um livro publicado por Saint Hilaire (Mahomet et le Coran), pela livraria Didier, que sintetiza as principais considerações dos orientalistas de sua época, formando uma opinião diversa da que era veiculada em sua época.

Ele trata das origens do islamismo entre os povos árabes, da luta de Maomé contra os ídolos que dividiam os povos árabes e faz uma biografia de Maomé voltada ao seu contexto, às dificuldades de enfrentou e destacando um homem pacífico por décadas, que só se lançou à guerra quando foi sitiado em Medina. 

"Maomé foi, pois, guerreiro, pela força de circunstâncias, muito mais que por seu caráter, e terá sempre o mérito de não ter sido o provocador." (páginas 321 e 322 - Edicel)

Kardec, portanto, defende a desconstrução de um Maomé ambicioso, sanguinário e cruel. Ele considera o homem em seu tempo, em contato com povos belicosos.

Outro ponto destacado nos artigos dizem respeito às percepções que Maomé afirma ter com o anjo Gabriel, origem das Suratas. 

Allan Kardec não concorda com o casamento poligâmico de Maomé após a morte da sua esposa Khadidja. "Permitindo quatro mulheres legítimas, Maomé não pensou que, para que sua lei se tornasse a da universalidade dos homens, era preciso que o sexo feminino fosse ao menos quatro vezes mais numeroso que o masculino". (página 323 - Edicel)

"Mau grado suas imperfeições, o Islamismo não deixou de ser um grande benefício para a época em que apareceu e para o país onde surgiu, porque fundou o culto da unidade de Deus sobre as ruínas da idolatria." (página 323 - Edicel)

Essa religião era a mais simples de todas: "Crença num Deus único, onipotente, eterno, infinito, presente em toda a parte, clemente, misericordioso, criador dos céus, dos anjos e da Terra. Pai do homem, sobre o qual vela e o cumula de bens; remunerador e vingador numa outra vida, onde nos espera para nos recompensar ou castigar, conforme os nossos méritos. Vendo nossas ações mais secretas e presidindo ao destino inteiro de suas criaturas que não abandona um só instante, nem neste mundo, nem no outro; submissão a mais humilde e confiança absoluta em sua vontade santa": eis os dogmas.

Há o destaque no antigo e do novo testamento na religião muçulmana, que reconhece Jesus como profeta: enviado de Deus para ensinar a verdade aos homens, assim como Moisés. O codificador destaca que Maomé não tinha sentimentos hostis pelos cristãos e no próprio Alcorão recomenda habilidade para com eles, "mas o fanatismo os englobou na proscrição geral dos idólatras e dos infiéis" (página 331 - Edicel)

Vejam três citações:

"Os Cristãos serão julgados segundo o Evangelho; os que os julgarem de outro modo serão prevaricadores" (Surata V, v. 51)

"Não discutais com os Judeus e os Cristãos senão em termos honestos e moderados. Entre eles confundi os ímpios: Dizei: Nós cremos no livro que nos foi revelado e em nossas escrituras. Nosso Deus e o vosso são apenas um. Somos muçulmanos (Surata XXIX, v. 45)

"Não façais violência aos homens por causa de sua fé. A via da salvação é bem distinta do caminho do erro. (Surata I, v. 257)

Kardec reproduz diversas passagens das Suratas sobre o paraíso de Maomé e critica a pilhéria que àquela época faziam dele.

"Tal é o famoso paraíso de Maomé, do qual tanto pilheriam e que, certamente, não procuraremos justificar. Apenas diremos que estava em harmonia com os costumes desses povos e que devia agradá-los muito mais que a perspectiva de um estado puramente espiritual, por mais esplêndido que fosse..." (páginas 336 e 337 - Edicel)

O segundo artigo termina com uma promessa que até o momento não encontrei (se alguém encontrar, por gentileza, me avise) "Em próximo artigo examinaremos como o Islamismo poderá ligar-se à grande família da humanidade civilizada."

Em outras palavras, ainda que discordasse de alguns pontos da religião islâmica, Kardec publicou na defesa do respeito e do entendimento entre cristãos e muçulmanos. Desconstruiu algumas lendas que corriam em seu país sobre os muçulmanos e fez uma análise histórica, ainda que marcada em alguns pontos pelo entendimento comum de sua época da superioridade da cultura ocidental. Parece que estes textos têm sua significância nos dias de hoje, em que um grande debate se faz em torno das relações entre os países ocidentais e os países árabes e muçulmanos em geral.

23.2.15

DIVALDO NO FANTÁSTICO



Considero muito feliz o trabalho da equipe de reportagem do Fantástico com o Divaldo Franco. Para quem não conhece (se é que algum leitor deste blog não conhece o Divaldo), ele é um orador espírita, médium baiano, com uma obra social admirável.

Após uma entrevista rápida com o Divaldo e algumas cenas envolvendo a prática mediúnica, mostrou-se a Mansão do Caminho, que já mostramos antes no Espiritismo Comentado (http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/search?q=mansão),

Foi muito feliz mostrar a comunidade do Pau da Lima, e a relação dos excluídos com o trabalho do Divaldo. Encontrar pessoas que foram adotados por ele ou estudaram na Mansão, com suas profissões, décadas depois da infância, é algo que toca e incentiva quem quer que esteja buscando fazer um trabalho de inclusão social.


No link abaixo você tem a matéria e a transcrição da entrevista com Divaldo.

http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/02/principal-medium-do-pais-psicografa-diante-das-cameras-do-fantastico.html

20.2.15

FELICIDADE E SOFRIMENTO: QUAL É O RECADO DE TONINHO BITTENCOURT?




Ontem líamos o livro "Ideias e ilustrações", que é uma coletânea de psicografias de Chico Xavier. Cada capítulo tem uma história, geralmente do Irmão X, seguida de poesias e citações sobre o mesmo tema.

O capítulo de ontem agrupou os textos sob o título "Do aperfeiçoamento", e trata de uma pedra que sofre humilhações impingidas pelos instrumentos de lapidação para se tornar um brilhante de um cetro real. O consolo da pedra, ao longo do percurso, eram os trabalhadores que se beneficiavam do seu sofrimento.

Intrigou-nos uma poesia, ditada pelo espírito Toninho Bittencourt, de difícil interpretação:

"Sem a dor que a forme no peito,
Felicidade perdura
Como sendo indiferença, 
Ingenuidade ou loucura."

O que ele deseja dizer? Penso que ele não argumenta em defesa de um masoquismo, um culto da dor pela dor. 

O que pude depreender é que o mundo apresenta tanto sofrimento, tantos problemas, que não é possível não percebê-lo, e, ao fazê-lo, sentir compaixão ou empatia com os que sofrem.

Talvez Toninho queira dizer que as pessoas que vivem apenas uma vida de prazeres, fecham os olhos ao sofrimento do mundo. Por isso sentem-se felizes, mas são indiferentes, ingênuos ou loucos.

Como você interpreta a poesia, leitor?

8.2.15

YVONNE E O AMBIENTE METAETÉRICO



Yvonne é uma das raras médiuns que estudou seus próprios fenômenos, sempre empregando os clássicos do espiritismo e da pesquisa psíquica. No livro Devassando o Invisível encontramos a médium em uma residência do Rio de Janeiro, da época do segundo império, passando alguns dias com amigos.

Ao deitar, Yvonne não conseguia dormir e tinha seu campo de percepção alterado. A casa onde estava desaparecia e em seu lugar se encontrava uma fazenda com senzala, milharais e canaviais. As ruas desapareciam e ela via a paisagem rural, com escravos cantando, carregando cestas e sacos, feixes de lenha, ferramentas e enxadas.

Uma escrava de saia preta e camisa de algodão, com lenço branco e colher de pau mexia um tacho onde se fazia o antigo sabão de cinza. Outra escrava servia-se da palmatória para corrigir um moleque de oito a doze anos, em seu colo.

Um escravo idoso, no pelourinho, preso pelos pulsos, era chicoteado e repetia em voz alta:

- "Meu Deus do céu! Meu anjo da guarda! Tenham dó de mim!"

Ele via também uma dama de aspecto senhorial, esbelta, bonita, trajando um vestido de tafetá azul forte, com cabelos negros "penteados com esmero" e brincos com pingentes de ouro.

Ao levantar-se pela manhã, conversou com a dona da casa que confirmou que antigamente ali funcionava uma fazenda de escravos, levando Yvonne para conhecer as ruínas de um pelourinho que resistira ao tempo.

Yvonne parece ver as cenas como as de um filme ou porta retratos digital, distinguindo os personagens que viu dos espíritos, com quem usualmente conseguia interagir.

Então ela nos recorda da teoria do ambiente metaetérico, de Myers, que afirmava ser possível encontrar virtualmente "organismos vivos" que eram percebidos pelos sensitivos que pesquisou. São criações  mentais fluídicas, ou, como denominou André Luiz, "formas pensamento", que se mantém após terem sido criadas pelas pessoas que lá viveram e sofreram. Yvonne denomina sua faculdade com a expressão psicometria "de ambiente", ou seja, ela tem percepções psicométricas ao entrar em contato com um local e não apenas com um objeto dele. Mais informações sobre esta faculdade no capítulo VIII do livro Devassando o Invisível, publicado pela Federação Espírita Brasileira.






3.2.15

PROVAÇÃO, PROVA, EXPIAÇÃO E MISSÃO



Um espírita de muitos anos de casa perguntou-nos qual era a diferença entre expiação, prova e missão. Resolvi inserir também o conceito de provação, empregado por Kardec em sua obra.

Kardec usa missão como uma tarefa que um espírito se coloca ou concorda em realizar a pedido de seus superiores. Como toda tarefa, ela tem suas dificuldades, mas estas não se acham ligadas a erros do passado, são apenas “ossos do ofício”. Alfred Schweitzer, por exemplo, tomou como missão pessoal a construção do hospital em Lambaréné, no Gabão - África e seu trabalho como cirurgião. Ele já era um organista de sucesso e um teólogo cristão, quando decidiu realizar esta tarefa. Embora desconheçamos o passado de Albert, se ele não tiver nenhuma dívida do passado com a comunidade africana, podemos considerá-lo um missionário.


Fotos de Lambaréné por Joel Mattison

O dicionário Houaiss definiu provação como “situação aflitiva ou sofrimento muito grandes, que põe à prova a força moral, a fé religiosa, as convicções de um indivíduo” e ao definir prova ele coloca como sinônimo de provação.

Aceitar este conceito tem uma consequência importante no entendimento espírita da vida. Nem todas as situações que passamos são remissões de erros passados. O sofrimento não é necessariamente algo articulado à culpa e ao erro, mas pode ser uma circunstância da vida que nos possibilita o autoconhecimento, mobiliza nossas energias e talentos. Mais importante que explicar ou dar sentido ao sofrimento empregando a reencarnação, o conceito de prova ou provação põe ao ser humano consciente e lúcido a tarefa de saber superá-lo.

As provas costumam ser objeto de escolha dos espíritos minimamente lúcidos ainda antes da encarnação (questão 269 de O livro dos espíritos), mas, como na vida, ele pode optar por provas que são superiores à sua força e sucumbir a elas.

Por expiação, o Houaiss entende como “purificação de crimes ou faltas cometidas”. Seria uma situação da vida que envolve sofrimento físico ou psicológico, que se acha ligada a um evento passado, que o sujeito percebe como errado, ou de cujas consequências não consegue se evadir facilmente. Os espíritos com quem Kardec dialogou explicam que encarnações como a das crianças com paralisia cerebral (ele não usa este termo) geralmente estão ligadas a algum “abuso temporário” (questão 373 de O livro dos espíritos).


Quando se observa em alguém que passa por uma expiação, não se pode concluir esta pessoa seja má. Todos cometemos equívocos, e nenhum de nós, em sã consciência, consegue sustentar que tem um passado reencarnatório imaculado. Daí a proposta de tolerância e caridade uns para com os outros, o que, convenhamos, quase nunca é fácil.

2.2.15

SENSAÇÕES DOS MÉDIUNS




Em nossa reunião mediúnica, há um mês ou dois, estávamos em uma sala muito quente e abafada. O ventilador não conseguia, senão circular ar quente entre os membros, quando terminamos a parte de estudos e iniciamos as comunicações com os espíritos. Em pouco tempo, três comunicações simultâneas deram início.

Uma das comunicações despertou o tema deste texto. A médium começou a sentir frio, e o espírito relatou um acidente em um local muito frio, que provocou sua desencarnação. Como a médium pode sentir frio em um local tão quente? Se o espírito comunicante não está mais encarnado e também não se encontra no local em que desencarnou, por que relata sentir frio?

Nas pessoas encarnadas as sensações são frutos dos órgãos dos sentidos. Os olhos são uma espécie de transdutores de luz, que transformam as ondas luminosas de certa faixa de frequências em impulsos nervosos. Os ouvidos fazem o mesmo com ondas sonoras. Paladar e olfato transformam os sabores e odores; o tato transforma sensações de frio/calor, pressões sobre o corpo e movimentos. O sistema nervoso leva os impulsos ao cérebro. A teoria espírita entende que, no caso dos encarnados, estes impulsos são processados pelo Espírito, através do perispírito.

Os espíritos desencarnados não têm tato, porque se encontram desligados do seu organismo. Como podem sentir frio? Após conversar com diversos espíritos, Kardec concluiu que os relatos de sensações por espíritos são recordações, memórias (questões 256 e 257 de O Livro dos Espíritos), empregadas para descrever o estado em que se encontra. O fundador do espiritismo usa a expressão latina sensorium commune para deixar claro que não há no perispírito o equivalente aos sensores da derme ou da audição e que o Espírito sente como um todo. Em outras palavras, a consciência é uma faculdade espiritual, e não perispiritual. O Espírito desencarnado, contudo, ainda tem o registro das sensações que anteriormente eram recebidas do organismo, podendo trazê-las à consciência como evocamos uma recordação de infância.

Por que então, Espírito comunicante, e, por consequência, a médium, relatavam sentir frio? Por que o Espírito acreditava estar ainda em meio à neve. Ele não era capaz de perceber que se comunicava através de uma médium que estava em uma sala quente, porque se sentia ainda confuso após a desencarnação. O frio que a médium sentia é, portanto, uma percepção profunda da consciência um pouco perturbada do espírito comunicante.


Em situações como esta, dar a notícia da desencarnação é menos importante que dialogar com o comunicante. Ao nos relatar suas vivências, sentimentos e sensações, ele vai aos poucos organizando sua experiência e assenhorando-se dela. Ele pode passar de um estado de confusão, a um estado em que é capaz de se comunicar com outros espíritos em melhor estado, capazes de auxiliá-lo.