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30.11.15

O CRISTIANISMO NOS PRIMEIROS SÉCULOS - 10o. ENLIHPE






No Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo de 2014 - ENLIHPE, apresentamos um trabalho sobre o Cristianismo Primitivo. Ele se encontra embrionário, mas traz informação para quem deseja conhecer mais a construção do pensamento e comunidade cristãos nos primeiros séculos.

Tivemos que parar com o projeto em função de outras atividades, mas espero retomar a leitura dos textos escritos pelos cristãos primeiros em breve.

Estou evitando ler terceiros, indo preferencialmente aos documentos (traduzidos para o português, infelizmente). Agradeço a Allan Kardec, Hermínio Miranda, Canuto Abreu, Herculano Pires, Amélia Rodrigues, Humberto de Campos, Pedro de Camargos, Cairbar Schutel Wallace Leal V. Rodrigues e outros autores espíritas, encarnados e desencarnados, o despertamento do interesse pelo pensamento cristão.

27.11.15

ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA CULTURA ESPÍRITA


A revista Cultura Espírita, do Instituto de Cultura Espírita do Brasil (ICEB) publicou um trabalho nosso neste mês de novembro de 2015 - intitulado: "Recordando o dia dos mortos na época de Kardec". Agradeço à Dra. Nadja do Couto Valle, a editora, o convite e a confiança.

Trata-se de um relato breve sobre a comemoração do dia dos mortos pelas tradições pagãs, pela tradição cristã católica e pela Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, ainda à época em que Kardec a dirigia.

Allan Kardec criou uma "sessão anual comemorativa dos mortos" na SPEE em função de algumas comunicações obtidas em 1860 e 1862. 

Conheçam um pouco mais sobre a revista e o Instituto em http://www.portaliceb.org.br/wordpress/



25.11.15

COMO FOI A EXECUÇÃO DE PEDRO?


"Crucifixion of Saint Peter-Caravaggio (c.1600)" por Caravaggio 

Não há registro no livro dos Atos dos Apóstolos, atribuído a Lucas, sobre a prisão e execução de Pedro. No Novo Testamento, há duas citações entendidas como “proféticas” (segundo Eusébio de Cesareia) de sua crucificação: a do episódio descrito no evangelho de João, que descrevemos há pouco (http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2015/11/pedro-tu-me-amas.html) capítulo 21, versículos 18 e 19:

“Amém, amém te digo: Quando eras jovem, cingias a ti mesmo e andavas onde querias; quando envelheceres, estenderás as tuas mãos e outro te cingirá, e [te] levará aonde não queres. Disse isso indicando com que tipo de morte glorificaria a Deus.”

Outro versículo está na segunda epístola de Pedro (1:13-14).

“Entendo que é justo despertar-vos com as minhas admoestações, enquanto estou nesta tenda terrena, sabendo que em breve hei de despojar-me dela, como, aliás, nosso Senhor Jesus Cristo me revelou.”

Onde estaria, então, a fonte bibliográfica que explica a tradição, que diz que Pedro foi crucificado em Roma?

Eusébio de Cesareia tem um livro chamado História Eclesiástica, que escreveu nas primeiras décadas do ano 300. O texto vai até 324 e termina com a vitória do imperador Constantino (apesar dele ter participado do Concílio de Niceia, Eusébio adotou uma posição intermediária entre Ario e Atanásio, para não desagradar o imperador).


Neste livro ele afirma que Pedro foi crucificado em Roma (livro segundo, cap. 25, item 5) e argumenta com base nos nomes dos cemitérios desta cidade, que levavam à época o nome de Pedro e Paulo. No livro terceiro (capítulo 1, item 2) ele afirma que Pedro “... finalmente foi para Roma, onde foi crucificado de cabeça para baixo, conforme ele mesmo desejara sofrer.”

24.11.15

UM OLHAR CENTENÁRIO SOBRE ALLAN KARDEC, GABRIELLE BOUDET E SEU TRABALHO


Esperava receber este livro com muita curiosidade. Jean Prieur é um espírita francês, centenário, nascido em Lille, na França, ocupada pelos alemães. Quando Jean nasceu, o trio Flammarion, Delanne e Denis ainda estava encarnado e publicando livros importantes.

Prieur viveu duas guerras mundiais. Como francês, foi literalmente testemunha da história, acompanhou as grandes transformações que sofreu o mundo nestes agitados últimos cem anos.

Seu texto é delicioso de ler. Ele escreve lendo e comentando, fazendo pequenas paradas e viajando no tempo, fazendo Kardec e o espiritismo conversarem com o mundo que vivemos. O autor não viveu em uma redoma de vidro. Ele dá notícia das principais transformações do mundo, às vezes com uma pitada de ironia, outras com uma lucidez profunda.

Sua relação com Kardec é curiosíssima. O codificador (termo que ele defende) parece ser seu colega de letras, seu companheiro, com quem ele não se importa de conversar, divergir às vezes, admirar. Às vezes fiquei frustrado pela própria forma do texto, porque Jean descreve passagens desconhecidas, sem se preocupar em citar as fontes.

Uma análise bem contemporânea, e um tanto francesa, é o olhar que ele lança sobre Espiritismo e Feminismo. Ele é um admirador do casal Rivail, de sua forma companheira de viver. No seu texto, Amélie Boudet tem um papel de frente na elaboração do espiritismo. Ela secretaria Kardec, revê seus textos, discute com ele. É uma Gabi que justifica seu papel protagonista após a desencarnação do companheiro. O Espiritismo Kardequiano é um precursor do feminismo moderno, e sua concepção de mulher na sociedade é de vanguarda. A concepção de ser humano que reencarna  alternando gêneros, é tão revolucionária quanto a de pessoas que alternam classes sociais, que podem nascer em contextos muito diferentes do que ora participam.

Uma parte genial do livro é um suposto diálogo feito entre Don Pantaleão, bispo de Barcelona, Allan Kardec e Jean Prieur. Recomendo.

Se você se interessou pelo livro, prepare-se para viajar no tempo e na história. Recolha-se em um cantinho onde possa fazer a leitura sem ser perturbado, para que sua mente possa ir recriando os cenários e situações que o autor resolveu compartilhar conosco. Para aproveitar o livro, faça uma "suspensão de juízo" e beba aos poucos a taça que Jean nos oferece. Deixe a análise e a crítica para depois da degustação.


Ainda não concluí a leitura, mas não me contive de compartilhar minhas primeiras impressões com o leitor do Espiritismo Comentado. Não sei como o Alexandre Rocha conseguiu este texto tão oportuno, e agradeço a ele a leitura heroica, feita em parte dentro das paredes de um hospital, sob cuidados médicos. 

Allan Kardec e sua época
Jean Prieur
Tradução: Irène Gootjes
Revisão: Alexandre Caroli Rocha
366 páginas
Instituto Lachâtre
1a. Edição Brasileira - Setembro de 2015

13.11.15

EM BUSCA DA RECONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA DA ASSOCIAÇÃO ESPÍRITA CÉLIA XAVIER

Célia Xavier

A Associação Espírita Célia Xavier completa 70 anos de sua criação em dezembro próximo. Como parte das comemorações, uma das ações com que temos contribuído é a recuperação e publicação das memórias da casa. As matérias que ora focam nas instituições, ora em pessoas, tentam fugir da estrutura de necrológios, buscando eventos e situações interessantes, vivências, além das realizações das pessoas e das datas biográficas.

Até o momento já publicamos cinco matérias no Newsletter "Conheça Aqui". Estou deixando no Espiritismo Comentado para os companheiros da casa e para os interessados na trajetória do movimento espírita em Belo Horizonte, sem pretensão de fazer história, os links que possibilitam ler as histórias que selecionamos. Temos mais material que o publicado, mas a forma do veículo de divulgação exige um texto mais curto e objetivo.

Ainda temos mais de uma dezena de artigos a serem publicados, mas, com certeza, não conseguiremos falar de todos e de tudo, por maiores que sejam nossos esforços, por isso peço a compreensão e o apoio dos companheiros da casa, e reafirmo meu empenho pessoal para fazer este trabalho, prometido há mais de vinte anos à Assembleia Geral da Casa, em resposta ao pedido do Dr. Ysnard.



Criação da Associação Espírita Célia Xavier





Casa de Etelvina



Virgílio Pedro de Almeida





José Pedro e Orlanda Xavier





Martins Peralva




Ysnard Machado Ennes



5.11.15

PEDRO, TU ME AMAS?


Vista aérea de Cafarnaum nos dias de hoje. O espaço coberto é considerado ser o local da casa de Pedro e vê-se ao fundo o Mar de Tiberíades, também chamado de Lago de Genesaré.

Há mais de três décadas, no tempo da máquina de escrever, preparei um estudo sobre Simão Pedro para fazer na sociedade espírita de mesmo nome em Belo Horizonte. Tendo aceito este ano para falar nas comemorações da casa espírita em Caeté-MG, combinamos que o mesmo tema seria abordado.

Como se tratava de uma palestra biográfica, que vai seguindo os episódios que envolvem o apóstolo ao longo da narrativa dos evangelhos e do livro de atos, aproveitei a oportunidade para revisitar o texto, consultando a tradução de Haroldo Dutra de “O novo testamento”.

Gostaria de compartilhar com os leitores algumas reflexões sobre o episódio narrado por João, do encontro de Jesus, após a morte, com Pedro, em Cafarnaum.

O episódio é bem curioso, e aparenta ser uma espécie de história contada pelos apóstolos e não um acontecimento real. Uma das razões é geográfica. Pedro estava em Jerusalém após a crucificação de Jesus. O rabi retorna da morte e apresenta-se diversas vezes aos apóstolos e a outras pessoas. De repente, o episódio narrado por João acontece em Cafarnaum, na Galileia, a mais de cem quilômetros de caminhada da capital da Judeia. Pedro já está novamente instalado, pescando, com barcos e redes, juntamente com outros discípulos. Concluído o evangelho de João, temos o livro dos Atos, com Pedro novamente em Jerusalém, no episódio mediúnico do dia de Pentecostes. Teria ele se deslocado, mesmo tendo visto Jesus após a morte, no episódio que envolve o ceticismo de Tomé, e depois voltado novamente a Jerusalém para construir a primeira comunidade cristã?

O segundo motivo é literário. O episódio soa a história, porque Jesus aparece novamente aos discípulos, reedita a pesca do dia em que converteu os primeiros quatro, e reedita a negação de Pedro, após a refeição da manhã, fazendo-o repetir três vezes uma declaração de amor fraternal. É uma espécie de texto de regeneração dos apóstolos, e principalmente de Pedro, após os eventos da crucificação.

O terceiro motivo é hermenêutico. Um episódio tão marcante deveria aparecer em mais de um evangelho, e encontrei apenas no evangelho de João, considerado espiritual.

A leitura do texto traduzido por Haroldo é interessante. Jesus pergunta três vezes a Pedro:

- Simão, [filho de] João, tu me amas mais do que a estes?

Ante as três respostas afirmativas do apóstolo, Jesus faz três pedidos convergentes, mas diferentes:

- Alimenta meus cordeiros.
- Apascenta minhas ovelhas.
- Alimenta minhas ovelhas.

Alimentar e apascentar são verbos relacionados a cuidados. Apascentar (e não pacificar), envolve as ações de conduzir e vigiar no pasto, pastorear, ou como lemos na tradução de Haroldo, “todas as funções do pastor, tais como guiar, levar ao pasto, nutrir, cuidar, vigiar”.. Alimentar, segundo as notas da tradução de Haroldo Dutra, pode ser entendido como levar para pastar, oferecer pasto.

No antigo testamento, o profeta Ezequiel (capítulo 34) diz ter ouvido de Deus uma profecia contra os pastores de Israel. Com a leitura do capítulo, percebe-se logo que ele não fala de ovelhas, cordeiros e pastores, mas do povo e dos sacerdotes. Ele acusa os pastores de comer a gordura, servir-se da lã e matar o cevado, mas não apascentar o rebanho (v. 3), ou seja, aproveitarem-se das leis que obrigam o povo de Israel a sustentá-los, mas não cumprir com o seu trabalho de dar assistência religiosa.

Ezequiel escreve que as ovelhas de Deus passaram a servir de pasto às feras e foram entregues à rapina. Considerando os sacerdotes ineptos para cuidar do povo, Ezequiel escreve que o próprio Deus distinguiria a ovelha gorda da ovelha magra (v. 20) e que Davi se tornaria pastor de Deus e apascentaria o rebanho (v. 23), ou seja, ele institui um novo cuidador ao mesmo tempo em que traz de volta a si uma função que era atribuída aos sacerdotes.

A passagem de João parece fazer uma referência ao capítulo 34 de Ezequiel. Pedro é convidado por Jesus a ser o pastor das ovelhas e cordeiros, ou seja, a executar uma função sacerdotal no lugar dos sacerdotes do culto judeu.

Tendo ou não acontecido como está escrito, a passagem do Evangelho de João marca a construção de uma ekklesia cristã, de caráter religioso e comunitário, o que justifica as descrições da comunidade de Jerusalém que encontramos no livro dos Atos dos Apóstolos. Nesta comunidade não apenas se estudavam os evangelhos, mas também se redistribuíam alimentos e outros bens entre os que necessitavam. O episódio das viúvas helenistas e da instituição de diáconos (Atos, capítulo 6) ilustra bem esta função.