Páginas

23.2.18

CARLOS IMBASSAHY E A JOVEM MÉDIUM AURORA



Hospedaria de Imigrantes de Ilha das Flores, local em que o pai de Carlos Imbassahy foi trabalhar quando mudou-se para o Rio de Janeiro.


Após uma semana cheia de imprevistos, resolvi aproveitar a tarde de sexta-feira para buscar uma passagem da vida de Carlos Imbassahy que teima em permanecer na minha memória, mas que não consigo encontrar nos muitos livros que tenho dele e sobre ele. Como acho que ele está fazendo falta, emocionei-me com uma das histórias guardadas e contadas por seu filho, Carlos de Brito Imbassahy no seu “Memórias Pitorescas de Meu Pai”.

Vou fazer perder o brilho porque terei que adaptar o texto e mudar um pouco a linguagem para meus leitores, espero que me perdoem.

Carlos Imbassahy estava no “Centro Espírita Trabalhadores da Verdade”, no qual dirigia uma reunião mediúnica par a par com Amaral Ornelas. Chegou-lhe uma jovem, humilde, próximo da hora de começar, procurando pelo “Seu Baçaí”. Sem saber explicar quem a enviara e dizendo-se “média”, como bem o diz o filho do orador espírita, foi convidada a sentar-se à mesa dos trabalhos.

Feita a prece e após algum tempo, a jovem Aurora entrou em transe e deu alguns recados de seu espírito orientador. Passado mais algum tempo Imbassahy vê a médium chorar e pensa tratar de um espírito sofredor. Iniciou o diálogo, até ouvir:

“- Carleto! Tu não me reconheceste?”

Carleto era o apelido dado pelo maestro Antônio Carlos Gomes, a quem Imbassahy admirava, que se tornou nome carinhoso nas bocas dos familiares.

“- Sou tua avó, meu neto, Não te lembras mais de quando tinhas quatro anos!? 

Eu acariciava tua cabeça...” E falou, falou as histórias que só ela e ele conheciam, do tempo em que era muito pequenino e fora deixado pelo pai na Bahia, até que ele pudesse se estabelecer profissionalmente. Carlos Imbassahy era órfão de mãe, mas não era órfão de família, e teve duas mães na primeira infância, a tia e a avó, que agora voltava da morte para lhe encher o coração de memórias.

“- Como eu chorei quando teu pai voltou para te buscar...”

Com cerca de cinco anos, o pequeno Carleto foi levado pelo Dr. Imbassahy para o Rio de Janeiro, sob protestos da avó, que ora voltava a falar com o neto, fugida do mundo das sombras, através da jovem Aurora, recém aparecida no centro espírita.

“- Como sofri, Carleto! Não me conformava com a separação: já me acostumara a afagar-te, com carinho, a ver-te empurrar as cadeiras pela sala, brincando de trem, a ouvir teu riso contagiante, a receber teu amor e carinho, a retribuir teus abraços de criança ingênua... Eras meu novo filho.”

A avó falou ainda da sua desencarnação, que por pouco não foi precedida da visita do neto Carleto, que tentou de toda forma encontra-la com vida. A avó, através da médium, contou ainda da intuição que dera à prima Quena, que recebeu Carlos Imbassahy e o consolou, porque ele não se perdoava por haver demorado, embora não fosse sua culpa. Mais e mais informações foram recebidas por um estudioso atônito, que jamais esperara ter uma prova tão emocionante da existência da faculdade mediúnica ao alcance dos seus olhos e ouvidos.

Aurora saiu do transe sem recordar o que houvera acontecido.  Diz o autor que ela voltara a chamar seu pai de “Seu Baçaí”. 

Eu me recordei da história logo nas primeiras linhas. Havia lido na juventude, antes dos dezoito anos, mercê da biblioteca da Associação Espírita Célia Xavier, e depois desse livro, nunca mais Carlos Imbasshy saiu da minha memória.

Lamento muito não ter conhecido pessoalmente seu filho,  mas agradeço muito a ele todo o trabalho que teve para preservar a memória de seu pai. Quando ele estiver de volta ao mundo espiritual, poderá dizer ao Carleto, que pelo menos um mineirinho  de Belo Horizonte leu a história de sua vida e se emocionou com ela.

18.2.18

TRAJETÓRIA DA "SOCIEDADE ANÔNIMA" SEGUNDO SIMONI PRIVATO - SÉC. XIX




Estou concluindo a leitura do livro "El Legado de Kardec" da brasileira Simoni Privato Goidanich, que será objeto de um seminário em São Paulo organizado pela USE-SP e parceiros, com o lançamento do livro em português.

Confesso que me interessei mais com as descrições dos acontecimentos pós desencarnação de Allan Kardec ocorridos no movimento espírita francês, que pela discussão sobre quem fez as alterações da quinta edição de "A Gênese".

As leituras que Simoni fez da Revue Spirite pós 1869 (desencarnação de Kardec) e da revista "Le Spiritisme", nos deu mais informações sobre as tensões que existiram entre a Sociedade Anônima, presidida por Pierre Gaëtan Leymarie, que se entendia "progressista" e tinha os direitos autorais de publicação da Revue Spirite, e o grupo que se formou em torno dos Delanne e que veio a criar a revista Le Spiritisme e a União Espírita Francesa, em 1882, que pode ser chamado de "Kardecista" ou "conservador".

Por "progressista" se entende que Leymarie usava a posição de Kardec que disse claramente que "o espiritismo acompanha o progresso das ciências" para justificar a aproximação com a teosofia, que ele considerava ser uma ciência, mas que se tratava de uma síntese pessoal de doutrinas orientais. Ele também permitiu uma associação da Sociedade Anônima com J. Guérin, que podemos considerar como divulgador das obras de Roustaing, e que se serviu de uma espécie de parceria com a sociedade para seu objetivo.

Para entender a Sociedade Anônima, temos que considerar as seguintes datas:

3 jul 1869 - É formada a "Sociedade Anônima da Caixa Geral e Central do Espiritismo" (p. 130)

Simoni percebeu bem, que o nome Sociedade Anônima está associado à criação de uma instituição comercial, que possibilitava obtenção de lucro e remuneração de seus diretores, e isso foi uma espécie de "ponto fraco" que influenciou futuras decisões, pelo menos polêmicas.

1 jun 1878 - A sede da Sociedade Anônima se muda para uma área nobre de Paris (Palais Royal), junto com a livraria, oficina e fundando uma sala de leitura, biblioteca e salão de recepção. Com a mudança, a livraria perdeu o nome espírita e se tornou "Livraria de Ciências Psicológicas" (p. 198)

1878 - Criação da Sociedade Científica de Estudos Psicológicos, vinculada à Sociedade Anônima.(Isso merece ser analisado em comparação com o que aconteceu no futuro, quando Jean Meyer funda, em paralelo, a "Casa dos Espíritas" e o "Instituto Metapsíquico Internacional") (p. 198)

5 de março de 1878 - Leymarie envia uma carta ao capitão Mendy na qual considera Roustaing, Madame Collignon e todos os que admiram os mesmos como frutos secos. (Evidência de que Leymarie não era roustanista) (p. 232)

1879 - Desencarnação de Roustaing, que deixou um legado de 40 mil francos para Jean Guérin traduzir e imprimir sua obra (p. 233)

Abril de 1879 - Guérin se aproximou da Sociedade Anônima e tornou-se um de seus acionistas

1879 - Guérin doou, com o apoio da Revue Spirite, um exemplar da obra de Roustaing para cada grupo espírita francês ou do exterior, interessado nela. (p. 234)

1882 - Guérin, que tinha 21 ações da Sociedade Anônima, propõe transferi-la para a propriedade  de um imóvel em Bordeaux de 2500 metros quadrados, mas pede em troca 216 ações. A proposta é aprovada em assembléia em 24 de julho de 1882. O capital social aumenta e é dividido em 300 partes (não sei dizer quantas ações) (p. 235)

Esta aproximação da Sociedade Anônima com Jean Guérin não foi bem vista por um grande número de espíritas franceses. Um movimento de oposição à Sociedade Anônima começou a se esboçar.

Amélie Boudet foi procurada pelos Delanne e consultada para presidir a nova organização, mas recusou (p. 256) 

4 set. 1882 - Fez-se uma reunião na sede da Sociedade Anônima para fundar a União Espírita Francesa. (p. 256)

18 nov, 1882 - Uma assembleia com 150 pessoas aprovou por unanimidade o projeto de estatutos da USF, apresentada por uma comissão, mas os presentes (e Delanne entre eles) julgaram que a assembleia não era representativa dos espíritas franceses. (p. 257)

(??) Vautier proíbe que os formadores da nova sociedade se reúnam na Sociedade Anônima. Ele e Leymarie se opõem à fundação da USF (p. 258)

24 dez 1882 - Uma assembleia de 400 pessoas no grande salão de La Redoute, sala Jean-Jacques Rousseau, fundaram a União Espírita Francesa (USF, sigla em francês) e a revista "O espiritismo". Denis participou desta assembleia e discursou em favor da criação da USF. (p. 259 e seguintes)

A direção da USF era voluntária (não remunerada) ou ad honorem (p. 262) Os membros pagavam seis francos anuais e quatro francos anuais para assinar O Espiritismo, que era um valor menor que a Revue Spirite. A prestação de contas era anual e publicada na revista. (p. 265)

1888 - A Sociedade Anônima muda seu nome para "Sociedade da Livraria Espírita fundada por Allan Kardec" (p. 413)

1893 - A corte de Bordeaux condena a Socidade Anônima a restituir aos filhos de Jean Guérin a totalidade dos 220 mil francos que ele havia deixado para essa organização . (p. 412)

Os conflitos a entre a Sociedade Anônima e a União Espírita Francesa tiveram impacto aqui no Brasil. A tentativa de se fundar órgãos centrais para o espiritismo no Brasil são de época semelhante (segundo Canuto Abreu) e são citadas pelos tradutores de A Gênese da Sociedade Acadêmica "Deus, Cristo e Caridade", em 1882, que como já mostramos antes, apoiou a ideia de uma União Espírita Universal.

Espero ter fôlego para fazer um paralelo entre o movimento francês desta época e o movimento brasileiro.

Postscriptum: Há alguns dias, um grupo de espíritas publicou um manifesto intitulando-se progressistas. Escrevo este para deixar claro que ao usar o termo neste texto, para descrever a posição de Leymarie, não fiz qualquer referência ou associação ao manifesto ou abaixo-assinado. 

16.2.18

CORREIO FRATERNO DIVULGA 14o. ENLIHPE E MUITO MAIS


O jornal Correio Fraterno de janeiro e fevereiro de 2018 publicou uma matéria sobre o 14o. Encontro da Liga de Pesquisadores do Espiritismo que será realizado em Belo Horizonte-MG, dias 25 e 26 de agosto.

Neste mesmo número, há uma matéria interessante sobre a polêmica de A Gênese (devemos usar as traduções da quarta ou quinta edições?), uma matéria sobre os 50 anos do Grupo da Fraternidade João Ramalho (São Bernardo do Campo - SP), uma entrevista com Alexandre Caldini, autor dos livros "A morte na visão do espiritismo" e "A vida na visão do espiritismo", e muitas outras matérias.

Os destaques dessa edição e de edições anteriores podem ser lidos em http://www.correiofraterno.com.br/, assim como as assinaturas.


10.2.18

O INSIGHT DE ALLAN KARDEC




Estou estudando o capítulo XI do livro A Gênese, que trata da gênese espiritual, ou seja, da concepção, origem e destino dos Espíritos. Esse livro foi publicado um ano antes da desencarnação de Allan Kardec, e esse capítulo em especial é uma espécie de retorno a temas tratados no livro primeiro de O Livro dos Espíritos.

Um ponto aparentemente óbvio, que fica bem claro nesse capítulo, é o que poderíamos chamar de insight kardequiano.  Emprego o termo em seu sentido psicológico, como define Houaiss, "compreensão ou solução de um problema pela súbita captação mental dos elementos e relações adequados".

O capítulo começa respondendo à questão o que é princípio espiritual? Fica muito claro que Kardec associa o princípio espiritual à inteligência e, com isso, o distingue do princípio material. 

Por que Allan Kardec não fez como os cientistas de sua época, e associou a inteligência e as funções psicológicas ao cérebro? A resposta é simples:  por causa da comunicação com os Espíritos.

No capítulo IV de O livro dos Médiuns (dos sistemas, que pode ser entendido também como as teorias), o mestre francês discute as hipóteses de charlatanismo, da loucura, do músculo estalante (para explicar os raps) e das causas físicas (magnetismo, eletricidade ou fluido) e do reflexo (seria uma espécie de animismo ou telepatia). para explicar os fenômenos que ele estudou. A inteligência das respostas obtidas dos espíritos, contudo, é uma característica que não pode ser explicada pelas teorias de base natural e o conteúdo das comunicações afasta ou reduz o poder explicativo da teoria do reflexo.

Ainda nesse capítulo, Allan Kardec discute as teorias que têm por causa dos fenômenos seres inteligentes, e discute os sistemas (teorias) da alma coletiva, sonambúlico, diabólico ou demonista, otimista (ação exclusiva de bons Espíritos), uniespírita (produzidos por Cristo), multiespírita e o sistema da alma material.

Se há um conjunto de fenômenos produzidos por inteligências incorpóreas, a inteligência em si não é, nem pode ser, uma propriedade do organismo, embora esse possa prejudicar sua manifestação. Há, portanto, um princípio espiritual ou inteligente, que não se reduz ao corpo material.

Esse é um dos pressupostos centrais da Doutrina Espírita. A partir dele Kardec fez diversas deduções filosóficas, e agregou resultados de observações e de diálogos com os Espíritos, constituindo o espiritismo como doutrina, ou como gosto de dizer, desenvolveu o pensamento espírita. 

Um princípio espiritual (que tem por essência a inteligência e a personalidade) independente do princípio material traz consigo uma imensidade de novas possibilidades e novas formas de ver o mundo e a existência.