14.11.18

TRABALHOS DO 14 ENLIHPE PUBLICADOS NO YOUTUBE



Abaixo estão as exposições de trabalhos do 14o. ENLIHPE e seus respectivos links para o youtube.


Mesa de Abertura

Humberto Schubert Coelho - A importância da fundamentação transcendental e idealista para a ideia de importalidade do espírito.


Alexandre Fontes da Fonseca - O que não comprova a existência da alma?


Julia Nezu - A relação entre a Liga de Pesquisadores do Espiritismo e o Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo 

Marcelo Gulão - As investigações sobre a sobrevivência da alma

Marco Milani e Samuel Magalhães - Mesa de debates: A Gênese

Homenagem a Alfred Russel Wallace

Raphael Vivacqua Carneiro - Evocação de pessoas falecidas utilizando a prece e a varredura medianímica

Leandro Santos Franco de Aguiar - Mediunidade e sobrevivência: um século de investigações: a contribuição de Alan Gauld para o estudo da imortalidade

Luiz Fernando Bandeira de Melo - A sobrevivência da alma e o progresso moral em Sócrates

Elton Rodrigues - Ensaio sobre as anotações do Dr. Kerner com respeito aos fenômenos psíquicos da Sra. Frederica hauffe

Eric Vinícius Ávila Pires - Cesare Lombroso: da biografia à transição paradigmática

10.11.18

A CIÊNCIA COMO EMPREENDIMENTO COLETIVO





Uma das propostas que vou tentar realizar no Espiritismo Comentado é a discussão da dimensão científica do espiritismo. Antes disso, temos que entrar em um entendimento comum sobre: "o que é ciência?"

Um dos primeiros temas a se discutir é que a ciência é um empreendimento coletivo, articulado e falível. Penso são adjetivos de ampla aceitação pela comunidade científica, e que nos possibilita discutir algumas concepções muito equivocadas que as pessoas em geral têm do conceito de ciência. Vou falar um pouco das chamadas ciências naturais.

Ao contrário do que se imagina, quando se vê um grande cientista como Einstein ou Pasteur, a ciência não é fruto de uma grande inteligência individual que teve uma espécie de “iluminação” que revoluciona o que se sabia antes. Thomas Edison dizia que “a genialidade é 99% de transpiração”, ou seja, muito trabalho duro, muita leitura e estudo, para, ao final, conseguir um momento de inspiração.

O cientista, portanto, lê o que outros cientistas publicam. Ele passa muitas horas estudando um tema antes de poder escrever sobre ele. É o que se chama de “estado da arte”, “revisão bibliográfica”, “revisão sistemática”, com pequenas diferenças entre essas expressões.

Quando se vai escrever um artigo, para comunicar alguma coisa, normalmente se lê o que foi escrito nos últimos cinco anos sobre o tema (esse tempo é variável), sem contar os anos de estudo de um especialista sobre os conhecimentos da sua área para ser considerado como tal.

Hoje isso é bem mais complicado, porque há milhares de cientistas trabalhando ao redor do mundo, e cada vez surgem mais revistas especializadas. As publicações têm sido feitas em inglês, principalmente, que acabou sendo considerado o idioma mais dominado pelos cientistas, pelo menos ocidentais.

Suponha que o tema em estudo seja a “reencarnação”, como o fizemos há alguns anos no Encontro Nacional da LIHPE. O que se escreveu sobre reencarnação em revistas científicas analisadas por pares? Por incrível que pareça, ao contrário do que se pensa, há muita coisa sendo escrita e produzida sobre esse tema, com métodos aceitos pelos cientistas, e publicado. A velha afirmação que os cientistas não estudam reencarnação e não aceitam que se estude o tema não se sustenta, embora seja válida para muitos que consideram o tema metafísico.

Essa revisão não visa apenas ao conhecimento dos fatos registrados, por exemplo, crianças que se lembram de ter vivido anteriormente, mas também de todas as explicações possíveis para esse fato, após constatado, que é o que se chama de teoria científica. A análise das teorias, o jogo de aceitação e refutação das explicações existentes e a formulação final, após todos esses estudos, é o que se chama de conhecimento científico.

Obviamente, após anos de trabalho e publicação, alguns cientistas se tornam notáveis por todas as contribuições que deram às suas áreas. Alguns são até considerados gênios, porque conseguiram uma nova e melhor forma de explicar um conjunto de fatos que não era percebido por seus pares. Obviamente, são inteligentes, mas não chegaram lá apenas por serem inteligentes, mas por terem feito seus 99% de esforço, lendo, observando, experimentando, escrevendo, reescrevendo, criticando o que existe e não está bem elaborado, identificando falhas nos estudos já realizados, entre outras atividades.

Mas a ciência é falível? Não é a verdade? Isso fica para outro post.

8.11.18

ESPIRITISMO: CIÊNCIA NATURAL OU FILOSOFIA?




Em uma das palestras que fiz recentemente, surgiu uma questão interessante sobre o status epistemológico do espiritismo. Não dava para desenvolver a questão nas condições em que nos encontrávamos, então deixei para tratar aqui, no Espiritismo Comentado.

Meu interlocutor via, de um lado as ciências (entendidas como as ciências naturais) e de outro a filosofia (com suas subáreas tradicionais, menos a psicologia). Ele argumentava que o espiritismo devia tender, portanto, para a filosofia, que possivelmente teria um poder explicativo melhor. 

Contudo, na universidade contemporânea, entre a filosofia e as ciências naturais encontram-se as ciências humanas e sociais. São áreas de conhecimento desenvolvidas geralmente a partir do século XIX, que estudam o homem, sua cultura, suas organizações e sociedade. 

No princípio, as ciências humanas tentaram empregar métodos das ciências naturais para esses estudos, como se pode ver em Durkheim (ciências sociais), os autores estruturalistas e funcionalistas (psicologia), entre outros. Como os avanços fossem modestos e contraditórios, diferentemente da física, por exemplo, logo se viu que o objeto de estudo desses cientistas era capaz de se modificar, o que ele fazia através da linguagem.

Por esse motivo, as ciências humanas avançaram (para alguns cientistas não), e englobaram métodos de estudo de base hermenêutica e fenomenológica, que consideram a apreensão do significado da linguagem humana e suas consequências, entre outras contribuições que hoje se costuma chamar de métodos qualitativos, e que vão além da observação. Autores com De Bruyne, denominam essa abordagem como abordagem da compreensão (que envolve uma busca rigorosa do significado do que fala o sujeito e suas implicações), em oposição à abordagem da explicação, das ciências naturais (que envolvem, leis, descritas matematicamente, de forma exata ou probabilística, explicando eventos que seguem a regularidade matemática encontrada). 

Allan Kardec desde o princípio de seus estudos, percebeu que o método das ciências naturais era insuficiente para obter respostas para as questões investigativas que tinha a propor para as “inteligências desencarnadas”. Ele manteve o indutivismo das ciências naturais, mas percebeu que como os espíritos tinham diferentes capacidades de descrever o mundo em que viviam, era necessário classificá-los, o que fez com a escala espírita, para estudar apenas os relatos dos espíritos superiores.

Outra coisa que ele fez, muito semelhante à pesquisa fenomenológica, que só foi estabelecida anos depois, foi buscar na narrativa dos espíritos superiores, aquilo que lhes era comum. Ele denominou seu método, na introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de “controle universal do ensino dos espíritos”. Com isso, ele buscava conteúdos semelhantes através de médiuns diferentes, de preferência os que desconheciam as contribuições dadas pelos demais, como forma de controle da interferência do médium na comunicação. Em fenomenologia, isso se chama “redução fenomenológica”. Outro ponto do método de Kardec era evitar ideias pré-concebidas e ater-se aos conteúdos colhidos. Em fenomenologia isso se chama “suspensão de juízo”.

O mestre francês sempre analisava o conteúdo do que lhe era dito de forma compreensiva (o que significa o que o espírito disse? Está de acordo com os demais espíritos superiores? Faz sentido?) e utilizava a razão como forma de análise e comparação.

Em um artigo já publicado, desenvolvemos mais esse ponto de vista. Está no livro “O espiritismo, as ciências e a filosofia”, publicado pela parceria CCDPE-ECM e LIHPE, e é intitulado “Espiritismo e métodos de pesquisa em ciências hermenêuticas e fenomenológicas”.



Se aceita essa argumentação, entendemos que do ponto de vista metodológico e epistemológico, há conhecimentos no corpo da doutrina espírita que se desenvolveram com base na observação e experimentação (ciências naturais), há outros conhecimentos que são fruto da argumentação racional (filosofia), mas boas parte do corpo doutrinário repousa em uma análise fenomenológica daquilo que os espíritos disseram aos estudiosos do século XIX e que foi analisado por Allan Kardec (métodos qualitativos de ciências humanas). Boa parte da ética espírita tem uma dupla origem como conhecimento: os relatos da vida após a morte e das consequências das ações em vida (análise fenomenológica de Kardec), e a análise da ética cristã como referência ética para a humanidade (o que constitui parte do aspecto religioso do espiritismo, considerando-se, contudo, que Kardec busca uma fé raciocinada, ou seja, com contribuições dos métodos filosóficos, e não apenas uma “fé cega”)

31.10.18

FALANDO DE UM LIVRO ESGOTADO E UMA MÉDIUM QUASE ESQUECIDA



Tenho estado às voltas com a produção do espírito Patience Worth e com sua médium Pearl S. Curran, cuja curiosidade existe desde há muito tempo, quando fiz uma apresentação sobre as hipóteses não espíritas para o fenômeno mediúnico e me baseei nas observações de Ernesto Bozzano para a defesa das explicações espíritas.

Depois reencontrei a dupla Patience/Pearl nas crônicas de Hermínio Miranda, e acompanhei seus comentários, até saber pelo Alexandre Rocha que ele havia encontrado e estava traduzindo a História Triste.

A série ficou encostada durante alguns anos na minha biblioteca, porque a leitura inicial era difícil, e saiu em um período difícil para minha saúde. Há alguns meses, conversando com meu amigo Waldemar Duarte, ele recomendou expressamente a leitura e indicou especialmente os dois últimos livros.

Recordei-me que Hermínio publicou o livro “O mistério de Patience Worth”, no qual fala da história da médium e faz referências a dois autores que a biografaram: Casper Yost e Litvag. Leitura fácil, rápida e interessante.

Para esta publicação resolvi retirar deste livro um dos testes que os curiosos-céticos fizeram com a médium. 



O Juiz Corliss perguntou ao grupo da Sra. Curran se eles sabiam o que significava a palavra sockman. Ninguém sabia, por se tratar de inglês antigo. Ao perguntar para o Espírito, veio à mente da Sra. Curran a seguinte imagem:

“... um homem caminhando atrás do tosco arado, enquanto o sangue lhe escorria das mãos.”  (pág. 34)

Hermínio não encontrou a palavra em seu Webster, dicionário inglês conhecido pela enormidade de verbetes. Aproveitando o acesso à internet, no Webster encontrei o seguinte:

A palavra sockman seria uma variante arcaica de socman e essa última de sokeman. Sokeman é um homem que está sob o direito feudal das terras de outro.

Ainda não está clara a relação entre a imagem e o significado, apesar da relação. Então encontrei em outro dicionário outra rede de sentidos que chega na palavra socage: “na idade média (e principalmente, mas não exclusivamente na Inglaterra medieval), um sistema legal através do qual um locatário de terras (tenant) pagaria o aluguel ou faria algum trabalho agrícola para o seu senhor” 

(https://www.wordhippo.com/what-is/the-meaning-of-the-word/socage.html)

No Webster há ainda a dissociação, no socage da obrigação de qualquer serviço militar.



A questão do juiz fazia muito sentido porque o Espírito Patience mostrava conhecimento da Inglaterra medieval em outras produções suas, e ao contar sua história para os membros da reunião nas terras norte-americanas. Chama nossa atenção uma resposta feita através de uma imagem, e não com linguagem, com uma definição. Para nós, espíritas, é um sinal que as imagens que aparecem na mente dos médiuns durante as reuniões devem ser comentadas de alguma forma, podendo fazer parte de um entendimento maior daquilo que os Espíritos estão tentando nos comunicar, ou, mesmo, ser uma criação do próprio médium.

29.10.18

LEMBRANÇAS DO DR PAULO TOLEDO MACHADO

Paulo Toledo Machado
Quando fiquei sabendo da existência do museu espírita de São Paulo, achei uma iniciativa tão importante que tentei auxiliar de alguma forma. Enviei um exemplar do livro “Coletânea de Estudos Espíritas” e recebi uma carta gentil e atenciosa de agradecimento e comunicação de incorporação do livro ao acervo do Museu.

Algum tempo depois, recebi um convite para participar de um evento Espírita no museu, que acontecia uma vez ao mês, no meio da semana, e nessa época eu já cursava o doutorado na Universidade de São Paulo, estando, portanto, na cidade que não dorme ao longo da semana.

Fui à mineira, sem qualquer alarde, e me perguntaram na entrada se eu tinha convite, porque o auditório não era muito grande e eles só podiam receber o número de pessoas cujos convites haviam sido emitidos. Eu entreguei o papel e percebi um ar de “quem é ele”, da parte dos organizadores.

Ao final da palestra, o Dr Paulo afirmou que havia um escritor de fora do estado, e perguntou quem era. Eu levantei a a mão e ele também olhou com o mesmo olhar de estranheza, perguntando uma segunda vez e recebendo uma segunda vez a minha mão levantada.

Paulo Toledo Machado


Foi o início de uma amizade muito frutífera. Procurei-o após o encerramento para conversar e ele me apresentou os amigos presentes. Dr. Paulo me convidou para uma pizza com os confrades após o evento, e aos poucos fomos nos conhecendo.

Lembro que pouco tempo depois eu havia ficado indignado com uma matéria da revista Veja, que insinuava que os espíritas brasileiros desconheciam o episódio do desmentido das irmãs Fox. Comecei uma pesquisa, então, e aproveitei a presença em São Paulo para obter alguma informação do Museu. A atendente não conhecia livros que eu já não tivesse, e me encaminhou para o Dr. Paulo. Ele me perguntou onde eu iria publicar, e eu expliquei  que seria no Reformador, ao que ele me deu acesso amplo ao acervo e ainda me permitiu fazer cópias xerox do que encontrei.

As reuniões mensais no Museu eram muito interessantes e produtivas. Lançamento de livros recém-traduzidos pela instituição, expositores renomados, debates posteriores às apresentações... Certa vez o Dr. Paulo levou o psicólogo Jon Ayspúrua, da Venezuela, que ocupava o cargo de presidente da Confederação Espírita Pan Americana. Na pizza, após as atividades da noite, vi o Dr. Paulo pedir ao Jon que a CEPA se entendesse com a Federação Espírita Brasileira. 


Capa de O primeiro livro dos Espíritos, tradução de Silvino Canuto Abreu

Expus em uma das noites, na qual se estava estudando as diferenças entre a primeira e a segunda edições de “O livro dos espíritos”. O Museu e o Lar da Fraternidade Universal vendiam a edição bilíngue comemorativa dos cem anos de “O Livro dos Espíritos”, impressa por Canuto Abreu. Dr. Paulo tinha muita amizade com Canuto. Uma das publicações que ele havia publicado e também mantinha era “O evangelho por fora”.


Capa da Revista ICESP

Cheguei também a publicar na revista mantida pelo Museu, intitulada Revista ICESP. Essa sigla significa “Instituto de Cultura Espírita de São Paulo”, que foi extinto na passagem do Museu para a Federação Espírita Brasileira (FEB).

Recordo-me de uma viagem que fiz a São Paulo com a esposa, ainda no período conservador da minha doença, em que o Milton Bonfante e o Dr. Paulo nos acolheram e nos levaram a uma cantina italiana, onde conversamos longamente.


Paulo Machado, Elza Mazzoneto, César Perri e Nestor Masotti

Com o fim do curso, fui perdendo o contato com o Dr. Paulo, mas nunca esquecerei a gentileza e a dedicação à memória espírita que ele dispendeu durante anos.

A desencarnação do Dr. Paulo se deu no dia 14 de setembro de 2018. Ele era muito amigo de Silvino Canuto Abreu, e imprimiu seus livros “O evangelho por fora” e “O livro dos espíritos e sua tradição histórica e lendária”, além de continuar distribuindo a tradução do grande espírita da primeira edição de “O livro dos espíritos”, bilíngue, feita para a comemoração do centenário de lançamento da obra. 

Oceano Vieira de Melo nos informou que o Dr. Paulo era filho de Américo Bairral, também espírita, cujo nome se encontra no Hospital de mesmo nome na cidade de Itapira – SP. Mais informações sobre Paulo, e também Elza, se encontra no filme “Kardequianos”. https://www.youtube.com/watch?v=hLcCF8UMh-E

16.10.18

FÓRUM E SEMINÁRIO EM VITÓRIA - ES








Amigos leitores de Vitória-ES e região. 

Estaremos participando do 2o. Fórum de Ciência Espírita do Estado do Espírito Santo e no Seminário "Conversando com os Espíritos: um toque de humanismo" na Sociedade Praiana de Estudos Espíritas. As inscrições são gratuitas para os dois eventos, mas as vagas são limitadas. 

Para se inscrever no Fórum, clique aqui

O seminário é um espaço para conversarmos sobre o atendimento a espíritos desencarnados em reuniões mediúnicas, tema que desenvolvemos no livro com o mesmo nome. Ele apresenta nossa experiência de diálogo com princípios desenvolvidos pelos autores da psicologia humanista. 

O livro tenta recuperar a questão da desobsessão na obra de Allan Kardec e trata também do funcionamento das reuniões mediúnicas.

Sejam bem-vindos.





5.10.18

OS DOIS CONCEITOS DE NATUREZA EM ALLAN KARDEC




Estivemos atendendo a um pedido da Aliança Municipal Espírita de Belo Horizonte, ao estudar com os amigos do Cenáculo Espírita Thiago Maior sobre “A natureza da alma e suas transformações”. Em princípio seria uma revisão de dois capítulos do livro de Allan Kardec chamado “O céu e o inferno ou a justiça divina segundo o espiritismo”.

Dois significados diferentes para a palavra natureza

Ao trazer ao título a questão da natureza fomos rever quais significados são utilizados por Kardec para essa palavra. Resolvemos usar a lógica de uma técnica usual dos tradutores, verificar o sentido das palavras ao longo da obra de um mesmo autor.

O dicionário Houaiss enumera treze sentidos diferentes com que essa palavra pode ser usada, mas nos interessam dois específicos que aparecem sob a rubrica da filosofia: a natureza como essência, como substância do ser (a natureza de Deus ou do homem, por exemplo) e “tudo quanto existe no cosmos sem intromissão da consciente reflexão humana”, ou seja, os planetas, os ecossistemas, etc.

A natureza como essência

Ao procurar em Allan Kardec qual sentido ele empregava, encontramos textos com os dois significados, logo em “O Livro dos Espíritos”. Ele fala em “natureza da alma” (introdução, item II), natureza do espírito (introdução item IV) e natureza de Deus (questão 11). Em todos esses casos, ele trata de “essências”, e não faz sentido falar em cosmos. Isso nos leva a entender que, em princípio, Kardec é dualista, porque entende que existem duas substâncias diferentes: o espírito (com é minúsculo) e a matéria (que pode ser ou não percebida pelos cinco sentidos).

Alguns espíritas entendem que Kardec é monista, porque o espírito não se apresenta sem o seu perispírito (é o que ele denomina como Espírito, com E maiúsculo, porque se encontra individualizado, capaz de ser identificado pelos médiuns, e que se encontra na questão 76 e seguintes), mas é bastante claro que Kardec e os Espíritos com quem ele dialoga falam de duas substâncias distintas que interagem, como na questão 27:

“Há, então, dois elementos gerais do Universo, a matéria e o espírito? “Sim, e acima de tudo Deus, o criador, pai de todas as coisas...”

A natureza como “cosmos sem intromissão da consciência humana”

Em outras situações, Kardec usa a palavra natureza como cosmos (e não como Universo, que seria formado a partir do espírito e da matéria). 

Na introdução de O Livro dos Espíritos, se encontra frases como “estamos longe de conhecer todos os agentes ocultos da Natureza”, e na questão 9 se encontra “Não podendo nenhum ser humano criar o que a Natureza produz...”. Nesses dois exemplos, a palavra natureza não significa essência, mas o universo material, descrito pela física, química e biologia, e suas leis.

Alguns tradutores de O Livro dos Espíritos, como Guillon Ribeiro e Evandro Noleto Bezerra perceberam essa diferença de significado, e traduziram com uma pequena diferença: quando entendem que a palavra natureza é cosmos, a escreveram com maiúscula, mesmo no meio da frase, e quando entendem que é essência, publicam em minúscula (exceto no início da frase, claro).

Quando levei a questão para dois amigos da LIHPE, um deles me perguntou se havia consultado o original francês. Olhei essas passagens e mais algumas em três diferentes edições francesas que encontramos no IPEAK e na edição bilíngue de Canuto Abreu. Para nossa surpresa, a distinção feita não é de Allan Kardec, que escreve natureza sempre em minúscula (exceto onde a gramática exige maiúscula), mas dos tradutores. 

Não me parece que os tradutores tenham agido como "traidores", como diz a expressão italiana "traduttore traditore", mas mereceria uma nota de rodapé nos livros, para que os leitores saibam exatamente o que foi feito, com a finalidade de transmitir o que pensava Allan Kardec e os Espíritos com quem dialogava, e deixando claro o risco do tradutor haver se equivocado em sua interpretação do texto que traduz. Não sei dizer, também, se no passado era considerada a diferença entre natureza e Natureza, como hoje é considerada a diferença de significado de estado e Estado.

Concluindo


Essa questão dos sentidos diferentes para palavras iguais, usada por Kardec em diversas situações, mais detidamente a questão da palavra natureza, não foi estudada por mim à exaustão, ou seja, só consultei uma dúzia de trechos da obra kardequiana. Merece ser ampliado, para termos uma boa compreensão dos seus livros e artigos.

Outra questão que fica relevante é a troca da palavra Natureza pela palavra universo, entre a quarta e quinta edições de A Gênese, ou seja, Allan Kardec não emprega essas duas palavras como sinônimas. Isso merece ser estudado mais detidamente.

Outra questão que se nos impõe é distinguir o conceito de princípio inteligente, ou espírito, como princípio ou substância (como diziam os gregos, e nos lembrou o Sílvio Chibeni) de princípio espiritual ou seja, uma dimensão espiritual nos animais, por exemplo, sem todas as faculdades encontradas no Espírito.

Para algumas pessoas pode parecer preciosismo, mas muitos espíritas acabam fazendo o que os Espíritos que se comunicaram com Kardec pedem que não seja feito: ficar brigando por causa de palavras. Explicar e justificar os significados, com abertura para o contradito, modifica a atitude de estudos dos interessados no espiritismo.

3.10.18

CONVERSANDO COM OS ESPÍRITAS POTIGUARES




Foto com os participantes do Seminário "Conversando com os espíritos", no Centro Espírita Luz Divina, em Natal - RN


Foi cheia de surpresas agradáveis a viagem que fizemos para a capital do Rio Grande do Norte para fazer um seminário sobre o livro “Conversando com os espíritos” e uma palestra na Federação sobre o livro “Novos estudos sobre a reencarnação”.

Agradeço a acolhida e a recepção familiar que Ricardo e Bárbara nos proporcionaram, deixando a sensação de estarmos em casa e de sermos bem-vindos à tarefa.

Estivemos no Centro Espírita Luz Divina - CELD para o seminário, e, para a nossa alegria, um bom número dos participantes participava de reuniões mediúnicas e já havia lido o livro, o que possibilitou um diálogo franco e interessante. Agradeço aos amigos potiguares que identificaram pequenos erros que saíram no Conversando com os espíritos, o que mostra a atenção com que leram. Na minha experiência de professor, mesmo indicando leitura prévia, poucos alunos leem antes da aula, o que exige uma apresentação sintética antes de qualquer debate, ou este se transforma em uma espécie de farsa. Com  os amigos do Rio Grande do Norte, talvez eu devesse ter feito uma parte maior de perguntas e respostas e uma parte expositiva menor, em função do domínio do conteúdo.
Uma das reações que um livro sobre a prática mediúnica pode despertar em seus leitores é uma espécie de sensação de ameaça, na qual o leitor sente questionado em sua prática. Explicamos que esse não era o objetivo do trabalho, que vinha apenas para explicar como e por que dialogamos com os espíritos da forma descrita. Cabe a cada leitor e a cada casa estudar, entender e tomar suas próprias decisões de mudanças ou manutenção das práticas atuais. O ambiente que se criou foi muito consistente com essa proposta.

Capa do livro usado para o seminário

Fomos recebidos com muito carinho e envolvidos nos planos de reformas da nova sede do Luz Divina. A venda dos livros foi realizada para apoiar esta iniciativa, com o lucro revertido para o próprio grupo. O centro se organizou para comprar os livros diretamente das editoras e para divulgar com antecedência o evento. Essas ações foram tão bem sucedidas, que na semana do seminário eu já havia recebido dezoito perguntas e comentários sobre o livro. Deu gosto de ver os membros da casa mostrando as tarefas que fazem, os espaços a satisfação com o interesse que o seminário acabou potencializando e os planos de futuro. Senti-me como se já os conhecesse antes, como se fosse apenas um reencontro, tal a naturalidade com que conversamos sobre a mediunidade. 


Palestra sobre o livro "Novos estudos sobre a reencarnação"

A noite não poupou surpresas. A Federação Espírita do Rio Grande do Norte – FERN, mantém oito turmas de Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita, que participaram da exposição sobre o Novos Estudos sobre a Reencarnação. O número de pessoas que participam desse tipo de iniciativa é secundário, mas foi contagiante o entusiasmo que o público presente mostrou com o estudo doutrinário. A Federação tem uma excelente livraria, mas adotou o ato fraterno de apoiar o Centro Espírita Luz Divina, permitindo a venda dos livros que eles encomendaram no Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro e no Instituto Lachâtre, com a finalidade de apoiar o CELD no seu sonho futuro de construção da sede própria.

Por que novos estudos? Essa pergunta demandou considerações sobre a metodologia de pesquisa dos artigos que compõem o livro e possibilitou uma apresentação rápida dos novos pesquisadores internacionais do tema da reencarnação, como Jim Tucker, Antonia Mills e Erlendur Haraldsson.


Capa do livro divulgado na palestra

As perguntas do público foram todas procedentes, além do auxílio com algumas falhas de memória do expositor. O clima era de entendimento e a finalidade era a instrução. Assis, um dos dirigentes da casa que nos apoiou no evento, comentou após a palestra: 

- Aqui é uma casa em que se estuda o espiritismo.


Foto do público presente na Federação Espírita do Rio Grande do Norte

Como em todas as viagens que fazemos, sempre trazemos na bagagem muito aprendizado. Todos os que mostram compromisso com seu trabalho e suas casas, desenvolvem soluções criativas e relevantes para os desafios do seu contexto, e os espíritas potiguares não deixaram a desejar.

2.10.18

A HISTÓRIA DE KARDEC EM QUADRINHOS




Acabo de ler o livro “Kardec e os Espíritos”, na verdade uma grande história em quadrinhos para jovens e adultos que tem por tema a vida de Allan Kardec até o lançamento de O Livro dos Espíritos.



Como não podia deixar de ser, foi impresso com qualidade, e apesar da capa um pouco escura, a  história é contada em imagens mais claras, para as cenas que ocorrem supostamente de dia e outras que representam bem a noite e a penumbra,


O ilustrador e autor foi o portenho Guillermo Luis, que trabalha no Brasil desde 1985.

Ele optou por contar a história de modo não linear, entrelaçando a escrita e publicação de O Livro dos Espíritos, com a vida de Allan Kardec até seu contato com as mesas girantes.

Cada quadrinho é explicado nas páginas finais, que cita as fontes e distingue o que é ficção do que foi colhido nas diversas biografias de Allan Kardec. Muitos dos quadrinhos foram inspirados pelos escritos de Canuto Abreu, em seu “O livro dos espíritos e sua tradição histórica e lendária”.

Gabi ou Amélie, esposa de Rivail, ficou muito simpática nos traços e tintas do quadrinista.
Li o livro quase todo antes da palestra que fiz ontem , e as imagens facilitaram muito a memorização dos diversos personagens e passagens de Rivail-Kardec.

Recomendo aos interessados e espero que a editora consiga publicar em breve o tomo II, que será intitulado O Livro dos Médiuns.

22.9.18

FRATERNIDADE SEM FRONTEIRAS: GUERRILHEIROS DA INANIÇÃO




É nosso papel trabalhar por uma sociedade mais igual, em que o básico é visto como direito, não como privilégio. Enquanto as mudanças não são capazes de assegurar essa nova sociedade, há pessoas em situação de miséria, fome, insalubridade e abandono.

Alguma coisa pode ser feita por muitas dessas pessoas, e os espíritas, assim como outros cristãos, sabem disso. Para quem gosta de metáforas, entendo que eles são guerrilheiros da inanição. Não apenas a inanição por causa dos alimentos, mas por causa da falta de outras necessidades básicas do ser humano, como a convivência.

O DJ Alok fez um depoimento de apenas três minutos, em que ele narra seu encontro com Deus.

16.9.18

O ENLIHPE NO CORREIO.


Vista do público que participou do 14 Enlihpe

O jornal Correio Fraterno, do estado de São Paulo, publicou uma entrevista realizada conosco sobre o encontro da Liga de Pesquisadores do Espiritismo. Ela trata de temas instigantes, como por que pesquisar "Sobrevivência da alma" hoje.

Confiram! www.bit.ly/2PE8WJC


13.9.18

UNIÃO ESPÍRITA MINEIRA PUBLICA COBERTURA COMPLETA DO 14o. ENLIHPE



Mesa de abertura. Da esquerda para a direita: Alexander Moreira-Almeida (NUPES - UFJF), Jáder Sampaio (LIHPE), Samuel Magalhães (FEB), Felipe Stábile (UEM), A. J. Orlando (USE-Estadual), Júlia Nezu (CCDPE-ECM) e Raphael Carneiro (FEEES)

A União Espírita Mineira publicou recentemente uma matéria bem ampla explicando como foi o 14o. Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo - 14 Enlihpe. 

Com a presença de estudiosos de cinco estados e representações de quatro federativas, com a presença do presidente da USE-SP, A. J. Orlando, além de dirigentes de diversas instituições espíritas, o 14 Enlihpe possibilitou um estudo mais aprofundado sobre as pesquisas que se fizeram ontem e se fazem hoje acerca da Sobrevivência da Alma.

Foi realizada uma mesa de debates sobre as edições de A Gênese, os milagres e as predições segundo o espiritismo, de Allan Kardec.

Dois livros foram lançados: A sobrevivência da alma em foco, com os trabalhos dos expositores do evento, e Conversando com os espíritos. Os autores presentes tiveram espaço para autografar seus livros, como, por exemplo, Genealogia do espírito, de Humberto Schubert, Sócrates e religião, de Luiz Fernando Bandeira de Melo, entre outros. Os livros não esgotados podem ser adquiridos na livraria da União Espírita Mineira - Contato: (31) 3201-3038.

Mais detalhes podem ser lidos no endereço eletrônico abaixo:


Os interessados conseguem baixar as apresentações em powerpoint dos autores que as disponibilizaram ao público e as fotos do evento.

Aos que gostaram da palestra do Dr. Alexander Moreira-Almeida, recomendo o seguinte vídeo: https://m.youtube.com/watch?v=nNgomBLe5x8


7.9.18

O QUE É A TERCEIRA PARTE DA NOSSA REUNIÃO MEDIÚNICA?



Antes de cursar psicologia, já havia herdado uma inquietação dos ciclos de estudos de mediunidade dirigidos por meu pai na União Espírita Mineira: como distinguir mediunidade de animismo? 

Há um critério extremo, para quem tem faculdade mediúnica bem caracterizada: as informações corretas, não aprendidas anteriormente, transmitidas através da fala ou da escrita sobre pessoas que podem ser pesquisadas a partir de parentes ou pela literatura. 

E para quem tem uma faculdade incipiente? E os muitos médiuns que ficam se perguntando se as ideias que lhes vêm à mente são suas ou de terceiros? 

Uma das tentativas de possibilitar ao médium uma auto-análise de suas faculdades foi criar em nosso grupo mediúnico uma "terceira parte". O que é isso? Na primeira parte da reunião mediúnica estudamos um livro, geralmente que trata sobre mediunidade ou sobre a vida no mundo espiritual. Na segunda parte temos as comunicações mediúnicas, atendimentos aos espíritos, preces, passes e outras atividades espirituais. Na terceira parte, apresentamos sinteticamente as comunicações, médiuns e outros membros podem relatar o que lhes veio ao campo da consciência durante a parte mediúnica e médiuns e outros membros analisam os atendimentos aos espíritos e podem apresentar outras percepções que tiveram durante os diálogos, reações emocionais dos espíritos e dos próprios médiuns, atuações de outros espíritos durante a reunião, entre outras questões, que nos permitem conhecer melhor a faculdade de todos os membros. Muitos médiuns ainda em desenvolvimento das faculdades sentem-se mais seguros de relatar o que percebem durante a reunião, porque veem que não se tratam de frutos de sua imaginação pessoal ou animismo.

Esse e outros assuntos sobre mediunidade foram tratados no livro "Conversando com os espíritos", publicado pelo Instituto Lachâtre em agosto de 2018. O livro traz muitas das nossas experiências vividas ao longo de mais de trinta anos de reunião mediúnica, sempre remetendo o leitor à literatura espírita.

Ficha Técnica

Conversando com os espíritos
Jáder dos Reis Sampaio
Lachâtre
256 páginas
155 x 225 mm

Pode ser adquirido com desconto no site do Instituto Lachâtre, para envio pelos correios: 

http://www.lachatre.com.br/loja/conversando-com-os-espiritos.html

Aos leitores de Minas Gerais, já se encontra na Livraria Ysnard Machado Ennes, na Associação Espírita Célia Xavier e na União Espírita Mineira.

5.9.18

MUSEU HISTÓRICO, MUSEUS ESPÍRITAS.



O lamentável incêndio que destruiu as instalações do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista - cidade do Rio de Janeiro, colocou na pauta da imprensa a questão da desvalorização e da falta de valor da cultura no Brasil. Todos estamos reflexivos quando pensamos o quanto gastamos com um campeonato mundial de futebol e o quão pouco direcionamos para um Museu reconhecido internacionalmente, sob os cuidados da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Há pouco me dei conta como o meio espírita se preocupa pouco com a cultura e a memória. 

Tenho acompanhado os esforços dos diretores e trabalhadores do Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo - Eduardo Carvalho Monteiro (CCDPE-ECM). Acompanhei também, há mais de uma década, a construção e entrega do Museu Espírita de São Paulo, no bairro da Lapa - SP, para a Federação Espírita Brasileira. Tenho visto também iniciativas menores, como a Casa de Chico Xavier, em Pedro Leopoldo, que funciona como casa espírita e faz a guarda de objetos pessoais, livros e documentos de Chico Xavier. 

Há uma coisa comum entre essas três iniciativas: a primeira vem de Eduardo Carvalho Monteiro, a segunda de Paulo Toledo Machado e a terceira de Geraldo Lemos Neto. São entusiastas da cultura espírita que conseguiram congregar pessoas ao seu redor visando a promover instituições diferentes das tradicionais sociedades espíritas.

Com recursos bem mais modestos que nosso incendiado museu, elas vão se mantendo apesar da pouca atenção que lhe dão os milhões de espíritas e simpatizantes no Brasil. Que será pior, o incêndio ou a indiferença?

Ainda há pouco comentei a boa, mas equivocada intenção, de uma espírita que deseja transformar a livraria dos Leymarie em lugar de memória. Em que pese a desinformação da companheira, surge uma nova questão: o Museu Espírita de São Paulo estava há um ano fechado à visitação em função das reformas, que estão fazendo aniversário. O CCDPE-ECM é mantido com um quadro de sócios, doações e eventos promovidos por seus mantenedores e não sei dizer ao certo as fontes da Casa de Chico Xavier, talvez mantida por quadro de sócios e pela editora Vinha de Luz, que vem tentando preservar a memória de Chico Xavier, publicando documentos e textos inéditos.

Peço desculpas a outras instituições claramente voltadas para a cultura espírita, que não citei aqui. Peço aos leitores que as indiquem, colocando nome, endereço, cidade e finalidade na sessão de leitores do Espiritismo Comentado.

A questão que direciona o texto é: enquanto choramos pela perda do Museu Nacional, que ações fazemos com nossos pequenos museus espíritas? Visitamos? Doamos? Desenvolvemos projetos para captação de recursos e realização de pesquisas? Fomentamos parcerias? Promovemos eventos voltados ao conhecimento do trabalho nos museus? Escrevemos livros? Publicamos revistas especializadas?

Deixo ao leitor minhas inquietações.



2.9.18

HANSENÍASE, OBSESSÃO E CARIDADE


Lesões de hanseníase. O Brasil ainda é o segundo país com o maior número de doentes do mundo. A hanseníase já foi erradicada em muitos países.


Estamos terminando a leitura do livro “Nos bastidores da obsessão”, que faz uma espécie de “raio x” de uma história de obsessão de uma família, ligada em reencarnações passadas por laços de ódio, decepção e amor. O livro foi escrito por Manoel Philomeno de Miranda (Espírito) e psicografado por Divaldo Pereira Franco.

Nos romances espíritas em geral, é sempre difícil distinguir a fronteira entre o real e o imaginário, o que deve ter acontecido para o preenchimento de lacunas para manter a narrativa e torná-la interessante. 

Diversas situações nos chamaram a atenção nesse livro, mas uma das passagens que nos impressiona está no capítulo 15. Miranda vai falando de uma jovem chamada Ana Maria, que se encontrava em um leprosário. A história tem cena em 1938, uma época em que não havia tratamento para o bacilo de Hansen, cujo tratamento efetivo iniciou-se na década de 40.

O “tratamento”, portanto, era de isolamento dos doentes da sociedade para evitar contágio, e o que se usava eram paliativos. Se eu não estiver errado, até hoje o diagnóstico é feito a partir de sintomas e biópsia, o que dificulta a identificação antes do surgimento das lesões da pele. A cobertura com a vacina BCG, que começou a ser usada em 1927 no Brasil, dá alguma proteção contra a doença. A partir de 1962, apenas, a internação compulsória foi abandonada no Brasil e hoje é tratada em hospital geral, com poliquimioterapia, segundo recomendação da Organização Mundial de Saúde.

No livro, Miranda participa de um processo de desobsessão de Ana Maria. Os espíritos envolvidos no processo foram atendidos e convencidos a interromper sua influência. Como em outros casos já relatados na literatura espírita, houve remissão dos sintomas que foram diagnosticados como lepra.

O que nos chamou a atenção foi a participação de Petitinga na história. Ele acompanhou a desobsessão durante o sono, como narra Philomeno, obviamente sem se recordar do que se fazia após acordar.

Philomeno diz que em uma reunião mediúnica, após a desobsessão, os espíritos pedem a Petitinga que visite Ana Maria no isolamento em que se encontrava. Ele precisou usar influências políticas para quebrar o isolamento, e ainda assim foi proibido de visitá-la regularmente. Quando conseguiu acesso, constatou o desaparecimento das lesões e usou novamente sua influência para que ela fosse novamente avaliada por médicos, conseguindo sua alta. Petitinga não fez apenas isso. Ele conseguiu a colocação da mulher em um trabalho no qual os empregadores sabiam de sua história passada, o que é ainda mais admirável àquela época na qual só se sabia que o mal de Hansen era uma doença contagiosa e da qual se devia manter distância.

Teria sido um diagnóstico errado que levou Ana Maria ao isolamento? Não importa. Este artigo foi escrito para destacar o papel de Petitinga na história. Algum de nós se envolveria no resgate de um hanseniano, vivendo naquela época, ante um pedido espiritual em reunião mediúnica, de uma pessoa que desconhecia? Usaria sua rede de conhecimentos para recolocá-lo na sociedade? Esse é o grande fenômeno espírita: a caridade entre os homens.