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9.6.07

Carlos Imbassahy


Vendo o rumo que tomam os debates no Movimento Espírita, recordei-me de um grande homem a quem tento, mas não consigo seguir os passos. O texto abaixo mostra um dos inúmeros episódios de polêmica no qual fez a defesa do Espiritismo, com uma elegância tal que não fazia inimigos. Acho que estes tempos se foram, mas nada impede que voltem.

"Certo dia o grande Medeiros e Albuquerque, autor de "Graves e Fúteis", membro da Academia Brasileira de Letras, orador renomado e uma das mais brilhantes penas do Rio de Janeiro, resolveu atacar o Espiritismo. Era psicanalista e escolheu para tema de um de seus inúmeros artigos os fenômenos espiríticos, procurando demonstrá-los à luz da interpretação freudiana.

Meu pai arvorou-se em rebater-lhe o artigo: escreveu a réplica e pediu a meu avô, crítico musical do Jornal do Brasil, que o fizesse publicar no referido periódico.

Como genitor, também dedicado às letras, antes de atender ao pedido do filho, fez-lhe ver que aquilo era loucura: querer discutir com um homem cuja pena todos temiam com justa razão.

- Não se importe, meu pai: ele sabe escrever, porém não conhece Espiritismo e nisso não leva nenhuma vantagem.

O redator do jornal adorou a idéia dessa polêmica e mandou publicar o trabalho, embora comentasse para o velho Arthur:

- Seu filho vai se meter em palpos de aranha; o Medeiros irá reduzi-lo, que não lhe poupa ninguém!

Mas a resposta do grande Medeiros e Albuquerque que tardava, para espanto geral.

Estava meu pai em seu trabalho, na "Estatística", à Rua Luiz de Camões, quando um contínuo veio anunciar-lhe que um senhor meio surdo desejava falar-lhe.

- Mande-o entrar.

E o convidado não se fez esperar. Um senhor bem apessoado dirigiu-se a meu pai:

- Talvez não me conheça... sou Medeiros e Albuquerque.

- !

- ... Vim porque li seu artigo e desejo respondê-lo, porém, por um princípio íntimo de honestidade, gostaria de debater alguns pontos críticos...

E começou a indagar coisas de Espiritismo. Uma conversa agradabilíssima de um homem erudito, fino, polido em toda íntegra, a inquirir pelo desejo de conhecer, debatendo o tema.

No dia seguinte, fez publicar um artigo no qual declarava que tomava conhecimento da resposta de meu pai e que, em breve, voltaria ao assunto, assim que reunisse elementos para a polêmica.

E as visitas tiveram continuidade, só a contra-resposta é que nunca foi escrita: dizem mesmo que, ao fim da vida, Medeiros e Albuquerque houvera declarado.

- Fui materialista durante esta existência; se houvesse religião que eu pudesse aceitar, esta seria o Espiritismo." (Memórias Pitorescas de Meu Pai, Carlos de Brito Imbassahy, 2a. ed, 1989, p. 283-284)


Passaram-se os anos e Medeiros e Albuquerque, espírito, deixa duas pérolas no livro "A Canção do Destino", citado abaixo.





8 comentários:

  1. ana cristina16 maio, 2009

    Reconfortante o texto, pois ultimamente tenho sido assombradas por estas contradições. Psicanálise X Espiritismo. Seria muita pretensão atribuir-se tudo à mente humana.

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  2. Ana Cristina,

    Imbassahy escreveu livros sobre psicanálise e Espiritismo, na linha da distinção entre o fenômeno espírita e o inconsciente. Como não temos uma escola espírita, no sentido de dar formação sistemática aos espíritas, os autores antigos que fizeram trabalhos importantes de diálogo com os clássicos vão sendo esquecidos e gente com formação e capacidade muito reduzidas publicam novidades a rodo (sem querer generalizar).

    Que bom que você está estudando esta questão.

    Um abraço

    Jáder

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  3. Sou espírita e concluí graduação em Psicologia. Tenho estudado psicanálise e suas indicações se mostraram preciosas.

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  4. Creio que tentativas como essa, que colocam em oposição espiritismo e psicanálise, apesar de interessantes, se baseiam na falsa premissa de que as duas "disciplinas" têm o mesmo objeto de estudo. A teoria freudiana não tem a pretensão de fazer afirmações sobre a natureza do universo, da vida ou da existência (embora alguns psicanalistas acreditem nisso). Estas são deixadas a cargo de outros conhecimentos, como a filosofia e a religião. As descobertas da psicanálise derivam da pesquisa clínica e, embora seja possível com elas fazer inferências ao campo da cultura e da ciência, por exemplo, as afirmações psicanalíticas têm validade limitada. Ego, id, superego, recalcamento... são abstrações, e embora Freud fosse assumidamente materialista (no sentido de que era um descrente das religiões), tanto ele quanto os psicanalistas sérios reconhecem este fato.

    Quanto à afirmação de que Freud reduz o objetivo do impulso sexual à procura de prazer, ela está baseada em uma suposição comum, mas errônea e simplista, que associa sexualidade a comportamentos imorais, quando a sexualidade aqui é um conceito muito mais abrangente e que, se pensarmos com Freud, motiva as "mais altas realizações humanas" e, inclusive, a criação de uma moralidade. Isto não desqualifica ou reduz a importância que a moralidade tem no desenvolvimento humano. É apenas uma tentativa de compreender a dinâmica subjetiva de um fenômeno objetivo.

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  5. Tentativa, diga-se de passagem, das mais bem sucedidas até hoje, mesmo entre as ciências "duras". O espiritismo, pelo menos até onde o conheço, não tem o mesmo sucesso, não por uma limitação de seus seguidores, mas porque esta não é uma questão que diga respeito ao espiritismo. A concepção psicanalítica sobre os fenômenos inconscientes não diz absolutamente nada sobre o que subjaz a realidade, seja acaso, divindade ou o que quer que seja. Aliás, corroborando com essa perspectiva, o próprio Freud, no Capítulo XII de "Sobre a psicologia da vida cotidiana", denominado "Determinismo, crença no acaso e superstição - alguns pontos de vista", diz:

    "Embora admitamos que estas nossas observações de maneira alguma esgotam a psicologia da superstição, somos forçados pelo menos a tocar numa questão: se devemos negar inteiramente as raízes reais da superstição, se de fato não existem pressentimentos, sonhos proféticos, experiências telepáticas, manifestações de forças sobrenaturais e coisas semelhantes.
    Estou longe de pretender condenar tão cabalmente esses fenômenos, dos quais tantas observações detalhadas têm sido feitas inclusive por homens de intelecto destacado, e que melhor seria transformar em objeto de outras investigações. É até de se esperar que parte dessas observações venha a ser explicada por nosso reconhecimento incipiente dos processos anímicos inconscientes, sem que haja necessidade de modificações radicais nas concepções que hoje sustentamos. Se ficasse provada a existência de ainda outros fenômenos - por exemplo, os afirmados pelos espíritas -, trataríamos apenas de modificar nossas “leis” da maneira exigida pelo novo saber, sem abalarmos nossa crença na coerência das coisas no mundo."

    (Freud, Obras completas, Vol. 6)

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  6. Renan,

    Obrigado por seus comentários.

    A questão de época é a redução dos fenômenos mediúnicos a fenômenos do inconsciente. Médicos e psiquiatras aderiram fortemente a esta ideia em decorrência de sua resistência contra a teoria espírita. Eles utilizaram a teoria psicanalítica para discutir os fenômenos espíritas. Foi contra isto que Imbassahy escreveu.

    O pensamento espírita tem uma origem empírica também. Não se pode reduzir seu escopo à filosofia e à religião, sem negar a contribuição de dezenas de pesquisadores que observaram o fenômeno mediúnico e teorizaram a partir destas observações.

    Quanto à questão da motivação em Freud, estou de acordo com você, e não consegui encontrar no texto uma afirmação que justificasse sua observação. Com quem você está dialogando?

    Um abraço

    Jáder Sampaio

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  7. Olá Jader. Logo de início, peço desculpas por ter postado aqui um comentário que fiz em outro site, sem adaptá-lo melhor para responder ao seu. Postei aqui porque acho que ele tem relação com o episódio narrado, em que psicanálise e espiritismo são colocados como teorias que se excluem. Na verdade, a parte do meu texto que a meu ver mais contribui para esta questão é a segunda, que por razões de espaço eu postaria depois mas que, só agora vejo, acabou não indo. É a seguinte:A concepção psicanalítica sobre os fenômenos inconscientes não diz absolutamente nada sobre o que subjaz a realidade, seja acaso, divindade ou o que quer que seja. Aliás, corroborando com essa perspectiva, o próprio Freud, no Capítulo XII de "Sobre a psicologia da vida cotidiana", denominado "Determinismo, crença no acaso e superstição - alguns pontos de vista", diz: "Embora admitamos que estas nossas observações de maneira alguma esgotam a psicologia da superstição, somos forçados pelo menos a tocar numa questão: se devemos negar inteiramente as raízes reais da superstição, se de fato não existem pressentimentos, sonhos proféticos, experiências telepáticas, manifestações de forças sobrenaturais e coisas semelhantes. Estou longe de pretender condenar tão cabalmente esses fenômenos, dos quais tantas observações detalhadas têm sido feitas inclusive por homens de intelecto destacado, e que melhor seria transformar em objeto de outras investigações. É até de se esperar que parte dessas observações venha a ser explicada por nosso reconhecimento incipiente dos processos anímicos inconscientes, sem que haja necessidade de modificações radicais nas concepções que hoje sustentamos. Se ficasse provada a existência de ainda outros fenômenos - por exemplo, os afirmados pelos espíritas -, trataríamos apenas de modificar nossas ?leis? da maneira exigida pelo novo saber, sem abalarmos nossa crença na coerência das coisas no mundo." (Freud, Obras completas, Vol. VI)

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  8. Mas, sigamos em frente. Lembremos que não adianta olhar o passado e tentar crucificar as ortodoxias da fé, se tomarmos atitudes similares apenas colocando o rótulo de ciência ou de razão. Faz muito tempo que estamos sendo ludibriados por interesseiros e mesquinhos para que continuemos cegos e educados por mídias vazias de conteúdo significativo.

    É chegado o momentos de analisarmos a vida abundante que nos convida à participarmos da construção de um mundo novo, mais justo, com pessoas que se respeitam e se ajudam.

    Edifiquemos esse mundo novo, já que seremos nós próprios que haveremos de herdá-lo.

    Muita paz.

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