Páginas
▼
4.3.08
Kardec, Rivail e a Geração Espontânea
Figura 1: Pasteur e a neta Camille (Fonte: Os Cientistas, Abril Cultural)
O tema da geração espontânea tem sido debatido pelos espíritas hoje. Atribuem a Kardec a defesa desta teoria, geralmente citando a questão 46 de "O Livro dos Espíritos".
À época de Kardec, esta crença da antiguidade era popular entre os cientistas. A vida surgiria de gérmens, postos em condições propícias. "No século XVII, o médico belga, Van Helmont, descobridor do suco gástrico, afirmava que da reunião de uma camisa suja com pedaços de queijo poderiam nascer camundongos". Francesco Redi fez experimentos melhor controlados e concluiu que as larvas que nasciam da carne putrefata nasciam de ovos depositados por outros animais da mesma espécie (moscas). Leeuwenhoek revelou a existência de microorganismos a partir do uso de microscópios.
Pasteur mostrou que o ar contém corpúsculos organizados, e que os microorganismos que surgiam nos líquidos não fervidos, "não eram oriundos do nada, mas descendentes de outros organismos similares". Em 1864, Pasteur e Pouchet, este último defensor da geração espontânea, estavam submetendo seus resultados experimentais à Academia de Ciências. (Fonte: Os Cientistas, cap. 29, Louis Pasteur)
Como toda obra filosófica, a obra de Kardec não deveria ser estudada em migalhas, mas sempre com uma visão de todo. Os demais livros da codificação, desenvolvem idéias apresentadas sinteticamente em "O Livro dos Espíritos".
Em "A Gênese" e no volume de Julho de 1868 da "Revista Espírita", Kardec desenvolve melhor a questão. Gostaria de chamar a atenção dos leitores a algumas frases pouco citadas:
"Param aí, por enquanto, as investigações: desaparece o fio condutor e, até que ele seja encontrado, fica aberto o campo a hipóteses. Fora pois, imprudente e prematuro apresentar meros sistemas como verdades absolutas." (parágrafo 22, do capítulo X da Gênese)
"No estado atual dos nossos conhecimentos, não podemos estabelecer a teoria da geração espontânea permanentemente, senão como hipótese, mas como hipótese provável e que um dia talvez tome lugar entre as verdades científicas incontestes." (parágrafo 23 do capítulo X da Gênese)
A seguir encontram-se excertos do texto "A geração espontânea e a Gênese", publicada na Revista Espírita de julho de 1868, comentando os debates sobre a posição de Kardec na Gênese.
"Em nossa obra sobre a Gênese, desenvolvemos a teoria da geração espontânea como uma hipótese provável. Alguns partidários absolutos desta teoria admiraram-se que não a tenhamos afirmado como princípio. A isto respondemos que se a questão está resolvida para uns, não o está para todos, e a prova é que, a respeito, a ciência ainda está dividida. Aliás, ela é do domínio científico, onde o Espiritismo pode entrar, mas onde nada lhe cabe resolver de maneira definitiva, naquilo que não é essencialmente seu campo."
"Pelo fato de o Espiritismo assimilar todas as idéias progressistas, não se segue que ele se faça campeão cego de todas as concepções novas, por mais sedutoras que apresentem à primeira vista, com o risco de, mais tarde, receber um desmentido da experiência, e de se dar ao ridículo de haver patrocinado uma obra inviável. Se não se pronuncia abertamente sobre certas questões controvertidas, não é, como poderiam supor, para poupar os dois partidos, mas por prudência, e para não se adiantar levianamente num terreno ainda não suficientemente explorado." (...)
"A questão da geração espontânea está neste número. Pessoalmente é para nós uma convicção e se a tivéssemos tratado numa obra comum te-la-íamos resolvido pela afirmativa; mas numa obra constitutiva da doutrina espírita, as opiniões individuais não podem se fazer lei; não sendo a doutrina baseada em probabilidades, não podíamos resolver uma questão de tal importância, apenas surgida, e que ainda está em litígio entre os especialistas." (itálicos nossos)
"Então, quando formulamos um princípio é que nos temos assegurado, de início, o assentimento da maioria dos homens e dos Espíritos." (...)
"Deixemos, pois, o materialismo estudar as propriedades da matéria; tal estudo é indispensável, e será feito: o espiritualismo não terá mais que completar o trabalho no que lhe concerne. Aceitemos suas descobertas e não nos inquietemos com suas conclusões absolutas, porque sua insuficiência, pata tudo resolver, uma vez demonstrada, as necessidades de uma lógica rigorosa concluirão forçosamente pela espiritualidade. (...)"
Como se pode concluir, Rivail era convicto partidário da geração espontânea, que defendeu criticando os principais experimentos da época, favoráveis à hipótese oposta. Vale a pena ler o resto do capítulo da Revista Espírita.
Apesar de partidário, ele soube distinguir sua opinião pessoal da posição da Doutrina Espírita. Ele não afirmou a geração espontânea como princípio, no que foi criticado pelos adeptos desta teoria, e mostrou que o tema estava longe de ser resolvido pela ciência de sua época. Kardec, portanto, manteve a dúvida e o caráter hipotético da geração espontânea, se considerarmos todos os seus escritos sobre o tema e não apenas os rápidos ensaios da codificação. O avanço das Ciências Naturais mostrou que Rivail estava errado, mas que Kardec foi prudente.
Em matéria de Espiritismo, vale a pena estudar mais profundamente, antes de emitir opinião.
Olá! Muito bom post, mas tenho uma indagação a mais. Além do maravilhoso discernimento do Rivail, não é só da opinião dele. Pela segunda edição do livro dos espíritos, os próprios espíritos responderam sobre a geração espontânea, ao menos foi o que entendi. Dado que toda a obra teria sido revisada pelos próprios espíritos, acho um pouco estranho que tenham "permitido" tal afirmação, se pouco tempo depois aprendemos pelas ciências que não o é de fato. Talvez aquilo sobre falar apenas o que a humanidade à época estava pronta a entender, mas acho ainda muito curioso.
ResponderExcluirVocê está se referindo à questão 46 que citei no início do post?
ResponderExcluirJader,claro que o comentarista se refere a qu estão 46,pois este assunto está nas questões 43 a 49 Le. E nessas respostas fica claro que os espíritos que responderam acreditavam na geração espontânea! Ou quem acreditava era o médium e houve animismo aí. As respostas são bem claras a favor da geracao espontanea temos que assumir isso não adianta fugir. Ocorre que esse não é um conceito doutrinário não tem importância estar errado. Tem que separar o que é doutrina do que é filosofia espírita. Na doutrina não existe erro algum porque trata apenas de conceitos considerados universais. Já na parte filosófica não tem problema algum ter erros ou mudar conceitos que é aliás considerado salutar, além de honesto.
ResponderExcluirOlavo,
ResponderExcluirNão defendo a "infalibilidade dos livros de Kardec", o que seria uma contradição com o pensamento do estudioso francês, mas como você interpreta a leitura que o próprio autor faz de sua obra no artigo da Revista Espírita? Ele teria entrado em contradição consigo mesmo?
Jáder