Meu primeiro contato com
Policarpo de Esmirna foi através da carta que Inácio de Antioquia escreveu-lhe.
Ao que tudo indica, Policarpo era um jovem bispo, quando Inácio estava rumo à
execução, porque seria julgado e condenado em Roma como cristão. Inácio não
temia a morte, e sentia-se honrado em desencarnar da mesma forma que Jesus e
alguns de seus apóstolos.
Muitos anos mais tarde, Policarpo
seguir-lhe-ia os passos. Os cristãos continuavam sendo minoria no império
romano, e sua fé era vista como um desacato à autoridade dos imperadores.
Curiosamente, eles eram vistos como ateus, por não aceitarem a divindade dos césares
e o culto aos deuses romanos. O autor da história do seu martírio (Piônio de
Esmirna? Márcion? Evaristo?) escreveu: “Felizes e generosos todos os mártires
que surgem pela vontade de Deus.” (Martírio 2:1)
Este mesmo autor destaca que no
meio cristão do segundo século, os cristãos não se entregavam às autoridades,
mas uma vez presos e levados a sacrificar ao imperador e a negar sua crença, a
grande maioria deles não titubeava. Os romanos os ameaçavam com torturas
físicas, com as feras e com a fogueira. Tudo leva a crer que desejavam
principalmente que os cristãos se submetessem publicamente a César, negando sua
fé, para intimidar e humilhar os profitentes do cristianismo.
A perseguição de Policarpo é
desencadeada pelo martírio do jovem Germânico, que foi levado às feras, e instigado
pelo procônsul a abjurar, sob o argumento “que tivesse piedade de sua própria juventude”
(Martírio 3:1) Germânico atiçou as feras para que se consumasse sua sentença e a
multidão gritou: “Abaixo os ateus! Trazei Policarpo.” Diz a tradição que
Policarpo seria o décimo segundo cristão a ser sacrificado em Esmirna).
Três dias antes de ser preso
Policarpo sonhou com um travesseiro em chamas. Sua interpretação foi que seria
queimado vivo. Ele foi levado a uma pequena propriedade, mas os romanos
prenderam e torturaram “dois pequenos escravos”, que entregaram onde ele estava.
Ele foi localizado pelo chefe de polícia (Herodes), desceu calmamente do piso
superior da casa, conversou com seus perseguidores, que se espantaram com a
idade avançada e a calma de Policarpo, e lhe permitiram orar durante duas horas.
O esmirniota mandou servir-lhes o que comer e beber, enquanto fazia suas
preces.
O procônsul, em julgamento
público fez com que se anunciasse no estádio três vezes: “Policarpo se declarou
cristão!” Romanos e judeus teriam dito: “Eis o mestre da Ásia, o pai dos
cristãos, o destruidor de nossos deuses! É ele que ensina muita gente a não
sacrificar e não adorar.” (Martírio 12:2) Eles pediram que fosse lançado um
leão contra Policarpo, mas isso não foi considerado lícito, porque o combate
com feras já havia terminado. Então, gritaram que fosse queimado vivo,
confirmando aos olhos de Policarpo o significado de seu sonho.
Principalmente os judeus, segundo
o narrador, recolheram lenha e feixes para a pira. Policarpo despiu-se e
retirou os calçados. Seus executores desejavam pregá-lo, mas ele disse: “Deixai-me
assim. Aquele que me concede força para suportar o fogo, dar-me-á força para
permanecer imóvel na fogueira, também sem a proteção de vossos pregos”
(Martírio 13:3) Então ele foi amarrado com as mãos atrás das costas, o que fez
com que os conhecedores do judaísmo o vissem como o cordeiro do sacrifício.
Policarpo fez uma prece a Jesus, da qual extraio algumas frases: “Eu te bendigo
por teres me considerado digno deste dia e desta hora, de tomar parte entre os
mártires, e do cálice de teu Cristo, para a ressurreição da vida eterna da alma
e do corpo, na incorruptibilidadedo Espírito Santo.” (Martírio 14:2) Ele ainda
louvou e bendisse a Deus.
Os executores tocaram fogo na
pira, e o narrador diz que em vez de queimá-lo, as chamas envolveram o corpo,
como uma “espécie de abóbada” e ele permaneceu no meio, como “pão que assa,
como ouro ou prata brilhando na fornalha”. Sentiu-se um perfume de incenso. O
povo, então, pediu que o carrasco o executasse com um golpe de adaga, uma vez
que o fogo não o consumia, e, feito, o sangue jorrou e apagou o fogo. Os
cristãos pediram-lhe o corpo, mas o magistrado negou, afirmando: “Não aconteça
que eles, abandonando o crucificado, passem a cultuar esse aí.” (Martírio,
17:2) O centurião, então, fez queimar o corpo, e os cristãos recolheram depois
os ossos, para colocá-los “em local conveniente” e celebrar o aniversário de
sua morte.
Os relatos são atribuídos originalmente
a Irineu, discípulo do bispo de Esmirna, mas são cópias de cópias. Independente
do que é factual e do que é legendário, é indiscutível que a coragem destes
cristãos primeiros nos legou o acesso aos ensinamentos de Jesus, passados mais
de dois mil anos de seu nascimento.
Referência:
Martírio de São Policarpo, Bispo de Esmirna. in: Padres Apostólicos. São Paulo: Paulus, 1995.(Patrística)
Muito bom, Jader!
ResponderExcluirUm abraço daqui do sul do Brasil. Tenhas um 2014 iluminado.
Obrigado, Dilmar! Sua região é muito linda!
ResponderExcluirExiste um cristianismo, e seus mártires, que, definitivamente, não conhecemos.
ResponderExcluirÓtimo material, Jáder!