Kübler-Ross e uma paciente
Acabo de ler, no meu Kindle, “A Roda da Vida”, de
Elisabeth Kübler-Ross, uma autora suíça que ficou conhecida internacionalmente
por seu livro “Sobre a morte e o morrer”. Fiquei profundamente tocado com a
leitura.
O livro é uma autobiografia
corajosa, na qual Elisabeth nos conta sua jornada em busca de si-mesma, do
nascimento até o que poderia chamar decrepitude do corpo. Considero a autora corajosa, porque ela não
se preocupa muito com o que vão pensar dela. Ela relata suas vivências e
experiências, suas escolhas, suas lutas, seus erros e equívocos e as crenças às
quais se entrega, mesmo algumas que me soaram como ingênuas.
Esta franqueza clara de Elisabeth
chocou o mundo em que viveu. Ela sempre viveu anos à frente de sua época, e
apesar de sua péssima experiência com alguns cristãos, ela sempre viveu estritamente
dentro da proposta do cristo.
Ela nos fala da frieza do coração
dos homens, que ela enfrentou a vida toda, e começa com um pai controlador e
rigorosíssimo, que ela aprendeu a compreender e amar, sem nunca deixar subjugar
seus ideias superiores. Da Suíça, oásis de tranquilidade na Europa
convulsionada pela segunda grande guerra, Elisabeth, ainda jovenzinha, vai se
voluntariar para ajudar os poloneses e outros países destruídos pela insanidade
dos governos europeus, sem ter nem um travesseiro onde recostar a cabeça.
Maydanek é um campo de
extermínio, onde a Dra. Ross vai aprender sobre a sombra dos seres humanos com
a judia Golda, que sobreviveu por um triz do holocausto. Golda ensina a ela que
todos temos um lado negro, e que poderíamos estar no lugar dos que trabalharam
sob ordens para a máquina da morte dos nazistas. A compreensão de Golda é uma
grande lição para a humanidade, um foco de luz em um momento de profundas
trevas.
Nas paredes das câmaras de gás, Elisabeth
viu borboletas, imagem que irá
acompanhar o leitor ao longo de sua trajetória. Por que pessoas diante da morte
resolvem desenhar borboletas nas paredes de seu local de execução?
Em alguns momentos, depois de
enfrentar a intolerância de sua época, encontramos a Dra. Ross, que está à
beira dos leitos dos moribundos, auxiliando-os a superar medos, ódios,
problemas que os fazem sofrer. Dos leitos aos seminários, sempre mal vistos
pelo tabu da morte, que apavora o imaginário dos médicos e hospitais, sempre
preocupados em fazer viver o corpo, e muitas vezes negligentes com a alma-mente
de seus pacientes, e com a deles própria.
Mais um pouco e vemos a Dra. Ross
às voltas com pacientes que relatam experiências de quase morte, as que
notabilizaram o Dr. Raymond Moody Jr. Mais um pouco e surgem as experiências
mediúnicas e o projeto para lidar com a AIDS, no seu pior momento, em que ela
foi percebida pelo povo americano como o “câncer gay”, e todos passaram a temer
os aidéticos, da mesma forma que eram temidos os leprosos no tempo de Jesus (ou
talvez pior).
O livro já está no mercado há
muito tempo, e fiquei me perguntando por que ninguém fez uma resenha dele no
Reformador, por exemplo. Pelo menos, não encontrei com os instrumentos de busca
nada sobre a Dra. Ross. Acho que os
espíritas vão detestar (e com razão) a dependência dela com o cigarro, a
mediunidade paga, as fraudes mediúnicas da qual é vítima, a crença em fadas, e
muitas outras pequenas coisas que aparecem no livro. Contudo, acho que nenhum
de nós deixará de admirar a posição dela contra a eutanásia, e a forma corajosa
como ela ajuda as pessoas a entenderem o sofrimento como uma lição a ser
aprendida, sua humildade, ao descobrir professores em todas as classes sociais,
aprender com eles e ensinar suas lições, seu destemor ante o risco real da
violência da Europa pós-guerra, das doenças e mesmo do sofrimento da morte. Admirei
a forma com que ela lidou com a violência a que foi submetida sistematicamente,
por pessoas que se auto-intitulavam cristãs, mas que se deixaram levar pelo
medo e pelo preconceito. Ela é uma daquelas pessoas raras, que nos faz ter
orgulho de sermos humanos. Adorei também a leitura que ela faz da
supervalorização dada a conhecimentos científicos. Sem desmerecer a ciência
(bem, sou ou fui cientista e gosto muito dela), ela nos mostra que há momentos
em que as teorias e técnicas por si só não não têm respostas para os nossos problemas,
como os cientistas podem ficar míopes, por apenas serem capazes de visualizar
suas teorias e conhecimentos, frágeis ante novos desafios que surgem. Gostei
também de sua indignação contra os burocratas, mesmo que seja exagerada em
determinados momentos, o que é típico das pessoas obstinadas e cheias de
energia como ela. Adorei também sua denúncia da cisão de comportamento de
alguns religiosos, que, como dizia Jesus em seu tempo, dizem “Senhor, Senhor
nas esquinas, mas devoram a casa das viúvas”.
Eu não quero contar mais sobre o
enredo, porque ela escreveu um livro cheio de surpresas, similar a um romance
de suspense, e quanto mais eu falar, mais atrapalho a experiência do leitor. Peço
aos espíritas que se contenham para ler o livro, porque mesmo tendo coisas que
vão de encontro aos nossos valores, e que não apoiamos, ele fala de uma grande
e teimosa alma, digna da nossa admiração em um mundo contemporâneo cheio de
relativismos vãos, consumismo e narcisismo.
Jàder,
ResponderExcluirAcabo de ler o Livro A Roda da Vida, motivada pelo que li a respeito dele em seu blog. Também tenho um Kindle, o qual estou amando. Assim comprei o livro logo que li sua resenha.
Amei a leitura e em muitos momento me perguntei se esta mulher existe, ou existiu. Digo isso por causa de seu trabalho, com os doentes terminais, por causa de sua determinação e de sua coragem. Acho que eu recuaria diante do primeiro obstaculo que encontrasse pela frente. Meu Deus tenho muito que aprender!...
Teve momentos da leitura, especialmente no ponto em que ela se envolve com pesquisas sobre a vida além da morte, e se vê às voltas com as fraudes mediúnicas, que fiquei me perguntando porque razão não caiu nas mãos da Dra. Ross, por exemplo um livro dos Espíritos, ou um livro dos Médiuns de Allan Kardec. Fiquei me perguntando também como ela uma pessoa que viajava tanto e ia em busca daquilo que lhe interessava, fosse onde fosse, não descobriu um Chico Xavier em Uberaba MG, aliás um contemporâneo da Dra Ross. Que pena...
Muito bom o livro.
Obrigada pela existência de seu blog.
Abraços,
Lucia de Almeida Terra Limiro
Lúcia, realmente a Dra. Kübler-Ross faz a gente se sentir muito pequeno. A capacidade de perdoar desta mulher parece infinita, não é mesmo? Infelizmente Kardec não é muito conhecido nos países cuja língua mãe é o inglês, apesar de haver traduções de suas obras desde o século XIX É um trabalho importante para o movimento espírita dar-lhe visibilidade nestes países.
ResponderExcluirOntem há noite terminei a leitura desta maravilhosa obra. Desde criança anseio por respostas sobre o processo de morrer, por ter vivido uma experiência incrível com a doença do meu amado pai. Com seis anos de idade me vi a frente de uma vida cheia de obstáculos. Não sabia do que se tratava, mas meu pai tinha uma doença que ia tirando aos poucos a sua vida. Ele viveu 17 anos, e foram os anos mais cheios de luz da minha vida. Eu sentia (mesmo sem saber disso) a presença amorosa dos espíritos de luz que o acompanhavam.
ResponderExcluirO livro me colocou novamente em várias situações vividas com meu pai e pude, finalmente, compreender no meu coração, o sentido de eu ter vivido tudo aquilo. Sinto profundo agradecimento pela forma simples que a Dra. Ross escreveu sua biografia. Sofri com ela quando encontrou o médium B. e sua esposa. Fiquei confusa por ela ter se deixado enganar, mas no decorrer do livro, ficou claro que estes momentos de engano são para nosso crescimento, pois na nossa ânsia de aceitar os outros às vezes nos esquecemos de enxergar com os olhos da nossa intuição.
Agradeço o depoimento sensível e pessoal.
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