Dezembro de 1863. Allan Kardec
dava mostras de alguma tristeza quando publicou “Período de Luta” na Revue Spirite. Os últimos
anos não haviam sido fáceis. Após o acolhimento inicial de seu primeiro livro
espírita, diversos grupos começaram a se organizar pela Europa ou a enviar
correspondências para o autor da boa notícia. Queriam trocar informações,
queriam orientações de funcionamento, queriam diálogo. Os anos subsequentes ao
abril de 1857 foram muito frutuosos, e ele havia revisto e ampliado “O livro
dos espíritos”, publicado um livro introdutório para os iniciantes, impresso um
guia, espécie de manual, que explicava o que é mediunidade e como organizar
sessões experimentais. Sua maior realização, entretanto, havia sido a
publicação de uma revista mensal, para a qual não faltavam assinantes de
diversas partes do continente e fora dele.
Após o sucesso inicial do Espiritismo, termo que ele cunhou
para distinguir a doutrina desenvolvida em diálogo com Espíritos que
comunicavam através de médiuns, Kardec começou a enfrentar as críticas e até pequenas
agressões verbais que surgiam de diferentes segmentos da sociedade. A princípio
ele acreditava que o estudo científico-filosófico da vida após a morte poderia
ser uma alternativa ao desgastado pensamento religioso, e que religiosos de
diversas designações poderiam se interessar e tornarem-se estudiosos dos
ensinamentos espirituais.
A igreja, contudo, havia dado o que considerava ser um golpe
de misericórdia na doutrina nascente: inserira no index prohibitorum seus dois livros mais populares, fechando as
portas do Espiritismo aos católicos fiéis. A Europa, contudo, já não era mais o
grande feudo cultural do século XVI, e os livros continuavam sendo procurados,
as assinaturas continuavam chegando, a correspondência aumentava.
Após tanto desgaste pessoal, e diante do aumento de
trabalho, entrevendo a dificuldade das instituições antigas reverem seus dogmas
e abrirem mão de seu poder secular, Kardec comunica em apenas uma linha que
reveria a linha de trabalhos adotada até então:
“A luta determinará uma nova fase do Espiritismo e levará ao
quarto período, que será o período religioso.”
Em apenas quatro meses, um novo livro seria publicado:
Imitação do evangelho segundo o espiritismo, que na segunda edição já
apresentava o título que o transformaria no livro mais vendido de Kardec nas
terras brasileiras, ao longo dos séculos XX e XXI. Kardec começa a publicar
sobre o cristianismo e o Cristo, dando bases a uma proposta ética do movimento
nascente.
Dali para o futuro, todos os livros passariam a tratar
diretamente dos ensinamentos de Jesus à luz do conhecimento espírita. Estava
consolidado o período religioso.
Interessantíssimo o texto, e mais ainda o tema.
ResponderExcluirPoucos compreendem realmente as motivações positivistas que impulsionavam a busca de Kardec, por uma "verdade" a respeito da realidade espiritual. É claro que, em algum momento, seria necessário um comentário mais aprofundado da moralidade, e dos ensinamentos evangélicos.
O que pareceu ser, no seu texto, o "período religioso", talvez precise ser melhor compreendido, para que, também nós espíritas não caiamos nas mesmas armadilhas religiosas, como o dogmatismo, fundamentalismo e até mesmo uma desvalorização de outras religiões.
Obrigado pelos esclarecimentos e pela oportunidade.
Jáder, texto bem pertinente.
ResponderExcluirPor alguma dificuldade ou resistência na compreensão do corpo teórico do Espiritismo, alguns criticam o fato da Doutrina dos Espíritos ser, como o próprio Kardec afirmou, uma religião em seu sentido filosófico.
Apenas para destacar o caráter religioso e cristão, segue uma afirmação de Kardec publicada na Revista Espírita, em abril de 1866:
“Inscrevendo no frontispício do Espiritismo a suprema lei do Cristo, abrimos o caminho para o Espiritismo Cristão, e fomos instituídos, pois, em desenvolver os seus princípios, assim como os caracteres do verdadeiro espírita sob esse ponto de vista”.
O problema de interpretação é visível em dois extremos: de um lado aqueles que não conseguem compreender o Espiritismo como religião por não ser institucionalizada e sem hierarquia clerical etc. e de outro lado aqueles que pretendem "Igrejificar" e mistificar o Espiritismo. Ambas as posturas são tão incoerentes quanto.