Desde Kardec, na sua "Constituição Transitória do Espiritismo" (1868), encontramos preocupações com a ação organizada dos espíritas na sociedade. O fundador francês pensava em uma comissão central que, entre muitas ações de ordem cultural (museu, biblioteca, etc.), também teria por objetivos a construção de um dispensário (semelhante aos nossos postos de saúde atuais), um asilo e uma caixa de socorros e previdência. Eles seriam construídos a partir da doação de recursos, que criariam um fundo financeiro e o rendimento deste seria utilizado para a manutenção dos órgãos sociais.
No Brasil a história do movimento espírita está muito marcada com a construção de instituições de saúde, assistência social, cuidado e educação. Geralmente são laicas e públicas e voltadas à população de baixa renda, ao contrário do que pensa o senso comum, que crê terem por objetivo a conversão das pessoas, talvez por associarem fantasiosamente nossas instituições com igrejas que têm por missão a conversão.
Aos poucos o legislador no Brasil foi percebendo a necessidade de incentivar-se este tipo de iniciativas sociais, e de tomar cuidados para que não haja desvio de recursos por estas instituições. Os três poderes têm recursos e interesses na manutenção de instituições de ação social, porque é mais fácil e econômico apoiar o que já existe que construir infra-estrutura e aumentar os quadros de servidores públicos do Estado, hoje limitados pela lei de responsabilidade social dos gestores.
Há diversas formas de se conseguir apoio do Estado: o reconhecimento da utilidade pública (municipal, estadual e federal) assegura imunidade (a proibição do Estado cobrar impostos) e diversas isenções e reduções de taxas de serviços. Os três poderes podem dar recursos financeiros através de subvenções, convênios e, mais recentemente, termos de parceria (que são convênios simplificados, mas exigem que a organização se qualifique como organização da sociedade civil de interesse público - OSCIP).
Com a formalização destes instrumentos de gestão em nossa sociedade, houve pessoas desonestas que enxergaram nesta possibilidade um caminho de obtenção ilícita de recursos. Isso criou um grande alvoroço no legislativo, cuja fala informal e inconsequente de nossos representantes criou o termo "pilantropia", o que aumentou não apenas os cuidados do Estado com seu controle, mas criou uma "aura" preconceituosa em torno das parcerias entre organizações do terceiro setor e os órgãos do estado.
No movimento espírita (pelo menos no mineiro) a relação com os órgãos do estado sempre foi vista com muita cautela, porque os dirigentes se preocupam em depender do estado e, de repente, ter o repasse de recursos atrasado ou circunstanciado, ou ainda ter que criar toda uma área-meio, burocrática, para atender as exigências dos órgãos parceiros. Houve sempre uma preocupação saudável em deixar as instituições espíritas à larga dos compromissos políticos partidários, ou pior, "devendo favores" a candidatos, que costumam "cobrar" em votos, no período eleitoral.
Cautelas à parte, penso que nas últimas décadas houve uma proximidade maior com o poder público, mesmo porque, o Estado Brasileiro foi assumindo responsabilidades sociais. No caso das creches, por exemplo, elas se tornaram uma atribuição das prefeituras, mas em uma cidade grande como Belo Horizonte, não há como construir uma rede de creches que atenda a centenas de milhares de crianças em idade pré-escolar em curto espaço de tempo. Da mesma forma, fica muito caro às sociedades espíritas a manutenção de educação infantil de qualidade, atendendo a todos os avanços de que foram sendo objeto.
Precisamos conhecer mais e melhor estas iniciativas, para viabilizarmos honestamente um trabalho de promoção social que efetivamente dê resultados nas comunidades em que nos encontramos, até que o Estado Brasileiro seja capaz de cumprir seu papel sem necessitar da parceria com o terceiro setor, o que não parece ser algo viável nas próximas décadas.
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