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19.6.15

DISCURSO VAZIO




Quando estudava em São Paulo, navegava muito pela internet à noite, após as aulas e o cansaço das leituras, e atraiam-me os grupos de discussão de temática espírita.

Recordo-me de um participante em especial que escrevia um fraseado todo emocional, repleto de apelos e metáforas, mas vazio de conhecimento. Parecia-me um arroubo sem significado, mas eu percebia que os membros do grupo se interessavam pelas postagens.

Uma amiga que fiquei conhecendo e que eventualmente encontrava no grupo, comentou-me.

- Você viu?
- Sim, por que?
- Nossa! É um espírito evoluído, não acha?

Não me lembro do que respondi, mas não achava. Anos de ambiente acadêmico treinaram-me em examinar frase a frase o sentido do que é dito em busca de inconsistências, imprecisões, entre outros problemas. Mais importante que pequenos pontos problemáticos sempre foi avaliar a contribuição dos trabalhos como um todo, sua consistência argumentativa e metodológica, se não se tratava apenas de um ajuntamento de citações sem sentido.

Um belo discurso sem conteúdo consistente assemelha-se a uma caixa de presente ricamente embrulhada, mas vazia. Causa uma grande impressão, seguida de uma decepção, quando aberta.

Talvez nossas reuniões públicas tenham criado este desvio. As pessoas assentam-se para ouvir uma preleção de uma hora, de forma passiva. O expositor, preocupado com o que vai falar neste tempo, prepara uma espécie de colcha de retalhos, entremeados em exortações com uma linguagem poética, mas, infelizmente, vazias de sentido, sem conexão com a realidade, com algumas histórias interessantes, que descansam a audiência do amontoado de frases. Um simulacro de erudição.

Quando se pergunta aos que assistiram a palestra qual foi o assunto e o que foi discutido, as pessoas respondem: - Não sei ao certo, mas foi tão bonito!

Recomendo a atenção de dirigentes, coordenadores e dos espíritas em geral, não para ficar obsessivamente à cata de pequenos erros nas exposições dos companheiros de doutrina, vigiando os gracejos, nem ficar vigiando o horário das reuniões com precisão de segundos e outras pequenezas. Estejamos prontos para um trabalho mais difícil, da análise da exposição como um todo, de seu papel e contribuição para o público, para que o discurso vazio não se torne a tônica do nosso trabalho.


18.6.15

HOME EXERCIA A MEDIUNIDADE PAGA?





O Dr Hull convidou Home para uma visita a ele e a amigos íntimos, através de uma carta. Ele comprometeu-se a pagar todas as despesas da estada e a passagem de volta, além de cinco dólares por dia, durante dez dias.

Home respondeu informando que não era um médium pago, mas que ficaria feliz em visitá-lo como foi pedido.

Hull, então, ofereceu moradia e educação em seu meio, mas Home recusou, porque considerava que não podia levar vantagem de sua mediunidade.

O desconhecimento de detalhes da vida dos médiuns norte-americanos e europeus, da cultura anglo-saxã, fez com que generalizássemos a ideia de que todos exerciam a mediunidade paga, voltada à apresentação de fenômenos. Se as memórias de Home forem fiéis à verdade, temos razões para crer que esta visão é superficial.

Adaptado de "Incidents of my life", de Daniel Dunglas Home. Guilford - UK, White Crow, 2009

15.6.15

ENTREVISTA EXCLUSIVA COM LYGIA B. AMARAL



Lygia Barbiére Amaral é uma escritora carioca de romances espíritas, que reside em Caxambu-MG. Ela vai passar alguns dias em Belo Horizonte, quando fará palestras e lançará seu livro "Castelos de Marzipã". Aproveitamos o ensejo para conhecê-la melhor, e ela nos concedeu a entrevista abaixo.

EC – Lygia, obrigado por nos receber. Como você começou a escrever? Por ofício?

Lygia - Acho que escrevo por necessidade. Desde muito pequena eu tinha necessidade de escrever minhas coisas numa caderneta, ideias, personagens, pequenas histórias. Tinha um verdadeiro elenco de bonecas, de vez em quando montava “cenários” e pedia para minha mãe passar uma semana sem limpar o quarto, até que eu terminasse aquela “história”.  De verdade, eu não consigo ficar sem escrever. É este o meu “TOC”. Não consigo sair de casa sem a minha caderneta, gosto de registrar tudo o que acho interessante. Às vezes uma explicação em uma palestra, um diálogo ouvido por acaso, uma frase. Como tenho memória visual, quase sempre sei  onde escrevi o quê e uso muito esses arquivos na hora de compor minhas histórias. Tem gente que fica intrigado, não resiste e pergunta: “nossa, por que você escreve tanto?” E eu digo simplesmente “porque eu gosto”.  Necessidade física e espiritual também. Penso que um dia assumi na Espiritualidade o compromisso de usar esse dom com amor e responsabilidade, a fim de poder ajudar o maior número possível de pessoas. Sabe-se lá de onde vem essa minha ligação tão forte com as palavras. Mas é realmente o que eu tenho tentado fazer através de meus livros. 

EC – Seus livros tratam sempre de temas com alguma ligação com a psicologia e com problemas atuais. Você é psicóloga ou médica? Qual é sua formação?

Lygia - Que interessante você fazer esta interpretação. Quase fui médica. Se tivesse feito vestibular para medicina, seria psiquiatra. Mas cortei o dedo na véspera da inscrição e cheguei à conclusão de que não suporto ver sangue, que não dou conta de ver pessoas passando mal. Também tinha paixão por psicologia, sempre adorei. Mas naquela época ainda havia muito preconceito, meu pai dizia que psicólogo não tinha futuro. E havia também a questão com a escrita, que sempre foi muito forte, acabei optando pelo jornalismo. Hoje acho que segui direitinho o caminho de linhas tortas traçado por Deus, que havia todo um propósito naquilo que por alguns anos ficou parecendo um caminho torto. Como jornalista aprendi a técnica do texto dissertativo, a fazer entrevistas e pesquisas, trabalhei minha timidez. Trabalhei cerca de cinco anos direto como repórter. Então decidi estudar roteiros. De cinema, de Tv, cheguei a cursar várias oficinas de roteiro, inclusive a da Rede Globo, onde era preciso fazer concurso para entrar. Quis então saber mais sobre isso. Queria entender mais de estrutura, de regras, como se monta, como se estabelece a interação com o público. Foi quando entrei para o mestrado em teatro na Uni-Rio, que acabou se prolongando para um mestrado em Letras, na PUC, onde estudei especificamente a estrutura dramática dos folhetins e das telenovelas brasileiras a partir do modelo criado por Ivani Ribeiro e Janete Clair.  No meio disso tudo, uma pessoa muito especial (Deus sempre coloca pessoas especiais nos momentos-chave do nosso caminho) me chamou e perguntou se eu já havia pensado em escrever romances espíritas. Sem que eu pedisse nada, essa pessoa analisou meu currículo e chegou a essa conclusão. Mais do que isso, foi essa pessoa quem me incentivou a escrever e me colocou no mercado há quase vinte anos.




EC – Como você escreve seus romances? Senta e escreve intuitivamente? É mediunidade?

Lygia - Ai, Jader... Quem dera! Acho que seria bem mais simples – para mim que tenho quatro filhos e uma vida super corrida, se fosse assim. Mas não é. Trabalho com pesquisas. Com entrevistas, escrevo e reescrevo muitas vezes cada capítulo até achar que estar bom. É claro que existe proteção, inspiração, amigos espirituais. Mas eles não escrevem o texto para mim. Podem, sim, me ajudar em alguma pesquisa, me intuir onde achar o que preciso ou até me inspirar a procurar algum livro, em algumas vezes encontro exatamente a pessoa de que precisava para me dar as informações necessárias naquele momento. Mas se eu não fizer a minha parte não acontece. Se eu desanimar, eles podem até colocar na minha frente a mensagem de ânimo que estou precisando, que às vezes pode ser até a correspondência eletrônica de algum leitor. Mas escrever para mim ou através de mim não faz parte do programa....

EC – Que escritores do movimento espírita mais a influenciam?

Lygia - Kardec, Kardec, Kardec. Não faço nada sem ele. Depois vem o trabalho do Chico: Emmanuel e André Luiz são fundamentais. Tem também o Leon Denis, que me traz toda uma base filosófica. Também aprendo muito com os livros do Divaldo; gosto muito do trabalho do Haroldo Dutra Dias – nossa, que medo de esquecer alguém! Entre os romances, sou fã incondicional do Eça de Queiroz, psicografado pela Wanda Canuto... Ouve-se tantos comentários desmerecendo os romances espíritas, mas se pensarmos por outro lado, tem muita gente boa no espiritismo atualmente, muitas pessoas que fazem um trabalho sério. Cabe ao leitor a pesquisa, o discernimento, a base para decidir que informações deve efetivamente acolher. Mas penso que se olharmos pelo lado otimista, nunca se teve acesso antes na história a uma variedade tão grande de títulos, temas e informações ligadas ao espiritismo. É maravilhoso aprender a caminhar sobre esse universo!

EC –Como tem sido a acolhida de seus livros pelo movimento espírita? Há muita desconfiança?

Lygia - Graças a Deus nunca tive problemas. Meu trabalho é muito sério, quase jornalístico. Para você ter uma ideia, leio em torno de 200 livros sobre o assunto que será abordado, antes e durante a escrita de cada romance (às vezes, mesmo depois de pronto, não resisto e compro mais alguma coisa sobre o assunto, livros que contenham informações que não tinham sido abordadas: se for necessário, faço retificações). O único problema que costuma acontecer às vezes é com as editoras. Ao longo de todos esses anos de trabalho, cheguei à conclusão de que não basta ter uma editora. É preciso trabalhar em total sintonia com o editor, que precisa ser alguém que pense mais ou menos como você, que tenha muito conhecimento, que te apoie em todos os sentidos. Assim com foi o José Olympio para o Monteiro Lobato e o Carlos Drummond, sabe como? É preciso uma amizade, uma disposição mútua em realizar aquela tarefa que muito provavelmente já foi combinada no mundo espiritual, muito antes de chegarmos aqui...




EC – Como surgiu a ideia de escrever O sono dos hibiscos?

Lygia - Essa talvez tenha sido a mais interessante de todas as sementes de história. Eu queria entender o que se passa com uma pessoa que entra em estado de coma e comecei a pesquisar.  Aos poucos, a ideia foi se costurando na mente. O objetivo principal era mostrar que não temos o direito, nem sabedoria, nem conhecimento suficientes para decidir quando alguém deve morrer. Então imaginei uma trama em que um rapaz entrava em coma após um acidente, sem saber que a namorada estava grávida dele. Seu estado era tão grave que ele permanecia dezoito anos em coma, até que um dia acordava e se via diante de um mundo completamente daquele de quando ele “dormiu” e descobria que era pai de uma adolescente já na faculdade. Naquela época minha mãe ainda estava conosco, eu tinha o hábito de contar para ela todas as histórias antes de começar a escrever. Ela era uma pessoa que devorava romances, via filmes e novelas, a espectadora ideal para tirar a prova se a história era boa ou não.  Lembro como se fosse ontem da mamãe dizendo: - Ah, Lygia, a trama é até bonita, mas acho que dessa vez você exagerou! Dezoito anos é muito tempo, não dá para acreditar! Era minha última tarde no Rio naquelas férias de julho. Dois dias depois, eu já estava de novo em Caxambu, começando a preparar o jantar das meninas (naquela época eu ainda estava grávida do meu terceiro filho), quando o telefone tocou. Era ela, toda afobada: “Lygia, liga depressa a televisão no Jornal Nacional! Está passando uma matéria sobre um rapaz que ficou em coma por dezoito anos nos Estados Unidos, tem uma filha da mesma idade e acabou de acordar! Pode escrever o livro que vai dar certo!” Pouco tempo depois a minha mãe entrou em coma e eu, a essas alturas grávida de oito meses, vivi na pele o desespero de encontrar a melhor forma de ajudá-la naquele estado. Ela passou mais de um mês dormindo, voltou pouco antes do meu filho nascer. Disse, com muita dificuldade, porque tinha feito uma traqueotomia, que tinha voltado só para poder me contar o que tinha acontecido durante o coma para que eu pusesse no livro.... Três meses depois ela desencarnou. E eu mergulhei freneticamente no livro. Descobri que pesquisar o que viam as pessoas em coma, estudei até o livro tibetano dos mortos! Era a única forma que eu tinha de saber notícias dela, o único meio de diminuir a dor que eu estava sentindo e transformá-la em algo de útil para mim mesma e para as outras pessoas.  E assim, em cerca de quatro meses, com um bebê dormindo ao meu lado e mamando enquanto eu digitava os capítulos, eu escrevi O Sono dos Hibiscos.  




EC – Pode contar algum caso de leitor com alcoolismo, por exemplo, que leu A Ferro e Flores e deu algum retorno para você?

LygiaEssas situações me emocionam muito, não sei descrever para você a intensidade do que sinto quando alguém me escreve contando histórias assim. Dá vontade de ajoelhar no chão e agradecer a Deus... Sobretudo quando se trata desse assunto. Houve dois leitores em especial que me marcaram muito. “ Olá, sou um alcoólatra em recuperação”, dizia um deles. Esta pessoa ficou mais ou menos um ano se correspondendo comigo, contando suas dificuldades, agradecendo infinitamente o que aprendera no livro. Desejo de todo o meu coração que ele tenha conseguido conquistar a vitória que tanto desejava. O outro era um rapaz bem jovem, que escrevia muito bem. “Ganhei o seu livro "A ferro e flores" e bebi ele inteiro em uma só talagada. Há uma semana nem sabia que você existia, hoje parece que te conheço há séculos. Você não me conhece, mas gostaria muito que me aceitasse como um amigo no facebook. Na verdade acho que nem eu mesmo me conheço, porém, com a sua divina ajuda, estou me RE-CONHECENDO de novo. Muito obrigado por tudo!!! Grande Beijo no coração!!!”, dizia a mensagem, uma das mais bonitas que já recebi até hoje.  






EC – Você conheceu Herminio Miranda. Pode contar ao movimento espírita alguma experiência sua com ele?

Lygia - Hermínio e eu nos tornamos grandes amigos. Ele costumava passar pelo menos metade do ano em Caxambu, só não gostava de ficar aqui na época de frio, em função dos problemas de coração que sempre se agravavam no inverno. Eu o conheci passeando pelas alamedas do Parque das Águas, minha filha mais velha, hoje com 17 anos, ainda era um bebê; por muitas vezes nos encontramos no Parque depois desse dia e passeamos juntos por essas alamedas. Hermínio dizia que em determinado ponto de nosso Parque existe um portal de acesso que nos liga ao parque de Nosso Lar. Até hoje, sempre que estou com algum problema, costumo ir a esse lugar para orar e meditar. Num desses encontros, ele me contou que andava preocupado, havia recebido um original de mais de 800 páginas escrito em inglês do século XVIII, se questionava se valeria a pena se dedicar a uma tradução como essa, embora a história fosse muito bonita. E eu disse a ele: mas professor Hermínio – eu sempre o chamava assim, - se o senhor não fizer isso, quem poderá fazê-lo? O senhor já imaginou quantas pessoas vão perder a oportunidade de conhecer esta história tão interessante se o senhor não o fizer? Ele ficou um tempo parado, pensativo, não respondeu nem que sim, nem que não. Tempos depois ele me trazia o livro, publicado com o título de “A História Triste”. Trazia uma linda dedicatória, onde dizia que se eu “era um pouco responsável” por aquele trabalho. Como se ele, o grande Hermínio, verdadeiramente precisasse de minhas palavras de reles mortal!... Com o passar dos anos, ele foi se tornando uma pessoa mais que querida, mais próxima, passei a nutrir por ele um amor de filha. Numa das últimas  vezes em que tive a oportunidade de visitá-lo, ele olhou fundo em meus olhos e disse: ainda não identifiquei em que existência nos conhecemos. Mas eu tenho certeza de que não é de hoje... Lembrando de tudo isso sinto a alma molhada de saudades... Mal posso esperar pelo dia em que poderei abraçá-lo novamente. Conhecer o Hermínio, desfrutar do seu carinho e amizade foi um dos maiores presentes que Deus me deu nesta vida.





EC – Fale um pouquinho sobre o novo livro, Castelos de Marzipã. O que espera do livro?


Lygia - Esse livro começou com um pedido de uma grande amiga, que é endocrinologista. Ela se preocupa muito com seus pacientes, porque muitas pessoas costumam não dar importância ao diabetes, já que é uma doença que se desenvolve silenciosa e progressivamente. No entanto, conforme constatei em muitas pesquisas, é uma das doenças que mais mata pessoas no mundo inteiro. Resolvi, então, aceitar o desafio. No meio do caminho, acabei chegando à conclusão de que a doença está profundamente ligada a comportamentos compulsivos e à ansiedade que caracteriza a nossa sociedade atual. Como não cai uma folha sem que seja do conhecimento de Deus, existe todo um possível aprendizado por trás de tudo isso, em muitos casos, até mesmo um planejamento feito no mundo espiritual a fim de que pudéssemos aprender determinadas lições, importantes para a nossa evolução. Em geral, as pessoas tendem a pensar que o diabetes está sempre ligado à gula, a hábitos alimentares errados. Também é isso, mas não é só isso. Diria que a doença tem suas raízes, acima de tudo, a necessidade que aquele espírito tem de disciplinar o seu comportamento. É isso o que tento mostrar através da trama de “Castelos de Marzipã”, que tem esse nome porque a personagem principal é uma exímia cozinheira, uma mulher muito rica e bem sucedida que cresceu comendo bombons de marzipã importados. Mas que vai precisar quebrar todos os seus padrões quando a vida segue rumos que ela não esperava e ela se vê obrigada a buscar novos valores para enfrentar o seu diabetes e descobrir que podemos, sim, ser muito felizes quando aceitamos e entendemos por que precisamos passar por certas provas. 

A agenda de palestras de Lygia em Belo Horizonte pode ser acessada em: http://eventoespirita.blogspot.com.br/2015/06/escritora-lygia-barbiere-amaral-lanca.html

13.6.15

O CONVITE À VIDA DE ANDRÉ TRIGUEIRO





Foto: André Trigueiro no Mater Dei



Dia dos namorados, sexta-feira à noite. O hospital Mater Dei, em Belo Horizonte, abriu as portas em parceira com o programa Sempre Um Papo, para organizar uma palestra e autógrafos de André Trigueiro. Já havíamos comentado sobre seu livro "Viver é a melhor opção: a prevenção do suicídio no Brasil e no mundo."


O espaço não é grande, mas agradável. Um auditório com cadeiras removíveis, estilo poltronas, confortáveis. O público foi chegando aos poucos e se acomodando. Médicos, espíritas, voluntários do CVV (centro de valorização da vida). A palestra seria gravada e em algumas semanas todos poderão vê-la nas telinhas, mercê da internet e da equipe do Sempre um Papo.

Trigueiro fala muito bem. Ele combina a clareza de jornalista com a emoção que permeia sua fala rica de informações, às vezes engraçada. Sua palestra é uma quebra de tabu, muito cuidadosa e bem pensada.

Desde o livro “Os sofrimentos do jovem Werther”, de Goethe, preocupa-se com os impactos que o relato dos suicídios podem ter no público vulnerável. André mostrou muito bem, que a imprensa tem como diretriz não falar do assunto sob hipótese alguma, mas como se vai combater um mal social e individual que não se conhece? O jornalista entende que precisamos nos deter na forma que a informação é passada, e propõe alguns cuidados para se falar do suicído em público. 

No Werther, o personagem principal, com o qual o leitor pode se identificar, suicida-se como uma saída romântica para um problema amoroso. As pessoas em geral leriam a história como uma ficção emocionante, mas pessoas com alguma forma de vulnerabilidade, identificadas com o personagem e com o discurso romântico e justificativo da morte, impressionadas com a descrição minuciosa do modus operandi de Werther, podem ser negativamente influenciadas por ele. 

Outro ponto que André Trigueiro enfatiza bastante em seu trabalho é que o suicídio não tem causa única. É um fenômeno multifatorial, ou seja, o ato que desencadeia a morte é influenciado por muitas razões e oportunidades, ao contrário do que pensa o senso comum. Os transtornos de humor estão muito associados à tentativa de suicídio, mas a grande maioria das pessoas não sabe o que é depressão ou transtorno bipolar, e fazem julgamento de valor, acreditando tratar-se de covardia, preguiça ou acomodação, para maior sofrimento dos que padecem o mal.

O acesso aos instrumentos usados do ato também é um fator. Por esta razão se tem criado mecanismos de proteção em lugares usados para o suicídio, como bem lembra Trigueiro, como pontes, shopping centers e prédios altos. A alteração da composição do gás de cozinha e a dificuldade de acesso aos agrotóxicos são outras medidas de cunho político e social que diminuíram em seus respectivos países as tentativas do ato.

Trigueiro destacou a importância de ouvir e ser ouvido, que é a essência do trabalho do Centro de Valorização da Vida – CVV. Em uma sociedade na qual as pessoas vivem em função do relógio, sobram jargões e pequenas receitas que os amigos dão aos que resolvem abrir a alma e relatar seu sofrimento, o que não ajuda. A literatura especializada chama este fator de “apoio social” ou “suporte social”, cuja presença pode fazer pesar a balança para o lado da vida. Este trabalho lembra o “atendimento fraterno” feito nos centros espíritas.

Ao ouvir Trigueiro descrevendo o trabalho do CVV, recordei-me dos princípios da psicologia humanista, desenvolvida por Carl Rogers. Não diretividade, é um destes princípios. Enquanto ouvia pensávamos, minha esposa e eu, sobre a necessidade das pessoas que trabalham com atendimento fraterno estudarem a fundo, tanto o livro de André Trigueiro, quanto a técnica do CVV e um pouco da psicologia humanista. Isto evitaria o risco de se ouvir um pouco as pessoas que procuram o centro espírita e interromper o processo com a “receita de três passes” e “cinco reuniões públicas”. O passe pode ser um poderoso aliado para o portador de depressão, a ida à reunião pode quebrar por um instante o isolamento social que realimenta os pensamentos negativos, mas é preciso algo mais, e o trabalho de atendimento fraterno pode ser uma forma de enfrentamento social mais efetivo da depressão e do suicídio, sem pretender concorrer com a psicoterapia e o atendimento psiquiátrico.

Poderia ficar escrevendo páginas e páginas, tal a riqueza do trabalho do jornalista, mas deixo ao leitor o livro dele e, quando estiver no ar, divulgo o link desta palestra. Vieram os autógrafos e ele nos acolheu pacientemente, comentando com entusiasmo sua nova frente de trabalho. André Trigueiro, desejo-lhe sucesso! Cada pessoa que ouvir seu convite à vida e resolver enfrentar seus impulsos e ideias obsessivas, é um ponto de luz que se acende na teia da sociedade brasileira, a contaminar o todo com o desejo de superação.


11.6.15

ENLIHPE E O OBSERVADOR




O programa Roteiro, da Rádio Boa Nova de São Paulo, nos entrevistou na última terça-feira sobre o 11o. Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo, sobre o livro "O espiritismo, as ciências e a filosofia" e sobre o livro que publicamos em 2014: "O observador e outras histórias".

Falamos sobre o tema central do ENLIHPE, que trata das pesquisas contemporâneas sobre reencarnação, da forma de organização dos trabalhos, dos conteúdos da parte filosófica do último livro da LIHPE e de como foi preparado o livro "O observador..."

A entrevista começa em torno dos dezoito minutos, após notícias sobre um movimento contra o aborto em Brasília.

Para ouvir, basta clicar no link abaixo.

http://radioboanova.com.br/ouvir-now/?off=43725&src=http://www.arquivorbn.com.br/programasgravados/2015/06/201020615.mp3

5.6.15

I ENCONTRO DA CULTURA E PESQUISA ESPÍRITA FRANÇA-BRASIL



O 38o. Conselho Espírita da Unificação de Niterói, ligado ao CEERJ e o Programa de Estudos e Pesquisas das Religiões do Centro de Ciências Sociais da UERJ estão organizando o 1o. Encontro da Cultura e Pesquisa Espírita e, ao mesmo tempo, o XII Colóquio França-Brasil.

Este evento conta com pesquisadores e estudiosos do movimento espírita dos dois países. Ele tem por objetivo aproximar brasileiros e franceses interessados no estudo do espiritismo. 

Já estão confirmados: Alexander Moreira-Almeida, Antônio Cesar Perri de Carvalho, Evandro Noleto Bezerra, Dora Incontri, François Gaudin, Jorge Brito, Luciano Klein Filho, Marcelo Gulão, Marion Aubrée, Nadja do Couto Valle, Olivier Geneviève, Paulo Peixoto, Samuel Magalhães, Vincent Fleurot e Yasmim Madeira. 

O evento se realizará no Teatro Odylo Costa Filho, que tem espaço para 900 pessoas, contará com tradução simultânea para as duas línguas e está aberto a todos os interessados.

A UERJ fica na Rua São Francisco Xavier, 524, Maracanã - Rio de Janeiro-RJ, quase em frente ao Centro Espírita Regeneração, fundado por Bezerra de Menezes no século XIX.

É uma ótima oportunidade para espíritas do Brasil e da Europa se encontrarem, estabelecerem laços, e conhecerem o que se tem produzido sobre o espiritismo pelas universidades. 

A taxa de inscrição de 50 reais dá direito ao livro "Em torno de Rivail: o mundo em que viveu Allan Kardec", da Editora Lachâtre. Inscrições e informações, no momento, já podem ser feitas nos telefones do GEPAR - 021-2619-2448 ou 021-3026-5831, com Paulo Menezes ou Márcia Stephano, no horário comercial.

Estão apoiando o evento (ordem alfabética): 

Conselho Espírita Internacional- CEI, Conseil Spirite Français- CSF, ,  Correio Espírita, Correio Fraterno, CEERJ TV, Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo - Eduardo Carvalho Monteiro - CCDPE-ECM, Grupo Espírita Paz, Amor e Renovação - GEPAR, Instituto Lachâtre, Liga dos Pesquisadores do Espiritismo - LIHPE, Programa de Estudos e Pesquisas das Religiões - PROEPER, Rádio Boa Nova, Rádio Rio de Janeiro, Webtv Espírita Nova Luz

A partir do dia 30/06/2015, estará disponível a inscrição no site http://www.1epce.com.br

O evento acontece nos dias 31 de julho a 2 de agosto próximos.

Será um grande prazer encontrar neste evento, leitores do Espiritismo Comentado que conhecemos apenas pela internet. 

Ajudem a divulgar, por gentileza. Repassem esta matéria.




CORREÇÃO: Publicamos originalmente um cartaz que contém o nome de Charles Kempf, na lista de expositores. Gostaríamos de explicar que o nome dele estava cotado para participar presencialmente do evento, mas ele foi impedido de estar presente por razões profissionais. Estamos providenciando mudanças no cartaz digital e voltaremos a publicar com a lista correta.

3.6.15

DANIEL DUNGLAS HOME E O TEÓLOGO




Em 1851, Daniel visitou o Sr. C., em Nova York (Brooklin), onde ficou conhecendo o Prof. George Bush. Tratava-se de um teólogo eminente e professor de hebreu e línguas orientais em Nova York. Ele estava preparado para reconhecer os fenômenos que envolviam Home, porque estava familiarizado com os escritos de Swedenborg e com o mesmerismo, além das experiências espirituais de Julian Stilling e de outros. Ao declarar-se publicamente favorável aos trabalhos de Swedenborg, Bush prejudicou seu próprio futuro na igreja.

Seu maior interesse era nos fenômenos mentais que ocorriam com Daniel. Ele recebeu, segundo Home, comunicações tais que não deixavam espaço à dúvida em sua mente da presença dos que já haviam falecido. Bush afirmou que o médium havia dado o nome de um colega antigo de escola, de quem já havia esquecido há muitos anos, e que este colega se referiu a um sonho que o professor havia tido na noite de sua morte. No sonho, eles brincavam juntos, quando o pequeno Bush viu subitamente seu colega de escola ser tirado dele, e ouviu uma voz que dizia: “Eu deixo você, George, mas não para sempre”. O sonho de quarenta anos atrás veio à sua mente imediatamente.


George Bush ficou tão impressionado que convidou Home para morar com ele, a fim de estudar para ser ministro swedenborguiano (adepto da doutrina de Emmanuel Swedenborg, médium precursor do espiritismo na Europa). Daniel voltou para casa com a intenção de fazê-lo, mas em 48 horas ele viu, estando desperto, o espírito de sua mãe, que dizia: “Meu filho, você não deve aceitar este tipo de oferta, porque sua missão é maior que a de um pregador.” Home contou ao professor a mensagem do espírito. Ele ficou pesaroso, mas não surpreso e Home retornou à casa do Sr. C.

Adaptado do livro "Incidents of my life" de Daniel Dunglas Home

1.6.15

NO CÉU DA VIBRAÇÃO



Sábado de noite na Praça Sete, coração do centro de Belo Horizonte. Eu já havia assistido muito cinema no Cine Teatro Brasil, que foi totalmente restaurado há alguns anos com a parceria da Vallourec e tornou-se novamente um espaço de cultura da capital.

Fomos assistir “No Céu da Vibração” um musical sobre a vida de Chico Xavier. Ao chegarmos no teatro, já fui vendo luz. A fachada exterior ganhou uma iluminação interna, que passa pelos vitrais e ilumina toda a frente e lateral do teatro. Ele estava morto e reviveu.



Como comprei de véspera, o que não é hábito de mineiro que se preza, consegui lugar apenas a última fila da plateia, embaixo do balcão, mas já encontrei uma colega de mocidade espírita que ficou ao lado da minha esposa e pudemos trocar impressões ao longo da peça.

Como todo musical, tinha um belo e chamativo figurino, uma caracterização dos personagens genial, especialmente a do nosso Chico, que vai da infância à idade avançada ao longo dos nossos olhos. Chapéu, peruca e boina, uma boina bem paulistana, ítalo-paulistana, saída das mãos de Marlene Nobre. Os artistas cantavam, dançavam, representavam. A iluminação completava o figurino.



O maestro, com um chapéu-boné que evocava o personagem Chico Xavier, regia a pequena orquestra que ficou ao fundo do palco, meio escondida pelo cenário, porque o Cine Teatro é mais cine que teatro, mesmo depois da reforma.

O espetáculo aos olhos mineiros tem algo que, por exemplo, não se vê na direção carioca do filme de Daniel Filho. Trata-se da mineiridade. Aos olhos das pessoas de centros mais tradicionais e ricos de nosso país, a mineiridade soa a brejeirice ou a ser jeca, um tolo alegre de quem todo mundo gosta. No texto do musical, o sotaque atrai gargalhadas gostosas, mas os personagens apresentam uma grandeza, uma luta, uma humanidade que não os torna inferiores, mas sublimes aos nossos olhos.

Daniel Kostás, diretor do musical, captou o espírito das lavadeiras, das beatas, dos homens de cidade pequena do interior, até mesmo das intrigas em torno do padre, que foi o menos mineiro dos personagens. Li algures que nosso sotaque deve muito à escravidão, que foi extensa por aqui, por causa do ouro, da colonização, da roça. E entendi bem a negritude da alma mineira quando vi os personagens em ação. A história do Chico, muito abrandada pela habilidade do roteiro, é uma história de muita violência, de morte, de dor. É uma história triste da violência que herdamos da relação entre senhor e escravo. Chico é o homem da superação. Ele tinha tudo para adoecer, para encher-se de bebida, para ser um homem mesquinho, mas resolveu trilhar um caminho diferente. Ele é o fraco que ficou forte na dor.

O personagem do pai de Chico não é o vendedor de bilhetes de loteria que povoa a minha infância. Daniel fez um upgrade. Ele é um jovem, e sua violência não convence. Penso que a violência do pai de Chico, hoje livre da carne, foi uma violência rude.

O romance com sua segunda esposa também não retrata o que vi com olhos de menino das relações verticais de marido e mulher, que como uma balança romana, a cada momento pendia para um lado, mercê da força e capacidade da mulher mineira. Cidália é uma jovem apaixonada e cheia de convicções, que escolheu o amado e teve romance. Essa Cidália saiu do fundo da alma de Daniel e não de relatos reais, mas encheu nossos olhos, porque é cheia de mineiridade.

Maria, conhecida nas casas espíritas como Maria João de Deus, é um espírito superior, mulher bonita e vistosa, mas humilde e altaneira, como uma montanha. Seu sotaque carregado atrai a admiração da multidão de cabeças que estava na minha frente.

A Rita, a madrinha-madrasta, é também um arquétipo, mais que uma pessoa. Eu escuto até agora o grito da infância “Chiiiiico!”, bem à moda dos lugares cheios de espaços e com poucos vizinhos para incomodar. A agressão foi oculta, minimizada pelo cenário, mas povoou nossas mentes. Doses homeopáticas.

Faltou dor nos olhos de Maria-espírito. Ela parecia superior à violência contra seu filho. Na minha mente pequena, seu lugar é o de quem não tem como interferir, que precisa dar forças ao pequeno, mas duvido que faltasse dor nos seus olhos, aquela dor estoica que ensinou o Chico a lidar com as atribulações da vida.



Emmanuel é um arquétipo da masculinidade, uma masculinidade estrangeira. É diferente do Emmanuel que fui construindo na mente ao ler a obra e ouvir os "causos" que falam do Chico. Por sinal, em Minas o Chico é mais um personagem de causos que um autor ou médium excepcional. É mais um homem bom, que uma liderança incansável de uma obra imensurável. É mais um homem simples, que uma potência política. Ele nos enganou direitinho. Tanto falou que é um cisco, que nós perdemos a real dimensão de quem estava conosco.

André Luiz é um personagem secundário. Entra, aparece e some. Falta a todos nós espíritas entender a intimidade do doutor com o Chico, intimidade que sobrou na relação com o senador romano. Ele é um sofredor que dita suas histórias após o resgate.

Os espíritos são um show à parte. Daniel os enfiou literalmente no meio das pessoas encarnadas, com uma roupagem clara esvoaçante, mas nada semelhante ao branco pobre das produções globais. Eles não são seres desumanos, sem cor nem nada. Estão com suas emoções preservadas, como o seu “dos Anjos” poeta simbolista, cuja morte não o tornou sem alma.



A cena do espírito que fala pelo Chico é sem adjetivos. Perfeita! Não posso falar muito para não roubar a surpresa do show.

Gostei da dor. A dor das mães sem filhos, das esposas sem marido, dos maridos sem esposa que procuravam o Chico. Gostei da dor dos que não encontraram na mediunidade um telefone que toca e recebe. Gostei da dor da espera, da paciência. Gostei da dor do médium que gostaria de poder fazer o impossível para alentar a dor dos que o procuravam. Os artistas se superaram.

Uma palavra de desprezo aos historiadores que enxergam Chico Xavier apenas como colaboracionista da ditadura. Um pouco de profundidade, doutores! Um pouco de psicologia não faria mal à sua história. Só entenderão resistência quando a matizarem, quando virem mais que apenas a resistência das armas e das revoltas. Se os autores de seus textos tivessem humanidade, talvez vocês entendessem mais. Isso o Daniel Kostás conseguiu.



Entendi perfeitamente o que é unificação quando vi o musical. Música do paranaense Plínio Oliveira, que ganhou corpo e expressão no trabalho de Kostás, completamente mineiro, em meio ao sotaque paulistano de dona Marlene. Uma encarnação! Esta foi a impressão que tive quando vi a música de Plínio ganhar forma diante de meus olhos.


O musical terminava. Aquela multidão de cabeças na minha frente, assoava os narizes, enxugava lágrimas discretamente. Por um momento, não havia homens e mulheres na minha frente. O musical interpretava “um cisco”. Os mortos vivem para sempre em nossas memórias.