Lygia Barbiére Amaral é uma escritora carioca de romances espíritas, que reside em Caxambu-MG. Ela vai passar alguns dias em Belo Horizonte, quando fará palestras e lançará seu livro "Castelos de Marzipã". Aproveitamos o ensejo para conhecê-la melhor, e ela nos concedeu a entrevista abaixo.
EC – Lygia, obrigado por nos receber. Como você começou a escrever? Por ofício?
Lygia - Acho que escrevo por necessidade. Desde muito pequena eu tinha
necessidade de escrever minhas coisas numa caderneta, ideias, personagens,
pequenas histórias. Tinha um verdadeiro elenco de bonecas, de vez em quando
montava “cenários” e pedia para minha mãe passar uma semana sem limpar o
quarto, até que eu terminasse aquela “história”. De verdade, eu não
consigo ficar sem escrever. É este o meu “TOC”. Não consigo sair de casa sem a
minha caderneta, gosto de registrar tudo o que acho interessante. Às vezes uma
explicação em uma palestra, um diálogo ouvido por acaso, uma frase. Como tenho
memória visual, quase sempre sei onde escrevi o quê e uso muito esses
arquivos na hora de compor minhas histórias. Tem gente que fica intrigado, não
resiste e pergunta: “nossa, por que você escreve tanto?” E eu digo simplesmente
“porque eu gosto”. Necessidade física e espiritual também. Penso que um
dia assumi na Espiritualidade o compromisso de usar esse dom com amor e
responsabilidade, a fim de poder ajudar o maior número possível de pessoas.
Sabe-se lá de onde vem essa minha ligação tão forte com as palavras. Mas é
realmente o que eu tenho tentado fazer através de meus livros.
EC – Seus livros tratam sempre de
temas com alguma ligação com a psicologia e com problemas atuais. Você é
psicóloga ou médica? Qual é sua formação?
Lygia - Que interessante você fazer esta
interpretação. Quase fui médica. Se tivesse feito vestibular para medicina,
seria psiquiatra. Mas cortei o dedo na véspera da inscrição e cheguei à
conclusão de que não suporto ver sangue, que não dou conta de ver pessoas passando
mal. Também tinha paixão por psicologia, sempre adorei. Mas naquela época ainda
havia muito preconceito, meu pai dizia que psicólogo não tinha futuro. E havia
também a questão com a escrita, que sempre foi muito forte, acabei optando pelo
jornalismo. Hoje acho que segui direitinho o caminho de linhas tortas traçado
por Deus, que havia todo um propósito naquilo que por alguns anos ficou
parecendo um caminho torto. Como jornalista aprendi a técnica do texto
dissertativo, a fazer entrevistas e pesquisas, trabalhei minha timidez.
Trabalhei cerca de cinco anos direto como repórter. Então decidi estudar
roteiros. De cinema, de Tv, cheguei a cursar várias oficinas de roteiro,
inclusive a da Rede Globo, onde era preciso fazer concurso para entrar. Quis
então saber mais sobre isso. Queria entender mais de estrutura, de regras, como
se monta, como se estabelece a interação com o público. Foi quando entrei para
o mestrado em teatro na Uni-Rio, que acabou se prolongando para um mestrado em
Letras, na PUC, onde estudei especificamente a estrutura dramática dos
folhetins e das telenovelas brasileiras a partir do modelo criado por Ivani
Ribeiro e Janete Clair. No meio disso
tudo, uma pessoa muito especial (Deus sempre coloca pessoas especiais nos
momentos-chave do nosso caminho) me chamou e perguntou se eu já havia pensado
em escrever romances espíritas. Sem que eu pedisse nada, essa pessoa analisou
meu currículo e chegou a essa conclusão. Mais do que isso, foi essa pessoa quem
me incentivou a escrever e me colocou no mercado há quase vinte anos.
EC – Como você escreve seus
romances? Senta e escreve intuitivamente? É mediunidade?
Lygia - Ai, Jader... Quem dera! Acho que
seria bem mais simples – para mim que tenho quatro filhos e uma vida super
corrida, se fosse assim. Mas não é. Trabalho com pesquisas. Com entrevistas,
escrevo e reescrevo muitas vezes cada capítulo até achar que estar bom. É claro
que existe proteção, inspiração, amigos espirituais. Mas eles não escrevem o
texto para mim. Podem, sim, me ajudar em alguma pesquisa, me intuir onde achar
o que preciso ou até me inspirar a procurar algum livro, em algumas vezes
encontro exatamente a pessoa de que precisava para me dar as informações
necessárias naquele momento. Mas se eu não fizer a minha parte não acontece. Se
eu desanimar, eles podem até colocar na minha frente a mensagem de ânimo que
estou precisando, que às vezes pode ser até a correspondência eletrônica de
algum leitor. Mas escrever para mim ou através de mim não faz parte do
programa....
EC – Que escritores do movimento
espírita mais a influenciam?
Lygia - Kardec, Kardec, Kardec. Não faço
nada sem ele. Depois vem o trabalho do Chico: Emmanuel e André Luiz são
fundamentais. Tem também o Leon Denis, que me traz toda uma base filosófica. Também
aprendo muito com os livros do Divaldo; gosto muito do trabalho do Haroldo
Dutra Dias – nossa, que medo de esquecer alguém! Entre os romances, sou fã
incondicional do Eça de Queiroz, psicografado pela Wanda Canuto... Ouve-se
tantos comentários desmerecendo os romances espíritas, mas se pensarmos por
outro lado, tem muita gente boa no espiritismo atualmente, muitas pessoas que
fazem um trabalho sério. Cabe ao leitor a pesquisa, o discernimento, a base
para decidir que informações deve efetivamente acolher. Mas penso que se
olharmos pelo lado otimista, nunca se teve acesso antes na história a uma
variedade tão grande de títulos, temas e informações ligadas ao espiritismo. É
maravilhoso aprender a caminhar sobre esse universo!
EC –Como tem sido a acolhida de
seus livros pelo movimento espírita? Há muita desconfiança?
Lygia - Graças a Deus nunca tive
problemas. Meu trabalho é muito sério, quase jornalístico. Para você ter uma
ideia, leio em torno de 200 livros sobre o assunto que será abordado, antes e
durante a escrita de cada romance (às vezes, mesmo depois de pronto, não
resisto e compro mais alguma coisa sobre o assunto, livros que contenham
informações que não tinham sido abordadas: se for necessário, faço
retificações). O único problema que costuma acontecer às vezes é com as
editoras. Ao longo de todos esses anos de trabalho, cheguei à conclusão de que
não basta ter uma editora. É preciso trabalhar em total sintonia com o editor,
que precisa ser alguém que pense mais ou menos como você, que tenha muito
conhecimento, que te apoie em todos os sentidos. Assim com foi o José Olympio
para o Monteiro Lobato e o Carlos Drummond, sabe como? É preciso uma amizade,
uma disposição mútua em realizar aquela tarefa que muito provavelmente já foi
combinada no mundo espiritual, muito antes de chegarmos aqui...
EC – Como surgiu a ideia de
escrever O sono dos hibiscos?
Lygia - Essa talvez tenha sido a mais
interessante de todas as sementes de história. Eu queria entender o que se
passa com uma pessoa que entra em estado de coma e comecei a pesquisar. Aos poucos, a ideia foi se costurando na
mente. O objetivo principal era mostrar que não temos o direito, nem sabedoria,
nem conhecimento suficientes para decidir quando alguém deve morrer. Então
imaginei uma trama em que um rapaz entrava em coma após um acidente, sem saber
que a namorada estava grávida dele. Seu estado era tão grave que ele permanecia
dezoito anos em coma, até que um dia acordava e se via diante de um mundo
completamente daquele de quando ele “dormiu” e descobria que era pai de uma
adolescente já na faculdade. Naquela época minha mãe ainda estava conosco, eu
tinha o hábito de contar para ela todas as histórias antes de começar a
escrever. Ela era uma pessoa que devorava romances, via filmes e novelas, a
espectadora ideal para tirar a prova se a história era boa ou não. Lembro como se fosse ontem da mamãe dizendo:
- Ah, Lygia, a trama é até bonita, mas acho que dessa vez você exagerou!
Dezoito anos é muito tempo, não dá para acreditar! Era minha última tarde no
Rio naquelas férias de julho. Dois dias depois, eu já estava de novo em
Caxambu, começando a preparar o jantar das meninas (naquela época eu ainda
estava grávida do meu terceiro filho), quando o telefone tocou. Era ela, toda
afobada: “Lygia, liga depressa a televisão no Jornal Nacional! Está passando uma
matéria sobre um rapaz que ficou em coma por dezoito anos nos Estados Unidos,
tem uma filha da mesma idade e acabou de acordar! Pode escrever o livro que vai
dar certo!” Pouco tempo depois a minha mãe entrou em coma e eu, a essas alturas
grávida de oito meses, vivi na pele o desespero de encontrar a melhor forma de
ajudá-la naquele estado. Ela passou mais de um mês dormindo, voltou pouco antes
do meu filho nascer. Disse, com muita dificuldade, porque tinha feito uma
traqueotomia, que tinha voltado só para poder me contar o que tinha acontecido
durante o coma para que eu pusesse no livro.... Três meses depois ela
desencarnou. E eu mergulhei freneticamente no livro. Descobri que pesquisar o
que viam as pessoas em coma, estudei até o livro tibetano dos mortos! Era a
única forma que eu tinha de saber notícias dela, o único meio de diminuir a dor
que eu estava sentindo e transformá-la em algo de útil para mim mesma e para as
outras pessoas. E assim, em cerca de
quatro meses, com um bebê dormindo ao meu lado e mamando enquanto eu digitava
os capítulos, eu escrevi O Sono dos Hibiscos.
EC – Pode contar algum caso de leitor com
alcoolismo, por exemplo, que leu A Ferro e Flores e deu algum retorno para
você?
Lygia - Essas
situações me emocionam muito, não sei descrever para você a intensidade do que
sinto quando alguém me escreve contando histórias assim. Dá vontade de ajoelhar
no chão e agradecer a Deus... Sobretudo quando se trata desse assunto. Houve
dois leitores em especial que me marcaram muito. “ Olá, sou um alcoólatra em
recuperação”, dizia um deles. Esta pessoa ficou mais ou menos um ano se
correspondendo comigo, contando suas dificuldades, agradecendo infinitamente o
que aprendera no livro. Desejo de todo o meu coração que ele tenha conseguido conquistar
a vitória que tanto desejava. O outro era um rapaz bem jovem, que escrevia
muito bem. “Ganhei o seu livro "A ferro e
flores" e bebi ele inteiro em uma só talagada. Há uma semana nem sabia que
você existia, hoje parece que te conheço há séculos. Você não me conhece, mas
gostaria muito que me aceitasse como um amigo no facebook. Na verdade acho que
nem eu mesmo me conheço, porém, com a sua divina ajuda, estou me RE-CONHECENDO
de novo. Muito obrigado por tudo!!! Grande Beijo no coração!!!”, dizia a mensagem,
uma das mais bonitas que já recebi até hoje.
EC – Você conheceu Herminio
Miranda. Pode contar ao movimento espírita alguma experiência sua com ele?
Lygia - Hermínio e eu nos tornamos
grandes amigos. Ele costumava passar pelo menos metade do ano em Caxambu, só
não gostava de ficar aqui na época de frio, em função dos problemas de coração
que sempre se agravavam no inverno. Eu o conheci passeando pelas alamedas do
Parque das Águas, minha filha mais velha, hoje com 17 anos, ainda era um bebê;
por muitas vezes nos encontramos no Parque depois desse dia e passeamos juntos
por essas alamedas. Hermínio dizia que em determinado ponto de nosso Parque
existe um portal de acesso que nos liga ao parque de Nosso Lar. Até hoje,
sempre que estou com algum problema, costumo ir a esse lugar para orar e
meditar. Num desses encontros, ele me contou que andava preocupado, havia
recebido um original de mais de 800 páginas escrito em inglês do século XVIII,
se questionava se valeria a pena se dedicar a uma tradução como essa, embora a
história fosse muito bonita. E eu disse a ele: mas professor Hermínio – eu
sempre o chamava assim, - se o senhor não fizer isso, quem poderá fazê-lo? O
senhor já imaginou quantas pessoas vão perder a oportunidade de conhecer esta
história tão interessante se o senhor não o fizer? Ele ficou um tempo parado,
pensativo, não respondeu nem que sim, nem que não. Tempos depois ele me trazia
o livro, publicado com o título de “A História Triste”. Trazia uma linda
dedicatória, onde dizia que se eu “era um pouco responsável” por aquele
trabalho. Como se ele, o grande Hermínio, verdadeiramente precisasse de minhas
palavras de reles mortal!... Com o passar dos anos, ele foi se tornando uma
pessoa mais que querida, mais próxima, passei a nutrir por ele um amor de
filha. Numa das últimas vezes em que
tive a oportunidade de visitá-lo, ele olhou fundo em meus olhos e disse: ainda
não identifiquei em que existência nos conhecemos. Mas eu tenho certeza de que
não é de hoje... Lembrando de tudo isso sinto a alma molhada de saudades... Mal
posso esperar pelo dia em que poderei abraçá-lo novamente. Conhecer o Hermínio,
desfrutar do seu carinho e amizade foi um dos maiores presentes que Deus me deu
nesta vida.
EC – Fale um pouquinho sobre o
novo livro, Castelos de Marzipã. O que espera do livro?
Lygia - Esse livro começou com um pedido
de uma grande amiga, que é endocrinologista. Ela se preocupa muito com seus
pacientes, porque muitas pessoas costumam não dar importância ao diabetes, já
que é uma doença que se desenvolve silenciosa e progressivamente. No entanto,
conforme constatei em muitas pesquisas, é uma das doenças que mais mata pessoas
no mundo inteiro. Resolvi, então, aceitar o desafio. No meio do caminho, acabei
chegando à conclusão de que a doença está profundamente ligada a comportamentos
compulsivos e à ansiedade que caracteriza a nossa sociedade atual. Como não cai
uma folha sem que seja do conhecimento de Deus, existe todo um possível
aprendizado por trás de tudo isso, em muitos casos, até mesmo um planejamento feito
no mundo espiritual a fim de que pudéssemos aprender determinadas lições,
importantes para a nossa evolução. Em geral, as pessoas tendem a pensar que o
diabetes está sempre ligado à gula, a hábitos alimentares errados. Também é
isso, mas não é só isso. Diria que a doença tem suas raízes, acima de tudo, a
necessidade que aquele espírito tem de disciplinar o seu comportamento. É isso
o que tento mostrar através da trama de “Castelos de Marzipã”, que tem esse
nome porque a personagem principal é uma exímia cozinheira, uma mulher muito
rica e bem sucedida que cresceu comendo bombons de marzipã importados. Mas que
vai precisar quebrar todos os seus padrões quando a vida segue rumos que ela
não esperava e ela se vê obrigada a buscar novos valores para enfrentar o seu
diabetes e descobrir que podemos, sim, ser muito felizes quando aceitamos e
entendemos por que precisamos passar por certas provas.
A agenda de palestras de Lygia em Belo Horizonte pode ser acessada em: http://eventoespirita.blogspot.com.br/2015/06/escritora-lygia-barbiere-amaral-lanca.html
A agenda de palestras de Lygia em Belo Horizonte pode ser acessada em: http://eventoespirita.blogspot.com.br/2015/06/escritora-lygia-barbiere-amaral-lanca.html
Gostei muito da entrevista com a Lygia B.Amaral e vou procurar seus livros. Assuntos interessantes e a escritora tem um jeito de ser que me cativou...SIMPLICIDADE E CARISMA...
ResponderExcluirAh! vou propagar esse blog no grupo espírita de que faço parte. Grande abraço. Maria Olinda ( Pelotas- Rio Grande do Sul)