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14.1.17

QUEM É O PRÓXIMO?

Fonte: http://iejusa.com.br/civilizacoesantigas/imagens/7_55.jpg


Na parábola do Bom Samaritano (Lucas 10:29-36) o doutor da lei pergunta a Jesus: “Quem é o meu próximo?”, esta pergunta havia sido feita após se ter conversado sobre a lei moisaica, mais especificamente sobre uma passagem do Levítico, na qual se fala para “amar ao próximo como a si mesmo” (Levítico 19:18)

Lendo mais detidamente a citação, no texto de Moisés, Yahweh está tratando da justiça no julgamento. Inicialmente ele fala para não tratar de forma diferente o pobre e o rico (19:15), depois fala do compatriota (irmão) e recomenda repreender, para que não se cometam crimes de vingança entre os israelitas. Então se escreve:

“Não te vingarás e não guardarás rancor contra os filhos do teu povo. (grifos meus) Amarás  o teu próximo como a ti mesmo” (Lev. 19:18)

Vê-se aqui que a lei mosaica tenta fazer que os israelitas se tratassem como irmãos, ou seja, que se aceitassem sem distinção de riqueza ou pobreza e que renunciassem à vingança de sangue entre si, para tratar suas diferenças dentro da lei. Neste contexto, o próximo a que se refere Yahweh são os compatriotas.

Se aceita esta acepção, faz sentido a questão proposta pelo doutor da lei a Jesus. Quando ele pergunta quem é o próximo dele, ele esta perguntando se o alcance da exigência da lei são os seus compatriotas, apenas, mas Jesus vai estabelecer que se deve amar as pessoas sem a distinção de nacionalidade.

Ao contar a parábola, Jesus elege como herói um samaritano. Ele toca em uma rixa antiga dos descendentes de Abraão. Após o reinado de Salomão, os hebreus se dividiram em dois reinos: Israel e Judá. O reino de Israel tem a Samaria como capital, mas foi conquistado pelo  assírio Sargão II em torno do século VIII a.C., o que gerou uma espécie de influência religiosa oriental nos costumes da região. Os samaritanos, contudo, continuavam aceitando os cinco livros da lei moisaica, mas os judeus, na época de Jesus, condenavam estas diferenças e alimentavam a separação. A rixa com os samaritanos ia ao ponto destes terem seu próprio templo, o que os isolava do templo de Jerusalém.

Habitantes do reino de Judá e habitantes do reino de Israel se viam como diferentes. Eles, por consequência, não se viam como "próximos", embora ambos vivessem sob as regras da lei moisaica.

Os Romanos dividiram a o antigo reino de Salomão, na época de Jesus, em regiões administrativas, entre as quais se encontram  a Judeia, a Samaria e a Galileia. Eles geralmente observavam as semelhanças culturais para que seu domínio fosse principalmente na esfera de governo, evitando controle militar ostensivo. Era uma ideia política herdada dos gregos: "Dividir para conquistar". Estas três regiões continuam sob a influência da lei de Moisés, mas a divisão deve ter evidenciado a percepção das diferenças.

Na história que Jesus conta, um suposto judeu, assaltado e deixado ferido para morrer, é socorrido por um samaritano, ao mesmo tempo em que um sacerdote e um levita judeus o deixaram no caminho. Então Jesus pergunta ao doutor da lei quem era o próximo da vítima de assalto, e seu interlocutor admite que é o samaritano, com as palavras “aquele que usou de misericórdia para com ele”.
Jesus propunha uma ampliação da noção de “próximo”. Ela incluiria até mesmo os estrangeiros, e mesmo os que fossem inimigos dos Judeus, como os romanos, por exemplo. É por esta razão que Jesus afirma no sermão da montanha:

“Ouvistes o que foi dito: “Amarás o teu próximo” e “odiarás o teu inimigo”.  Eu, porém, vos digo: Amai vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que vos torneis filhos do vosso Pai [que está] nos céus, já que seu sol desponta sobre maus e bons, e cai chuva sobre justos e injustos” (Mateus 5:43-45)

Jesus propunha que culturas diferentes pudessem conviver sob uma lei maior, a do Pai. Que não houvesse xenofobia e preconceito no trato entre diferentes. Como alguém que morou a vida quase toda na Galileia, ele percebia que os galileus eram vistos pelos habitantes da Judeia como inferiores,  não importa o quanto vivesse de acordo com a lei.

A universalidade da noção de próximo possibilitou aos cristãos uma ampliação além dos limites da cultura e costumes hebraicos. Como estas questões regionais ficaram distantes no tempo, e passamos a estudar apenas superficialmente a época, a noção de próximo passou para o nível individual, e é geralmente interpretada, hoje, como “qualquer pessoa”, o que gerou um problema para o entendimento dos inimigos, que deixaram de ser inimigos do estado ou da cultura hebraica, e passaram a ser entendidos como inimigos pessoais. Allan Kardec percebeu a estranheza da frase “amai os vossos inimigos” no capítulo XII de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Nos dias de hoje, em que o mundo, e especialmente a Europa, se vê diante da questão da xenofobia, decorrente das migrações oriundas de regiões de guerra e fome, o ensinamento de Jesus nunca foi tão atual.