Fonte: http://iejusa.com.br/civilizacoesantigas/imagens/7_55.jpg
Na parábola do Bom Samaritano
(Lucas 10:29-36) o doutor da lei pergunta a Jesus: “Quem é o meu próximo?”,
esta pergunta havia sido feita após se ter conversado sobre a lei moisaica,
mais especificamente sobre uma passagem do Levítico, na qual se fala para “amar
ao próximo como a si mesmo” (Levítico 19:18)
Lendo mais detidamente a citação,
no texto de Moisés, Yahweh está tratando da justiça no julgamento. Inicialmente
ele fala para não tratar de forma diferente o pobre e o rico (19:15), depois
fala do compatriota (irmão) e recomenda repreender, para que não se cometam
crimes de vingança entre os israelitas. Então se escreve:
“Não te
vingarás e não guardarás rancor contra os
filhos do teu povo. (grifos meus) Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lev. 19:18)
Vê-se aqui que a lei mosaica
tenta fazer que os israelitas se tratassem como irmãos, ou seja, que se
aceitassem sem distinção de riqueza ou pobreza e que renunciassem à vingança de
sangue entre si, para tratar suas diferenças dentro da lei. Neste contexto, o
próximo a que se refere Yahweh são os compatriotas.
Se aceita esta acepção, faz sentido
a questão proposta pelo doutor da lei a Jesus. Quando ele pergunta quem é o
próximo dele, ele esta perguntando se o alcance da exigência da lei são os seus
compatriotas, apenas, mas Jesus vai estabelecer que se deve amar as pessoas sem
a distinção de nacionalidade.
Ao contar a parábola, Jesus elege
como herói um samaritano. Ele toca em uma rixa antiga dos descendentes de
Abraão. Após o reinado de Salomão, os hebreus se dividiram em dois reinos:
Israel e Judá. O reino de Israel tem a Samaria como capital, mas foi conquistado
pelo assírio Sargão II em torno do
século VIII a.C., o que gerou uma espécie de influência religiosa oriental nos
costumes da região. Os samaritanos, contudo, continuavam aceitando os cinco
livros da lei moisaica, mas os judeus, na época de Jesus, condenavam
estas diferenças e alimentavam a separação. A rixa com os samaritanos ia ao
ponto destes terem seu próprio templo, o que os isolava do templo de Jerusalém.
Habitantes do
reino de Judá e habitantes do reino de Israel se viam como diferentes. Eles, por
consequência, não se viam como "próximos", embora ambos vivessem sob as regras da
lei moisaica.
Os Romanos dividiram a o antigo
reino de Salomão, na época de Jesus, em regiões administrativas, entre as quais
se encontram a Judeia, a Samaria e a Galileia. Eles geralmente observavam as semelhanças culturais para que seu domínio fosse principalmente na esfera de governo, evitando controle militar ostensivo. Era uma ideia política herdada dos gregos: "Dividir para conquistar". Estas três regiões continuam sob a influência da lei de Moisés, mas a divisão
deve ter evidenciado a percepção das diferenças.
Na história que Jesus conta, um
suposto judeu, assaltado e deixado ferido para morrer, é socorrido por um
samaritano, ao mesmo tempo em que um sacerdote e um levita judeus o deixaram no
caminho. Então Jesus pergunta ao doutor da lei quem era o próximo da vítima de
assalto, e seu interlocutor admite que é o samaritano, com as palavras “aquele
que usou de misericórdia para com ele”.
Jesus propunha uma ampliação da
noção de “próximo”. Ela incluiria até mesmo os estrangeiros, e mesmo os que
fossem inimigos dos Judeus, como os romanos, por exemplo. É por esta razão que
Jesus afirma no sermão da montanha:
“Ouvistes o que
foi dito: “Amarás o teu próximo” e “odiarás o teu inimigo”. Eu, porém, vos digo: Amai vossos inimigos e
orai pelos que vos perseguem, para que vos torneis filhos do vosso Pai [que
está] nos céus, já que seu sol desponta sobre maus e bons, e cai chuva sobre
justos e injustos” (Mateus 5:43-45)
Jesus propunha que culturas
diferentes pudessem conviver sob uma lei maior, a do Pai. Que não houvesse
xenofobia e preconceito no trato entre diferentes. Como alguém que morou a vida quase toda na
Galileia, ele percebia que os galileus eram vistos pelos habitantes da Judeia como
inferiores, não importa o quanto vivesse
de acordo com a lei.
A universalidade da noção de
próximo possibilitou aos cristãos uma ampliação além dos limites da cultura e
costumes hebraicos. Como estas questões regionais ficaram distantes no tempo, e
passamos a estudar apenas superficialmente a época, a noção de próximo passou
para o nível individual, e é geralmente interpretada, hoje, como “qualquer
pessoa”, o que gerou um problema para o entendimento dos inimigos, que deixaram
de ser inimigos do estado ou da cultura hebraica, e passaram a ser entendidos
como inimigos pessoais. Allan Kardec percebeu a estranheza da frase “amai os
vossos inimigos” no capítulo XII de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Nos dias de hoje, em que o mundo,
e especialmente a Europa, se vê diante da questão da xenofobia, decorrente das
migrações oriundas de regiões de guerra e fome, o ensinamento de Jesus nunca
foi tão atual.