No último dia 09 de fevereiro, oferecemos o seminário “O espiritismo e os cristãos primitivos” no Cenáculo Espírita Thiago Maior, em Belo Horizonte-MG.
Como o tema é vasto, escolhi alguns assuntos e autores que são pouco lidos pelo movimento espírita local, como Léon Denis, Hermínio Miranda, Wallace Leal Rodrigues, os autores de origem acadêmica e os autores da filosofia patrística, além, claro, dos Evangelhos que compõem o cânone que gerou a vulgata, alguns textos que fizeram parte do cânone e textos antigos considerados heréticos ou pseudoepígrafes ao longo da história da Igreja. Tudo isso sem esquecer de Allan Kardec.
Sobre a origem dos textos, especialmente os que foram reconhecidos por São Jerônimo, criando a Vulgata, há informações precisas no livro Paulo e Estêvão, que nosso amigo Carlos Malab teve o cuidado de separar e nos enviar.
Percebendo que poderíamos ter exposto de forma mais clara as posições de Emmanuel, passo publicar no Espiritismo Comentado os recortes feitos pelo Malab.
1. Sobre a autoria do Evangelho Segundo Mateus, e a hipótese de este ter sido escrito por alguém ligado a ele, e não por ele.
“Por dois dias ali permaneceu, em suave embevecimento. Sem revelar-se, procurou Levi, que o recebeu de boa-vontade. Mostrou-lhe sua dedicação e conhecimento do Evangelho, falou da oportunidade de suas anotações. O filho de Alfeu alegrou-se ao contágio daquela palavra inteligente e confortadora. ”
(Emmanuel. Paulo e Estêvão. FEB, página 241 do ebook publicado pela Amazon.com).
Nessa citação fica claro que Emmanuel entende que Mateus (Levi) era alfabetizado, sabia escrever e fez anotações que foram lidas por Paulo. Essas anotações podem não ser o texto que hoje temos com o nome de Evangelho Segundo Mateus, mas com certeza vão além de meras fontes orais que alguns especialistas consideram ser a origem dos textos dos quatro evangelhos. Essas anotações podem compor o que alguns especialistas denominam de Q (do alemão quelle, que significa fonte) e que teriam sido consultadas pelos autores do Evangelho Segundo Marcos, que hoje é considerado pela maioria dos especialistas como o primeiro evangelho a ser publicado.
2. Sobre a existência de textos sobre Jesus consultados por Paulo. Na narrativa de Emmanuel, Paulo e Barnabé são assaltados em viagem.
“Reparando nos pergaminhos do Evangelho que os missionários consultavam à luz da tocha improvisada, um dos ladrões interrogou desconfiado e irônico:
- Que documentos são esses? Faláveis de um príncipe opulento... Ouvimos referências a um tesouro... Que significa tudo isso?
Com admirável presença de espírito, Paulo explicou:
- Sim, de fato estes pergaminhos são o roteiro do imenso tesouro que nos trouxe o Cristo Jesus, que há de reinar sobre os príncipes da Terra.
Um dos bandidos, grandemente interessado, examinou o rolo das anotações de Levi.”
... “Os ladrões guardaram o Evangelho cuidadosamente”
... “nos subtraíram também as anotações evangélicas que possuíamos. Como recomeçar nossa tarefa?”
Paulo desabotoa a túnica e diz a Barnabé:
“- Enganas-te, Barnabé – disse com um sorriso otimista - , tenho aqui o Evangelho que me recorda a bondade de Gamaliel. Foi um presente de Simão Pedro ao meu velho mentor, que, por sua vez, mo deu pouco antes de morrer.”
(Emmanuel. Paulo e Estêvão. FEB, páginas 312 - 313 do ebook publicado pela Amazon.com)
Nesta narrativa de Emmanuel temos diversas informações. Ele nos mostra que as anotações foram feitas em pergaminhos. Mostra também que Paulo e Barnabé sabiam ler, o que é considerado dúvida por estudiosos não espíritas, como Bart Ehrman. Emmanuel chama as anotações de Evangelho, mas se refere a elas também como anotações evangélicas, o que sugere que podem não ser um exemplar do Evangelho Segundo Mateus, mas as anotações realizadas por Levi, que podem ter a forma de logia, como supõe Hermínio Miranda (Cristianismo, a mensagem esquecida, O Clarim, 1988, p. 159-160).
Imagino que o tema seja polêmico, mas me admiro ainda mais com o texto psicografado por Chico Xavier e sua precisão, como falei no seminário. Que possamos continuar estudando sobre os evangelhos sem fanatismos.
Caro Jáder, é sempre um prazer ler textos como os seus, que exalam cuidado, pesquisa e seriedade.
ResponderExcluirNo quesito formação dos Evangelhos - a "crítica das fontes" da Academia - confrontada com a "revelação espiritual", haveria a necessidade de estudos mais aprofundados ainda.
Com relação, por exemplo, ao Evangelho de Mateus, a questão é bastante complexa.
A patrística fala de um "Evangelho dos Hebreus", que a ciência só disporia de um minúsculo fragmento comprobatório, literalmente de centímetros.
Os "pergaminhos" são outra coisa que mereceria uma análise mais crítica: arqueologicamente, não há registro de "pergaminho" no primeiros anos do cristianismo. O que se tem são os "papiros".
Ou seja, quando Emmanuel usa o termo "pergaminho" ele está sendo "técnico" ou está usando - como ele mesmo afirma no prefácio de "Há Dois Mil Anos..." - uma "adaptação" literária, para facilitar o entendimento de seu leitor?
A fonte "Q" ainda é um tese acadêmica, podendo se referir às "anotações de Mateus" citada por Emmanuel em "Paulo e Estêvão" ou a alguma outra fonte que teria sido usada pelos autores dos "Evangelhos" (forma final) de Mateus e Lucas, como uma fonte extrínseca ao Evangelho de Marcos, que, para a Academia, seria o primeiro "Evangelho".
De modo que, o que eram aqueles "escritos" (ou "ditos do Senhor") que Pedro passa para Estêvão, quando este chega em Jerusalém?
Em qual língua estavam escritos?
A alfabetização de Mateus/Levi é consenso, afinal, tratava-se de um cobrador de impostos, alguém que prestava serviço para Roma e ao mesmo tempo morador de Carfarnaum, de modo que ele deveria dominar o Aramaico (dialeto do Tiberíades), o Hebraico (língua usada dentro das sinagogas), o grego (o "inglês" da época) e o Latim (idioma romano).
Aliás, os pescadores - que representavam quase metade dos apóstolos - dominavam o aramaico e o grego, pelo menos (ainda que apenas soubessem "se comunicar", isto é, falar, sem conseguir escrever).
São muitas as questões a serem debatidas e parabenizo a vocês por trazerem este tema à luz!
Muito interessante o seu texto, Jáder. E os comentários acima também.
ResponderExcluirPra mim os primeiros textos (chamados de papiros ou pergaminhos)eram o que veio no futuro a ser chamado de Evangelho de Mateus, mas só ganhou a forma do Evangelho de Mateus décadas e décadas depois, ou mesmo só a Vulgata.
O seminário no Thiago Maior foi uma belíssima e rica aula de Cristianismo e Espiritismo!
ResponderExcluirMuito obrigado, Jáder!