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11.4.20

O ESPIRITISMO NA ZONA RURAL FLUMINENSE

Foto: Fachada da Sociedade Espírita Fraternidade, em Niterói-RJ

Escrevo essas recordações para tornar público um ponto no tempo do movimento espírita. Alguns dos participantes ainda estão encarnados, outros já nos antecederam na grande viagem. A memória é uma fonte “traidora” e vai se esfumando com o tempo. Algumas coisas ficam bem marcadas, enquanto outras vão se apagando lentamente, até que quem recorda não tenha mais certeza do que realmente aconteceu.

No final dos anos 1970, início dos anos 1980, havia uma proximidade muito grande entre a Associação Espírita Célia Xavier-MG e a recém-nascida Sociedade Espírita Fraternidade, de Niterói-RJ. Raul Teixeira vinha pelo menos semestralmente a Belo Horizonte, fazer palestras, seminários e cursos com os espíritas do Célia Xavier, que geralmente eram abertos ao público. Ele também fazia viagens, por diversas cidades do interior mineiro, que acompanhávamos, de carro. Era um bom grupo e ficou um bom relacionamento dessas viagens.

Em um dos primeiros anos de funcionamento da Sociedade Espírita Fraternidade, fez-se uma coisa excepcional. Os jovens da mocidade da SEF vieram a Belo Horizonte acompanhar as nossas festividades do Natal. Fazíamos uma festa para a distribuição de cestas de alimentos, com um teatro e música para os acompanhantes que vinham buscar o farnel.

Já não me recordo bem se estávamos no Lar Espírita ou se ainda o fazíamos no antigo auditório da sede da AECX. O importante é que se estabeleceram laços entre os membros das mocidades. Eu já conhecia o Luiz Carlos Teixeira da Veiga, de outras palestras em que ele veio a BH com o Alexandre Rocha, mas me recordo que nesse evento ele namorava a Gilda. Luiz Carlos se formou posteriormente em Serviço Social, informação dada pelo Alexandre Rocha.

Os anos se passaram e fui ao Rio de Janeiro com meu amigo Ivan, que frequentava a mocidade AECX, se a memória não me trai. Eu geralmente ficava na casa de minha tia, em Manguinhos, mas fomos convidados a visitar o Luiz Carlos e a Gilda, que haviam se casado.

Foi um final de semana excepcional. Eles nos acolheram, levaram à praia no domingo de manhã, fomos à mocidade da Sociedade Espírita Fraternidade e para variar, falei bastante, porque quando mais jovem eu era tão falante quanto a Emília, personagem de Monteiro Lobato. Na casa deles, reencontrei com o amigo Alexandre Rocha, que iniciava a criação da editora Arte e Cultura, que hoje é a Lachâtre. Luiz Carlos me mostrou alguns livros espíritas e espiritualistas que pretendiam traduzir e publicar, clássicos em sua maioria. Ele me mostrou um dos livros de De Rochas, possivelmente “As Vidas Sucessivas”, e me mostrou um livro de Carl Reichenbach, sobre as forças ódicas, que creio que não foi traduzido e publicado até hoje.

Convivíamos e conversávamos muito. Fazíamos planos, projetos para o futuro. Quem diria que uma visita de final de semana pudesse influenciar o futuro? O terceiro membro do conselho editorial da Arte e Cultura era o Hermínio Miranda, que só viria a conhecer rapidamente alguns anos depois.

A história que gostaria de contar foi de um convite para assistir a uma palestra do Luiz Carlos na região dos lagos, em zona rural. Estávamos no Rio de Janeiro, gostávamos de espiritismo, então aceitamos com muito gosto o convite.

Se me recordo bem, foi um jovem pertencente à comunidade quem o convidou. Entramos na Brasília (marca de automóvel) que eles tinham e ganhamos estrada. Acho que Gilda dirigiu na ida, fomos pelo asfalto, depois entramos na estrada de terra, e chegamos a uma fazenda.

Foi uma experiência muito diferente. Os participantes da reunião chegavam de todos os lados, pelas trilhas abertas no meio dos pastos e mata. Um senhor, dirigente da reunião, nos acolheu com gentileza e alacridade. Ele se admirou do caderno universitário que eu carregava comigo, para anotar uma síntese das palestras. A frase foi algo assim:

- Puxa! Ele trouxe até um caderno para anotar!

Eu me senti um pouco deslocado, fora dos padrões locais, mas nunca me importei muito com isso. 

Começou a reunião, e com ela uma prece, e depois da prece uma leitura de uma lista de pessoas para serem atendidas pelos espíritos. Era uma espécie de irradiação, que pelo que entendi, fazia parte do trabalho público do grupo. Havia algumas dezenas de participantes. 

A leitura foi se estendendo, seu conteúdo faz parte da memória que se “esfumaçou”, mas o nome completo e o motivo da pessoa estar na lista era falado em voz alta. Passaram-se cinco, dez, vinte, trinta minutos, e a leitura continuava. Era uma prova de resistência espiritual, talvez um dos exercícios de disciplina espiritual de Inácio de Loyola. Todos acompanhando a leitura no mesmo tom. Acho que após quase uma hora de reunião, passaram a palavra ao expositor “que veio de longe”. O público (eu pelo menos) já estava bastante cansado com a leitura. O que Luiz Carlos iria fazer?

Ele foi sensato e fez bonito. Fez uma saudação, uma introdução rápida e contou a história “Há um século”, de Irmão X, psicografia de Chico Xavier. Luiz Carlos falava bem, envolvia seus ouvintes e dava um toque de emoção discreto ao que falava. Encerrou sua fala com vinte ou trinta minutos, e devolveu o público refeito da maratona de irradiações para o dirigente da reunião.

Despedimo-nos, acho que foi servido um lanche, em clima de fraternidade. Luiz Carlos tomou o volante e foi dirigindo, até que passou uma marcha e o câmbio travou. Estávamos no meio da estrada 
de terra, e não sabíamos o que fazer. 

Em uns quinze minutos, alguém havia avisado aos moradores da fazenda e surgiu uma Kombi. A van veio com uma corda mediana, que uniu a Brasília à Kombi. Os passageiros passamos para a Kombi e um motorista foi na Brasília, dirigindo. Enquanto estava plano, o arranjo funcionava. Quando entrávamos em uma subida mais inclinada, a corda se rompia. Então surgiu o plano B. Quando começava a subida, nós, homens, descíamos da Kombi e empurrávamos a Brasília para que a corda continuasse íntegra.

E foi assim até chegarmos a uma cidade próxima, se não me engano, Araruama. A Brasília ficou em uma oficina mecânica e terminamos de chegar em Niterói.

Rimos bastante, e a amizade foi se consolidando. Fiquei admirado com a disposição dos espíritas da fazenda para prestar socorro da forma possível. Tive uma experiência que nos mostra como o isolamento dos grupos espíritas faz com que sua prática fique muito singular, diferente mesmo do que é realizado nos outros centros espíritas. Daí a importância do intercâmbio, que muitas sociedades espíritas evitam, trabalhando isoladas e até se acreditando superiores, sem qualquer parâmetro de comparação.

Alguns anos depois o Luiz Carlos desencarnou. Nunca trocamos cartas, como o fazia com outros espíritas de então. Não fiquei sabendo. Em uma das vindas de Raul Teixeira, pedi notícias a um dos jovens que trabalhava na venda de livros sobre ele e sobre a Gilda. 

- Ele desencarnou! Me informou, lacônico e sem sensibilidade.

Creio que foi um tumor. E ele devorou a saúde de um jovem trabalhador espírita, de muito potencial. Saí de perto para ficar sozinho e recordar dele. Uma lágrima escorreu. Tomara que esteja bem no mundo espiritual, pelo bem que fez a muita gente durante sua curta estada na Terra.

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