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21.8.20

O QUE SÃO QUESTÕES FILOSÓFICAS? A VIDA.

 


O prof. Humberto Schubert fala do "lugar da filosofia".

O desconhecimento da filosofia pela grande maioria da população brasileira faz com que se misturem questões filosóficas com científicas e as pessoas considerem determinadas posições de cientistas como se fossem verdades.

Uma dessas confusões, por exemplo, é a resposta da questão "o que é a vida?", que implica na resposta de "quando a vida começa" e de "quando a vida termina".

A vida é um conceito filosófico, não científico, com implicações seríssimas para o dia-a-dia de todos nós. Vi, por exemplo, um argumento muito falacioso, ser tomado como "verdade científica", muito recentemente.

Um médico me disse que o critério utilizado para o "fim da vida" pela medicina é a morte encefálica. Então, argumentou, falaciosamente, que o funcionamento cerebral é a demarcação do fim da vida. Logo, conclui, a formação do cérebro deve ser usada como o critério do "início da vida", e ela se dá a partir de três meses (afirmou ele, eu não sei).

Uma jovem me disse que "cabe à ciência" e não à religião estabelecer o início da vida.

Pois bem, em uma ótica filosófica, há muitos erros de argumentação em todas as afirmações.

O estabelecimento da morte pela medicina, é um conceito operacional. A "morte" para os intensivistas é estabelecida a partir dos recursos técnicos disponíveis. Se não houver possibilidade de recuperação, considera-se a pessoa morta. Isso se tornou muito importante com o avanço da medicina e o desenvolvimento da tecnologia de medicina intensiva. Antes os médicos consideravam a parada cardiorrespiratória como o "critério" de morte. Eles assim o faziam, não porque o coração e os pulmões fossem considerados como órgãos da vida, mas porque sua parada denotava o fim dos recursos da medicina. Com o tempo, a medicina aprendeu a ressuscitar e manter as funções cardíacas e pulmonares, através de aparelhos. E constatou algo ainda pior: ela poderia manter um corpo funcionando mecanicamente por muito tempo, e se os aparelhos fossem desligados, toda a vida orgânica cessaria. Surgiu então um novo desafio: até quando o corpo pode ser considerado "vivo"? E mudou-se o critério graças às novas tecnologias, da seguinte forma: quando o encéfalo "parar de funcionar", estabelece-se a "morte encefálica", porque esse organismo não sobrevive sem o auxílio de equipamentos, e não há recursos para que volte a funcionar de forma autônoma e consciente. Se houver um avanço na medicina e surgirem recursos para a recuperação de algumas funções encefálicas que hoje não são recuperáveis, esse conceito irá mudar novamente.

Então, a medicina ou as ciências não definem o que é vida, nem o que é morte. Esse é um trabalho filosófico. Significa dizer que na filosofia de orientação materialista, definir-se-á vida com base no organismo, porque o filósofo materialista "definiu" vida a partir do funcionamento da matéria. Um filósofo espiritualista tem uma visão muito diferente, porque, por exemplo, aceita o conceito de alma. Um filósofo cético radical vai considerar impossível a definição de vida, porque o conhecimento não é possível. Não importa o quanto as ciências avancem, a concepção de vida e morte é uma questão filosófica, e não científica. Não é possível esperar de um cientista a solução de questões como "o que é a vida", de forma imparcial. Se ele tentar responder, o fará com base em uma posição filosófica, que não necessariamente é a única, nem a verdadeira.

Isso nos mostra como é importante saber discutir a questão ciência-religião, que o prof. Humberto apresenta muito rapidamente na apresentação acima. Além dessas duas formas de conhecimento, há o conhecimento filosófico. Isso é muito importante no momento de pandemia em que passamos, no qual perguntas legitimamente científicas, como "há um tratamento eficaz para o vírus da COVID", sai da esfera das ciências, e se torna dogma político. As pessoas escolhem um determinado medicamento, não com base nas evidências, mas na confiança que têm em um determinado líder, que se baseia em vozes não consensuais (mas minoritárias) no campo das ciências.

Outra conclusão que podemos tirar da questão acima, tratada de forma superficial, de "o que é a vida", é que se aplicarmos o mesmo critério da medicina intensiva para estabelecer um critério para o aborto, o início da vida é a fecundação. Parece paradoxal, mas não é. Se o critério para o estabelecimento da morte, é a "ausência de recursos para o restabelecimento do funcionamento do organismo humano", o mesmo critério aplicado à vida seria o ponto a partir do qual o organismo se desenvolve naturalmente, torna-se viável, desde que não haja algum impedimento técnico. Esse ponto, é o da fecundação do óvulo pelo espermatozóide. 

Em uma abordagem filosófica, o argumento da formação inicial do encéfalo, como critério do surgimento da vida é falacioso. E isso traz muitas implicações éticas com as quais até mesmo os médicos não querem tratar, como, por exemplo, os óvulos que foram fertilizados "in vitro". Seriam eles seres de direito? Pode-se fertilizar e descartar os que não forem inseminados artificialmente? A concepção da vida a partir da fertilização dos óvulos incomoda a muitos interesses, não é mesmo?

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