Continuo publicando textos derivados da leitura que estou
fazendo sobre os cristãos primitivos, e hoje comento a vida e duas propostas de
Orígenes, similares à proposta espírita. Roque Frangiotti fez uma busca nas
fontes disponíveis sobre a vida de Orígenes e se tornou nossa principal fonte
nesta pequena biografia, assim como o texto filosófico de Giovanni Reale.
Vida de Orígenes
Cristão de Alexandria, de 185 d. C., Orígenes nasceu em
família cristã e viu seu pai ser martirizado em 202, por ordem de Lúcio Sétimo
Severo (imperador romano). Este evento tornou o jovem Orígenes,
com 18 anos, responsável por mãe e irmãos, sem os bens da família, que foram
confiscados pelo império. Ele passou a sustentá-los com aulas de gramática, que
havia aprendido com o pai e desenvolvido com esforço próprio.
Com a perseguição romana, os catequistas haviam fugido de
Alexandria, e Orígenes aceitou o convite do bispo Demétrio para realizar este
trabalho, dirigindo a escola de catequese de Alexandria, quando passou também a
acompanhar e exortar os mártires.
Nesta época, o cristianismo era alvo de críticas de cunho
filosófico e de disputas internas entre doutrinas que se desenvolveram a partir
de pontos conflituosos da fé cristã. Giovanni Reale (p.45) afirma que Orígenes
combateu gnósticos, adocionistas e modalistas.
Este trabalho só foi possível porque Orígenes criou o Didaskaleion, um “centro de ensino
superior”, considerado “o primeiro esboço daquilo que será a universidade na
Idade Média” (Frangiotti, p. 11). Era um lugar que ensinava não apenas a
doutrina cristã e as escrituras, mas também as diversas áreas da cultura chamada
profana. Esta iniciativa possibilitou ao alexandrino o estudo da filosofia.
A Héxapla
Orígenes fez viagens de estudos, em busca das diferentes
versões da Bíblia, para poder fazer estudos comparativos. Um de seus trabalhos
é a Héxapla e que é uma Bíblia em seis colunas, a saber:
- O texto hebraico com caracteres hebraicos
- O texto hebraico com caracteres gregos
- A versão bíblica de Áquila
- A versão bíblica de Símaco
- A versão bíblica de Teodicião
- A versão bíblica da Septuaginta (os setenta)
Seu sucesso e reconhecimento por cristãos e autoridades
cristãs de diversas partes do mundo parece ter despertado a inveja de Demétrio,
que o destituiu do magistério e do presbiterato, além de excomungá-lo.
Orígenes foi para Cesaréia da Palestina, onde passou seus
últimos vinte anos. Lá ele continuou a ensinar e organizou um centro de
estudos, além de uma biblioteca que se tornou célebre e na qual trabalharam no
futuro “Pânfilo, Eusébio e São Jerônimo” (Frangiotti, p. 15) Ele também passou
a pregar e comentar diariamente a escritura para os cristãos.
No governo do imperador Décio iniciou-se uma nova
perseguição aos cristãos, quando Orígenes foi preso e torturado, desencarnando
anos depois.
Eusébio de Cesaréia afirma que Orígenes escreveu cerca de
2.000 livros, e Jerônimo fez um levantamento de 800 títulos. Muito se perdeu do
que Orígenes escreveu porque algumas de suas doutrinas e ideias foram
condenadas pelo II Concílio de Constantinopla, em 553, o que “provocou o
desaparecimento sistemático de sua imensa obra”. (Frangiotti, p. 17)
A Hierarquia Deus –
Jesus e o Espírito Santo
Seria muito difícil comentar a obra de Orígenes como um
todo, então deter-me-ei em dois pontos que interessam a nós, espíritas.
Ao estudar o espírito santo, Orígenes faz uma hierarquia
entre Deus, Jesus e o espírito santo. Ele defende a homoousia (Jesus foi
emanado de Deus, e tem a mesma natureza do Pai), que nos é estranha, porque
entendemos Jesus como espírito superior e distinguimos a natureza de Jesus da
de Deus, em função das características divinas discutidas por Kardec. Contudo
ele admite alguma subordinação do filho ao Pai (Reale, p. 45) Já o espírito
santo teria um papel santificante.
Até o momento, em boa linguagem espírita, entendo que Jesus,
após a desencarnação continua acompanhando o movimento cristão através da
mediunidade dos profetas cristãos e de outros médiuns das comunidades. Entendo
também que outros espíritos superiores, missionários de Jesus, tinham o seu
papel junto a estas comunidades, sendo identificados como o Espírito, como diz
Denis, ou o Espírito Santo, como afirma a tradição católica. Reale afirma que
Orígenes via no Espírito Santo uma “função específica na ação santificante”.
Preexistência e
Reencarnação
O segundo ponto que nos interessa é a defesa da
preexistência do espírito antes da concepção. Orígenes entende que os espíritos
preexistem e quando cometem pecado, nascem, ou seja, encarnam. É uma leitura muito próxima da de Kardec que
entende que o ciclo das encarnações é necessário ao desenvolvimento dos
espíritos e que possibilita a reparação das faltas cometidas.
Outra similitude, que encontrei em Reale (p. 46) diz
respeito à reencarnação. Para que o leitor não pense que estou inventando ou
lendo mal, passo a citar textualmente:
“É doutrina típica de Orígenes (derivada dos gregos,
embora com notáveis correções) a que
segundo a qual o “mundo” deve ser entendido como série de mundos, não
contemporâneos, mas subsequentes um ao outro. Tal visão relaciona-se
estreitamente com a concepção origeniana segundo a qual, no fim, todos os
espíritos se purificarão, resgatando suas culpas, mas, para se purificarem
inteiramente, é necessário que sofram longa, gradual e progressiva expiação e
correção, passando, portanto, por muitas reencarnações em mundos sucessivos.”
(Reale, p. 46)
Vê-se, portanto, que Léon Denis leu acertadamente quando
escreveu em seu “Cristianismo e Espiritismo”
“De todos os padres da Igreja, foi Orígenes quem afirmou do
modo mais positivo, em numerosas passagens dos seus princípios (Livro 1º.), a
reencarnação ou renascimento das almas. É essa a sua tese: “A justiça do
Criador deve patentear-se em todas as coisas”.
Referências Bibliográfica
Denis, Léon. Cristianismo e espiritismo. 7 ed. Rio de
Janeiro, FEB, 1978.
Frangiotti, Roque. In: Orígenes. Contra Celso. São Paulo,
Paulus, 2004.
Reale, Giovanni, Antiseri, Dario. História da filosofia.
Patrística e Escolástica. 4 ed. São Paulo, Paulus, 2011. Vol. 2.