Passei o final de semana com Chico Xavier. Não o Chico, espírito desencarnado, mas o Chico da mente de um autor espírita e mineiro.
Fiquei encarregado de falar sobre a vida de Chico Xavier no
sábado, na reunião de encontro das mediúnicas, e me incumbi de concluir a leitura
dos dois livros escritos por John Harley, espírita de Pedro Leopoldo que teve
convivência direta e familiar com o médium.
“O voo da garça” e “Nas trilhas da garça”, publicados há
pouco, são dois livros muito diferentes dos que já li sobre o Chico, porque
John optou por uma narrativa culta, com palavras de fácil entendimento, que
entremeiam a vivência dele, com a vivência de outros “amigos de Chico” e com a
literatura disponível sobre a vida do orientando de Emmanuel. John nos deixa
saber que ele tem uma trajetória pela psicologia, o que nos faz compreender por
que ele busca o mesmo que nós: desconstruir a imagem de santo popular e
entender a humanidade do Chico, coisa que o médium sempre prezou, até mesmo na
escolha do seu pseudônimo.
As perguntas que ele se faz sobre o médium nunca têm
respostas simples ou monocausais. Perguntas como: por que ele se mudou para
Uberaba? São respondidas à luz de diversos eventos e opiniões de outros
autores, que culminam em uma resposta sempre elaborada e complexa.
John não consegue ocultar a admiração que tem do médium, e
nem precisa, já que sabemos bem “de onde vem” o texto, e para quem foi escrito.
Admiração que não se confunde com ilusão porque ele percebe e deixa perceber o
sofrimento do Chico com a sua idealização pelo público, o preço da fama (no
caso, o sacrifício da intimidade), a invasão não desejada pelos seus
admiradores, a luta com (ou contra) seus impulsos, as difíceis escolhas que ele
fez pelo compromisso com a doutrina. Creio que ninguém vai querer ser Chico
Xavier após ler os livros de Harley.
Hoje fui ao cinema com a minha filha que está de gesso no
pé, mas se recuperando bem. Conseguimos uma cadeira de rodas no shopping, para que ela não tivesse que
se deslocar de muletas e fomos assistir um cinema em família. A jovem na
cadeira de rodas chamava a atenção das pessoas, que a olhavam com diversos
estados de espírito, entre a dúvida e a piedade. As crianças não escondiam
algum comentário com as mães, sempre generosos ou engraçados.
Ao fim do filme, uma das funcionárias do cinema nos atendeu
com muita gentileza, facilitando a saída, informando sobre os espaços para
cadeira de rodas e consolando minha filha, dizendo-lhe que em breve estaria
andando novamente. Acolhemos com simpatia a generosidade dessa funcionária, que
se sentiu respeitada e segura conosco. A conversa com minha filha foi até o ponto em que ela recomendou que aproveitasse o convívio com a mãe, que compunha o
nosso trio, quando ela se emocionou. Ela nos disse que sua mãe havia ido há
três meses, e que ela sentia muita saudade. Sabia que a mãe estava bem , mas
nunca mais receberia um abraço dela.
Eu reagi como de costume, disse-lhe que ainda iria rever a
mãe, mas ela não escutou.
Imediatamente, recordei a narrativa do John. Ele dizia que
muitas pessoas levavam sua dor para o Chico e que uma vez ele ouviu uma mãe narrar
a dor de perder a filha. O ímpeto dele foi de falar alguma coisa que
normalmente dizemos, como “o tempo vai diminuir a sua dor”, ou “não fique
triste”, ou ainda alguma frase daquelas que visam diminuir a manifestação de
sofrimento, mas que expressam apenas a nossa incapacidade de entendê-lo ou nosso
desejo oculto de afastá-lo de nós.
O Chico apenas abraçou e chorou. Chorou com a mãe. E o ato
de perfeito entendimento, de empatia na dor, parece que tinha seu efeito
mágico. O choro aliviava. Ela não estava mais sozinha em sua dor.
Quando me lembrei, quis abraçar também a funcionária, mas
não seria conveniente. Entendi que o Chico não apenas fazia a coisa certa, mas
criou o lugar certo e um momento socialmente aceito para que as dores pudessem
ser repartidas. Eu entendi como era singelo e, ao mesmo tempo, grandioso, o
trabalho que esse homem fez. Alguém com óculos diferentes dos meus, geralmente
critica o que o Chico fazia, como assistencialismo ou sensacionalismo baratos. Geralmente
são pessoas que enxergam o homem apenas com suas necessidades fisiológicas, de
segurança e de conhecimento, visto como arte e cultura. Eles não estão errados,
apenas são incapazes de compreender o que fazia o médium das Minas Gerais.
Agradeço ao John Harley ter compartilhado seu mundo íntimo.
Nos dias de hoje, foi um ato de coragem.
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