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8.5.18

GEOGRAFIA(S) DO MUNDO ESPIRITUAL



O título desta matéria é também o título do capítulo do livro “O espiritismo, as ciências e a filosofia”, publicado em 2014 pela Liga de Pesquisadores do Espiritismo – LIHPE e pelo Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro – CCDPE-ECM.



Escrito pelo então geógrafo e mestre em geografia, hoje doutorando em geografia Chrystiann Lavarini, o trabalho traz inúmeras contribuições ao pensamento espírita contemporâneo.

Ele se inicia com a apresentação de conceitos gerais em geografia, como território, região, lugar, paisagem e espaço geográfico, esse último conceito influenciado pelo conhecido geógrafo brasileiro, Milton Santos.

Uma vez definidos os conceitos, o autor faz a análise do relato espiritual contido em dois livros: “O céu e o inferno”, de Allan Kardec e “A crise da morte” do italiano Ernesto Bozzano.



Ao comparar os relatos dos Espíritos felizes com os dos Espíritos sofredores, Lavarini explica:

“Os territórios ocupados pelos Espíritos Sofredores diferem, e muito, do quadro apresentado pelos Espíritos Felizes, sobretudo pela sua incapacidade de viver e perceber as regiões distintas do grau evolutivo a que pertencem, associado à impossibilidade de se locomoverem livremente no espaço.” (Lavarini, 2014, p. 185)

Lavarini identificou quatro espíritos no livro de Kardec que falam de trevas: Claire, Lisbeth, Palmyre e Joseph Maitre. Ele entende que a descrição pode ser entendida como um estado consciencial, que por afinidade e atração ocasionaria “espaços resultantes do insulamento a que suas consciências encontram-se submetidas”.



Ao analisar as pesquisas de Bozzano, baseado no relato de dezessete espíritos desencarnados, o autor entende que “a existência de uma paisagem espiritual objetiva, que nem sempre é passível de ser produzida ou reproduzida somente pela vontade espiritual, mas que se enquadra dentro das manifestações psíquicas coletivas do Mundo Espiritual.” (Lavarini, 2014, 193)

O texto é longo, citado de forma rigorosa e repleto de contribuições, que não dá para apresentar no espaço de um blog. Chrystiann mostra a consistência entre a pesquisa de Bozzano e a de Allan Kardec e demonstra a necessidade de entendermos a conceituação geográfica para entendermos o que nos dizem os espíritos sobre a vida no mundo espiritual.

Recomendo aos leitores do Espiritismo Comentado a leitura do texto e do livro, que traz muitas contribuições a quem deseja realmente estudar o espiritismo. Ele pode ser adquirido na livraria virtual do Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo - Eduardo Carvalho Monteiro e nas distribuidoras de livros espíritas, como a Candeia e a Boa Nova.

28.4.18

NOS BASTIDORES DA OBSESSÃO E "O CÉU E O INFERNO"



Estamos estudando pela segunda vez o livro "Nos bastidores da obsessão", psicografado por Divaldo Franco e escrito pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. Para o dia de hoje, ficou a nosso encargo parte do capítulo quatro que trata sobre o hipnotismo.

Após um histórico extenso das teorias sobre o hipnotismo no século XIX, início do século XX, com uma passagem pela questão da sugestibilidade de Bernheim, o instrutor espiritual começa a falar de obsessão entre desencarnados-encarnados e sobre influenciação entre desencarnados.

Ele parte do princípio que há ondas mentais exteriorizáveis, capazes de estabelecer conexões entre as mentes de pessoas e Espíritos. Nesse intercâmbio, ainda que não consciente, ocorrem os fenômenos de sugestão, que ele classifica como negativa ou positiva (do ponto de vista moral, ao que entendemos).

Com base nesse fenômeno ele se volta à questão da interação entre Espíritos no plano espiritual e diz:

"Céu ou inferno, portanto, são dependências que construímos em nosso íntimo, vitalizadas pelas aspirações e mantidas a longo esforço pelas atitudes que imprimimos ao dia-a-dia da existência".

Após mostrar que se trata do estado psicológico dos Espíritos desencarnados, ele continua mostrando suas interações:

"Por tais processos, províncias de angústia e regiões de suplício, oásis de ventura e ilhas de esperança nascem no recôndito de cada mente e se reúnem, em todos os departamentos do planeta." (p. 95 da 2a. edição)

O autor explica que ocorre a sintonia entre mentes a partir das afinidades. Podemos deduzir que esse fenômeno gera imagens, pensamentos e sentimentos que passam a ser compartilhados, pelos Espíritos que sintonizam na mesma faixa "psicológica". 

Allan Kardec não usa os termos "colônia espiritual", "umbral", "regiões inferiores" ou outros, mas trata da vida no mundo espiritual. No seu "O céu e o inferno", após desconstruir a ideia de inferno no capítulo IV, afirma sobre o purgatório:

"O espiritismo não nega, pois, antes confirma, a penalidade futura. O que ele destrói é o inferno localizado com suas fornalhas e penas irremissíveis. Não nega, outrossim, o purgatório, pois prova que nele nos achamos."... (p. 65)

Certamente, Kardec não subscreve a ideia de purgatório, assim como não subscreve a ideia de anjos. Ele apenas diz que os princípios dessas ideias são coerentes com o pensamento espírita. Ao ler essa passagem, à qual remeto o leitor, perguntei-me: Ele se refere apenas ao sofrimento das pessoas encarnadas ou também ao purgatório como condição de sofrimento das pessoas desencarnadas? No mesmo texto, mais à frente se lê:

"Seja qual for a duração do castigo, na vida espiritual ou na Terra, onde que que se verifique, tem sempre um termo, próximo ou remoto."

O mestre francês está preocupado com a tese da justiça divina, e não com a descrição dos sofrimentos nesse capítulo, por isso critica diversas vezes a "irremissibilidade dos erros". 

Ele ainda retorna à questão da circunscrição do espaço do "purgatório", e diz que:

"... eis por que mais naturalmente se aplica à Terra do que ao Espaço infinito onde erram os Espíritos sofredores" (p. 66)

Note o leitor que ele associa o conceito ao sofrimento, e por isso o amplia. Há muito sofrimento na Terra entre os encarnados, assim como existe sofrimento moral (ou psicológico) entre os desencarnados. Kardec não exclui o conceito de purgatório do "Espaço infinito", apenas o aproxima do sofrimento dos Espíritos encarnados.

Outra diferença entre o pensamento de Kardec e a tradição medieval cristã, é que o sofrimento não é o fim da inferioridade humana, mas meio, através do qual o Espírito pode conscientizar-se e empreender a reparação dos seus erros. 

"Arrependimento, expiação e reparação constituem, portanto, as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas consequências" (p. 93)

Outro ponto pouco conhecido,  no mesmo livro, é o capítulo IV, que trata dos espíritos sofredores. Allan Kardec publica um ditado do espírito Georges, que explica como ficam os espíritos endurecidos e maus após a morte. Destaquei o seguinte parágrafo:

"Não elevam o olhar às moradas dos Espíritos elevados, consideram o que os cerca e, então, compreendendo o abatimento dos Espíritos fracos e punidos, se agarrarão a eles como a uma presa, utilizando-se da lembrança de suas faltas passadas, que eles põem continuamente em ação pelos seus gestos ridículos" (p. 263)

Essa é uma descrição de Georges sobre o mundo espiritual, no parágrafo posterior ele trata da ação desses espíritos na Terra, e trata da ação espiritual entre os homens.

Allan Kardec continua seu trabalho, identificando essa instrução nos relatos de espíritos em sofrimento.

Novel (p. 265-266), descreve sua perseguição pelos maus Espíritos no plano espiritual.

O Espírito de um boêmio (p. 269-270) segue com a influência da matéria no além túmulo, "sem que a morte lhes ponha termo aos apetites que a sua vista ... procura em vão os meios de os saciar."

O príncipe Ouran (p. 275) explica que "liberto da matéria, o sentimento moral aumentou-se, para mim, de tudo quanto as cruéis sensações físicas tinham de horrível".

Ferdinand Bertin (p. 279) assim descreve sua situação no mundo espiritual:

"Estou num medonho abismo! Auxilia-me... Oh! Meu Deus! Quem me tirará desse abismo?" E ele se sente ainda colhido pelo mar, onde faleceu. 

Claire, descreve sua experiência no mundo espiritual: "Também eu posso responder à pergunta relativa às trevas, pois vaguei e sofri por muito tempo nesses limbos onde tudo é soluço e misérias. Sim, existem as trevas visíveis de que fala a Escritura, e os desgraçados que deixam a vida, ignorantes ou culpados,  depois das provações terrenas são impelidos à fria região, inconscientes de si mesmos e do seu destino.

Palmyre (p. 306-308), que suicidou-se juntamente com o Sr. D., seu amante, ao descrever sua vida após a morte refere-se aos Espíritos que estão com ela no mundo espiritual, e diz que ouve "risos infernais e vozes horrendas que bradam: sempre assim!"

Se continuarmos a pesquisa, com certeza teremos mais elementos sobre as relações entre os Espíritos no mundo espiritual na obra de Kardec. 

Este tipo de descrição da interação e das relações entre Espíritos inferiores ou superiores no mundo espiritual foi realizado também por médiuns brasileiros, como Francisco Cândido Xavier, Yvonne do Amaral Pereira, Divaldo Pereira Franco e também através da série Histórias que os espíritos contaram, escrita pelo estudioso Hermínio C. Miranda. 

17.4.18

GENEALOGIA DE ALLAN KARDEC


Jussara Korngold, tradutora de livros de Allan Kardec para a língua inglesa, pesquisou e publicou recentemente uma árvore genealógica de Allan Kardec (Prof. HLD Rivail, como gostava de assinar seus livros). 

Entre as surpresas temos dois irmãos de Rivail, Auguste Claude e Marie Françoise, que desconhecíamos.

Parabéns à pesquisadora! 

11.4.18

JESUS EXISTIU? É IMPORTANTE PARA O ESPIRITISMO?



Manuscritos de Nag Hammadi


Com o passar do tempo e o desenrolar da história, a época em que viveu Jesus vai ficando cada vez mais distante de nós, o que leva algumas pessoas a questionarem se ele realmente viveu ou se não seria uma lenda, criada com alguma finalidade de controle social.

Para o pensamento espírita, Jesus não apenas viveu como pode ser considerado guia e modelo para os homens, como se lê em O Livro dos Espíritos. Após discutir filosofia com os Espíritos e escrever sobre a prática da mediunidade, divulgando sua experiência na França e no exterior, Allan Kardec dedicou-se ao estudo e comentário dos evangelhos, dando um grande destaque, inicialmente à questão moral, com a publicação de “O evangelho segundo o espiritismo” e posteriormente sobre outras questões ligadas aos evangelhos, como os milagres e as predições do Cristo, que se encontram analisados em “A Gênese”. Kardec e os Espíritos entendem que os ensinamentos cristãos são uma base importante para o desenvolvimento de uma ética para a humanidade, mesmo havendo mudanças muito intensas na sociedade, nas formas e relações de produção e na interação entre os homens.

Se considerarmos as evidências históricas e arqueológicas da vida de Jesus de Nazaré, podemos observar o seguinte:

1.       Entre as evidências documentais da existência de Jesus, temos, além dos evangelhos, as cartas de Paulo e as dezenas de escritos dos cristãos dos primeiros séculos, que temos até os dias de hoje.

2.       Historiadores judeus como Flávio Josefo e historiadores romanos como Plínio e Tácito, que não foram cristãos, escreveram sobre Jesus.

3.       Não se questiona a existência de Jesus na literatura antiga.

4.       Há diversas evidências arqueológicas como:

a.       os manuscritos do Mar Morto (descobertos em 1947, em uma localidade chamada Qmram, na Cisjordânia, que contém documentos escritos entre o século II aC. ao ano 70 dC, contendo textos do antigo e do novo testamentos, além de documentos apócrifos)
b.      os manuscritos de Nag Hammadi (descobertos no Egito em 1945, possivelmente do século II, escritos em cóptico e contendo textos gnósticos, que fazem referência a Jesus, embora sejam considerados apócrifos)
c.       Os papiros de Oxirinco (descoberto no Egito, contendo documentos que vão do século I ao VI, são uma espécie de biblioteca que tem textos clássicos, manuscritos teológicos e apócrifos, além de documentos do cristianismo primitivo).

O pensamento de Jesus é um dos pilares éticos da obra de Allan Kardec, em função de sua ética da solidariedade e da sua consideração dos seres humanos como pessoas, independente do lugar que ocupam na sociedade.

17.3.18

LAMMENAIS, A RELIGIÃO E ALLAN KARDEC



Estava preparando um estudo para o Grupo Scheilla, em Belo Horizonte, quando me deparei com o texto abaixo, ditado pelo espírito Lamennais, ao Sr. Didier (1861):


“As ideias mudam, mas as ideias e os desígnios de Deus, nunca. A religião, isto é, a fé, a esperança, a caridade, uma só coisa em três, o emblema de Deus na Terra, fica inabalável em meio às lutas e preconceitos. A religião existe, sobretudo nos corações, e assim não pode mudar. É no momento em que reina a incredulidade, em que as ideias se chocam e entrechocam, sem proveito para a verdade, que aparece esta Aurora que vos diz: Venho em nome do Deus dos vivos e não dos mortos; só a matéria é perecível, porque é divisível, mas a alma é imortal, porque una e indivisível. Quando a alma do homem se enfraquece na dúvida sobre a eternidade, ela toma moralmente o aspecto da matéria; ela se divide e, por conseguinte, é submetida a provas infelizes nas suas novas reencarnações. A religião é, pois, a força do homem. Diariamente ela assiste às novas crucificações que inflige ao Cristo. Diariamente ela ouve as blasfêmias que lhe são atiradas à face, mas, forte e inabalável como a Virgem, ela assiste divinamente ao sacrifício de seu filho, porque possui em si a fé, a esperança e a caridade. A Virgem desvaneceu-se ante as dores do Filho do Homem, mas não está morta”.


Allan Kardec faz uma avaliação muito curiosa dos ditados desse espírito, que foram agrupados sob o título "Meditações filosóficas e religiosas". Ele entende que Lamennais, longe de ser um espírito perfeito, traz muitas das questões de sua última encarnação, que são passíveis de crítica, mas entende também que seus ditados podem ser proveitosos, por isso os publica. Encontramos citações dos ditados de Lamennais em O Livro dos Espíritos. Veja a posição do codificador:

"Sem dúvida há em suas comunicações muitas coisas boas e belas, em termos de idéias e de estilo, mas há, evidentemente, as que podem ser submetidas à crítica, e pelas quais não assumimos nenhuma responsabilidade. Cada um tem a liberdade de aproveitar o que achar bom e rejeitar o que parecer mau. Só os Espíritos perfeitos podem produzir coisas perfeitas. Ora, Lamennais, que sem contradita é um Espírito bom e elevado, não tem a pretensão de já ser perfeito, e o caráter sombrio, melancólico e místico do homem incontestavelmente se reflete no do Espírito e, consequentemente, nas suas comunicações."

Independente da avaliação de Kardec sobre Lamennais, esse e outros ditados, nessa época, fizeram refletir ao Mestre Francês, que escreveria que o espiritismo entraria em seu período religioso. Kardec percebeu-se que, além das ideias sobre a vida após a morte e as evidências empíricas, era necessário o desenvolvimento de uma reflexão ética no contexto do espiritismo, o que fez com que publicasse, daí a três anos, "O evangelho segundo o espiritismo".

Para conhecermos quem foi esse espírito, retirei algumas informações convergentes  de duas ou três fontes diversas na internet que sintetizo abaixo:


Desencarnado em 1854, Félicité Robert de Lamennais passou a comunicar-se nas reuniões da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e foi muito citado por Allan Kardec ao longo de sua obra.

Lamennais foi um escritor e padre que viveu na França entre 1782 e 1854. Do ultramontanismo (católico muito conservador), ele se interessa pelas ideias liberais, como a separação entre o estado e a igreja, a liberdade de consciência, do ensino, da imprensa e de associação, voto popular e direito de insurreição do povo. 

Censurado pelo estado e pelo próprio Papa, em duas encíclicas, Lamennais passou a dedicar-se ao povo, e a escrever pelo socialismo e pela república. Ele é considerado por diversos autores um precursor do catolicismo social. Em sua época a ideia de socialismo estava associada à melhora das condições de vida da população trabalhadora.

10.2.18

O INSIGHT DE ALLAN KARDEC




Estou estudando o capítulo XI do livro A Gênese, que trata da gênese espiritual, ou seja, da concepção, origem e destino dos Espíritos. Esse livro foi publicado um ano antes da desencarnação de Allan Kardec, e esse capítulo em especial é uma espécie de retorno a temas tratados no livro primeiro de O Livro dos Espíritos.

Um ponto aparentemente óbvio, que fica bem claro nesse capítulo, é o que poderíamos chamar de insight kardequiano.  Emprego o termo em seu sentido psicológico, como define Houaiss, "compreensão ou solução de um problema pela súbita captação mental dos elementos e relações adequados".

O capítulo começa respondendo à questão o que é princípio espiritual? Fica muito claro que Kardec associa o princípio espiritual à inteligência e, com isso, o distingue do princípio material. 

Por que Allan Kardec não fez como os cientistas de sua época, e associou a inteligência e as funções psicológicas ao cérebro? A resposta é simples:  por causa da comunicação com os Espíritos.

No capítulo IV de O livro dos Médiuns (dos sistemas, que pode ser entendido também como as teorias), o mestre francês discute as hipóteses de charlatanismo, da loucura, do músculo estalante (para explicar os raps) e das causas físicas (magnetismo, eletricidade ou fluido) e do reflexo (seria uma espécie de animismo ou telepatia). para explicar os fenômenos que ele estudou. A inteligência das respostas obtidas dos espíritos, contudo, é uma característica que não pode ser explicada pelas teorias de base natural e o conteúdo das comunicações afasta ou reduz o poder explicativo da teoria do reflexo.

Ainda nesse capítulo, Allan Kardec discute as teorias que têm por causa dos fenômenos seres inteligentes, e discute os sistemas (teorias) da alma coletiva, sonambúlico, diabólico ou demonista, otimista (ação exclusiva de bons Espíritos), uniespírita (produzidos por Cristo), multiespírita e o sistema da alma material.

Se há um conjunto de fenômenos produzidos por inteligências incorpóreas, a inteligência em si não é, nem pode ser, uma propriedade do organismo, embora esse possa prejudicar sua manifestação. Há, portanto, um princípio espiritual ou inteligente, que não se reduz ao corpo material.

Esse é um dos pressupostos centrais da Doutrina Espírita. A partir dele Kardec fez diversas deduções filosóficas, e agregou resultados de observações e de diálogos com os Espíritos, constituindo o espiritismo como doutrina, ou como gosto de dizer, desenvolveu o pensamento espírita. 

Um princípio espiritual (que tem por essência a inteligência e a personalidade) independente do princípio material traz consigo uma imensidade de novas possibilidades e novas formas de ver o mundo e a existência.

18.11.17

PLANEJAMENTO ENCARNATÓRIO? SÓ EM LINHAS GERAIS.




A Organização das Nações Unidas – ONU diz que nascem 180 pessoas por minuto no mundo, que viverão, em média, 71,4 anos. Inferindo, 94 milhões e 600 mil pessoas nascem todo o ano. Juntas, elas vivem cerca de 59 trilhões de horas.

Fiquei imaginando qual seria a infraestrutura no mundo dos espíritos para fazer o planejamento de 94 milhões de corpos por ano, ou para planejar os eventos que envolvem 59 trilhões de horas para as pessoas que encarnarão em apenas um ano nos quatro cantos do mundo.

Por que estou dizendo isso?

Os leitores da obra do espírito André Luiz, via Chico Xavier, irão se recordar, no livro Missionários da Luz, um caso de planejamento reencarnatório, intitulado “preparação de experiências”. Ele trata de um espírito, em boas condições mentais, apoiado por outros que lhe são afins, planejando a próxima reencarnação.

O autor espiritual faz uma ressalva, que há espíritos que reencarnam sem este tipo de apoio, tendo por base apenas suas promessas, endossadas pelo mais alto.

Alguns leitores apressados, ou desencantados com os revezes da vida, acreditam que tudo o que passam foi programado anteriormente. Não percebem as “causas atuais”, a que se refere Kardec, que são as escolhas que fazemos no curso da presente encarnação. Não percebem também os riscos a que nos expomos e que as ciências desvendam a cada minuto, propondo, quando possível, meios de os evitar ou reduzir.

Kardec não propunha esse determinismo reencarnatório que às vezes vemos no discurso de alguns expositores, como por exemplo, na questão abaixo de O Livro dos Espíritos (os negritos são meus):

259. Do fato de pertencer ao Espírito a escolha do gênero de provas que deva sofrer, seguir-se-á que todas as tribulações que experimentamos na vida nós as previmos e escolhemos?

Todas, não, porque não escolhestes e previstes tudo o que vos sucede no mundo, até às mínimas coisas. Escolhestes apenas o gênero das provações. As particularidades são a consequência da posição em que vos achais e, muitas vezes, das vossas próprias ações. Escolhendo, por exemplo, nascer entre malfeitores, sabia o Espírito a que arrastamentos se expunha; ignorava, porém, quais os atos que viria a praticar. Esses atos resultam do exercício da sua vontade, ou do seu livre-arbítrio. Sabe o Espírito que, escolhendo tal caminho, terá que sustentar lutas de determinada espécie; sabe, portanto, de que natureza serão as vicissitudes que se lhe depararão, mas ignora se se verificará este ou aquele evento. Os acontecimentos secundários se originam das circunstâncias e da força mesma das coisas. Previstos só são os fatos principais, os que influem no destino. Se tomares uma estrada cheia de sulcos profundos, sabes que terás de andar cautelosamente, porque há muita probabilidade de caíres; ignoras, contudo, em que ponto cairás e bem pode suceder que não caias, se fores bastante prudente. Se, ao percorreres uma rua, uma telha te cair na cabeça, não creias que estava escrito, segundo vulgarmente se diz.

(Dedico este texto aos meus amigos, Dr. Felipe Lessa e Dr. Ricardo Wardil.)

2.11.17

COMO KARDEC COMEMORAVA O DIA DOS MORTOS?


Comemorado com alegria no México

Hoje se comemora o “Dia dos Mortos” (finados) e nossas televisões irão enviar suas equipes aos cemitérios para cobrir a movimentação incomum de visitação aos túmulos, compra de flores e a emoção dos que irão recordar seus entes queridos.

No passado tratava-se de uma festa pagã, seja a Lemurália, em Roma, na qual se faziam ritos de exorcismo nas casas, seja nas sociedades pré-colombianas, na região do atual México, onde se acreditava que os mortos visitariam seus parentes, então se preparavam as comidas que eles gostavam e se decorava as casas com velas, flores e incenso.

Para o espiritismo, o túmulo que guarda o corpo não é o lugar mais adequado para se encontrar a pessoa que um dia deu vida aos restos que lá se encontram. Uma vez livres das amarras que a prendiam, tendo consciência de si e liberdade interior, ela prossegue seu caminho, dando continuidade à vida que se interrompera com a última encarnação.

A morte do corpo, contudo, não lhe apaga as memórias. As pessoas a quem ela desenvolveu afetos e estabeleceu ligação espiritual continuam sendo caras. Os parentes a quem devotara parte de sua vida continuam presentes em seu pensamento e, se distantes, provocando saudades.

Basta, portanto, lembrarmo-nos dos nossos para lhes enviar uma mensagem de carinho, um sinal de que continuamos unidos por laços mais profundos. Uma prece lhes soa como um abraço apertado, um beijo na face, uma sensação de imensa satisfação.

Allan Kardec, após estudar algumas comunicações de espíritos que lhe descreveram o ambiente espiritual no dia dos mortos, instituiu uma “sessão anual comemorativa dos mortos”, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.

Alguns de seus colegas da SPEE, que já haviam realizado a grande viagem, comunicavam-se nesse dia, e seus espíritos orientadores davam comunicações instrutivas. A prática continuou após a desencarnação de Allan Kardec, e não sabemos quando se extinguiu.

Nada mais justo que recordar daqueles que nos possibilitaram o conhecimento da doutrina espírita no dia dos aparentemente mortos, em conjunto com os que nos dedicaram sua amizade e amor.


(Um texto mais detalhado sobre o tema foi publicado na Revista Cultura Espírita no. 80, em novembro de 2015, pelo Instituto de Cultura Espírita do Brasil)

8.3.17

UMA HISTÓRIA DE AMÉLIE GABRIELLE BOUDET




Ao contrário do livro "Em nome de Kardec", fui obrigado a ler "Madame Kardec: a história que o tempo quase apagou" em migalhas. O texto de Adriano continua leve de se ler e agradável. Ele transforma a narrativa em uma espécie de seriado de suspense, no qual cada capítulo é uma história.

Conhecemos mais de Allan Kardec que de sua esposa, em função, talvez, do livro "Obras Póstumas" e pelo acesso à Revista Espírita. Obviamente a visibilidade do escritor é muito maior que a de seu editor ou revisor, o que é uma das primeiras surpresas do livro. Amélie participou ativamente de toda a obra kardequiana, revendo e relendo para o marido.

Sua história como mulher francesa no século XIX mostra que ela foi muito além do esperado pelas convenções sociais da época. Após a desencarnação de Rivail, ela se tornou (se é que já não era) administradora dos bens do casal, que não eram desprezíveis, em função de heranças recebidas das famílias.

Seu compromisso com o trabalho do marido e seu tirocínio quanto às decisões que os homens das instituições criadas para dar continuidade ao trabalho de Kardec são pacientemente recuperados por Calsone. Uma das principais fontes usadas são os escritos de Berthe Fropo, amiga de Amélia. Ela coloca no papel sua visão sobre as decisões da Sociedade Científica de Estudos Psicológicos, que, salvo engano, foi fruto de uma transformação da Sociedade para a continuação das obras de Allan Kardec.

Do ponto de vista da história, Calsone tenta mostrar, sempre que possível, a visão dos dois lados, mas não esconde sua simpatia por Berthe e Amélie. Sei por experiência própria que quando há conflito, as posições se polarizam, e mesmo quem tem razão, costuma exorbitar em algumas situações.

Calsone faz uma releitura do episódio do Processo dos Espíritas, e atribui aos interesses comerciais de Leymarie, sua associação inadvertida com o "médium" farsante, que produzia fotografias espíritas. Na medida em que se vai lendo, vê-se que Leymarie não tinha a formação necessária para entender o alcance do trabalho de Kardec. Entendendo o espiritismo mais como movimento a ser tornado público que como doutrina filosófica, sem o mínimo conhecimento das ciências, ele vai fazendo associações com Roustainguistas (Guérin), Teosofistas (Blavastsky) e outros espiritualismos, não importa seu método de desenvolvimento da teoria, nem suas contradições com o exposto por Kardec em seu trabalho. Não sei se exagero, mas Calsone parece perceber o efeito dos títulos que vão sendo concedidos a Leymarie, e de sua indiferença ante a adoção de adornos, como bandeiras cheias de imagens com significados simbólicos de Guérin. 

Tudo isso não passou despercebido aos espíritas com melhor formação, como Delanne e Denis, que se dispuseram à criação do órgão "Le Espiritisme" e da "União Espírita Francesa". Calsone mostra com perfeição que a criação de uma nova instituição espírita não foi bem vista pelos membros da Sociedade, muito menos a comercialização de um novo órgão de divulgação, visto como concorrente à Revue.

Na leitura do livro, entendi melhor o significado do apoio que a Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, aqui do Brasil, deu à "União Espírita Universal" (elemento pré-textual de A Gênese, traduzida em 1882), bem como dos conflitos e divisões que foram descritos por Canuto Abreu no movimento espírita do Rio de Janeiro no seu livro "Bezerra de Menezes: subsídios para a história do espiritismo no Brasil até o ano de 1895". 

Não vou falar sobre os pais e a infância de Amélie, o processo de herança, sobre as acusações de destruição de documentos, nem sobre a sucessão de Leymarie e os processos judiciários que afetaram o movimento espírita profundamente. Isso fica para o leitor interessado, já que não quero ser acusado de fazer "spoiler"...

Livro: Madame Kardec: a história que o tempo quase apagou
Autor: Adriano Calsone
Editora: Vivaluz
282 páginas

12.6.16

O QUE É PSICÓFORO?





Jáder Sampaio

Um passeio por alguns textos do famoso pesquisador, Ian Stevenson, que estudou casos de recordações de eventos de outras encarnações em crianças, e recordei-me de uma frase do Sr. Virgílio Almeida. “Se os espíritas negligenciarem a divulgação das ideias espíritas, a ciência as redescobrirá”.
No livro “Where reincarnation and biology intersect” (Onde a reencarnação e a biologia se cruzam), publicado em 1997, o autor discute como uma personalidade desencarnada poderia influenciar a formação do próximo corpo físico. Ele havia encontrado em suas pesquisas, marcas de nascença, como manchas, cicatrizes e más formações, com clara associação a eventos recordados pelas crianças estudadas de uma vida passada. Ele percebe que no intervalo entre encarnações, se a hipótese da reencarnação estiver correta, as memórias precisam ser mantidas em algum lugar, e que este lugar deveria influenciar de alguma forma, ou o processo de fertilização do zigoto (p. 183), ou os embriões. Ele propõe diversas possibilidades para que as duas coisas aconteçam:

1.       modificar as secreções vaginais da futura mãe
2.       Influenciar de alguma forma a mãe para induzir o sexo do futuro bebê
3.       Influenciar o feto ou embrião diretamente, gerando, por exemplo, marcas ou defeitos de nascença

Qualquer que seja o processo, seria necessário um tipo de modelo que imprima os efeitos das memórias no embrião ou feto, gerando as características físicas que ele encontrou nas crianças que se recordam das vidas passadas. A partir deste raciocínio, ele propôs um conceito:

“O modelo precisa ter um veículo que carregue as memórias do corpo físico e também as cognitivas e as comportamentais. Eu sugeri a palavra psicóforo, que significa “veículo da mente”. (p. 183)

Creio que li em outro livro o termo psicosfera, como tradução de “psychophore”, mas não me pareceu correto. O pospositivo –sfera, quer dizer globo, esfera, bola. O Houaiss dicionarizou o pospositivo –fora ou -foro, com o sentido de “levar, carregar”, como deseja Stevenson. A melhor tradução para o português, portanto, é psicóforo.
O que originou este comentário é a similitude com uma das propriedades da palavra “períspirito”, criada por Allan Kardec e inicialmente empregada em “O livro dos espíritos”. Kardec não o emprega como modelo da formação do corpo, mas como laço de união entre o corpo e o espírito, contudo ele seria capaz de influenciar o corpo, como se lê em A Gênese:

Pela identidade da sua natureza, esse fluido, condensado no perispírito, pode fornecer princípios reparadores ao corpo; o Espírito, encarnado ou desencarnado, é o agente propulsor que infiltra num corpo deteriorado uma parte da substância do seu envoltório fluídico. (Kardec, A Gênese, cap XIV, páragrafo 31)

Depois, na literatura espírita brasileira, encontramos Gabriel Delanne, no livro “A reencarnação”, após citar um parágrafo sobre embriogênese, escrito por Claude Bernard:

“Uma vez que o períspirito organiza a matéria, e como esta ressuscita das formas desaparecidas, parece lógico concluir que ele conserva traços deste pretérito, porque a hereditariedade, como veremos, é impotente para fazer-nos compreender o que se passa.” (p. 64)

Não sei se Stevenson conhece a fundo o pensamento espírita, mas parece que Seu Virgílio está com a razão. Para os espíritas, ele redescobriu a roda ao criar esta nova palavra. De qualquer forma, é importante que o estudioso do espiritismo acompanhe as pesquisas sobre os assuntos que dizem respeito à doutrina, já que contribuem ao trazer novas evidências e discussões para questões centenárias.

Referências

Delanne, Gabriel. A reencarnação. Rio de Janeiro, FEB, 1992. Traduzido por Carlos Imbassahy.
Kardec, Allan. A gênese, os milagres e as predições segundo o espiritismo. 16 ed. Rio de Janeiro, FEB, 1973. Tradução da 5 ed. francesa por Guillon Ribeiro.
Stevenson, Ian. Where reincarnation and biology intersect. Westport-CT, Praeger, 1997. ISBN 0-275-95189-8


5.4.16

UM POUCO MAIS SOBRE MEDIANIMIDADE



O Livro dos Médiuns - Edição francesa de 1950


Na última matéria fizemos uma série de considerações sobre a palavra medianimidade e medianímico, usadas por Allan Kardec em "O Livro dos Médiuns". No texto fizemos algumas questões sobre a tradução para o português. 

Aproveitamos para tirar as dúvidas com Evandro Noleto Bezerra, que fez um conjunto de traduções das obras de Kardec, inserindo notas sobre as mudanças que os livros sofreram ao longo das edições. Um trabalho de fôlego, que precisava ser feito há muito tempo.

Ele acolheu o Espiritismo Comentado com muita gentileza e autorizou que divulgasse a resposta. 

EC: Vi que Kardec publicou em O Livro dos Médiuns o capítulo "Da medianimidade nos animais" a partir da segunda edição. Por que você preferiu manter o título traduzido por Guillon Ribeiro e outros, se Kardec em seu vocabulário afirma que as palavras não são exatamente sinônimas?

ENB: "É possível que tanto eu quanto o Guillon tenhamos escolhido o termo mediunidade para evitar o neologismo "medianimidade", até hoje sem sentido para nós. O que posso fazer, na próxima edição de minha tradução, é aditar uma nota de rodapé na página do Livro dos Médiuns que contém essa palavra, explicando a razão da nossa escolha ao traduzi-la por mediunidade, e não medianimidade. Aproveito para dizer-lhe que, decorridos mais de 150 anos, você não encontra tal verbete, nem nos dicionários de francês, nem nos de português."

O Espiritismo Comentado agradece ao Evandro a atenção.

2.4.16

O QUE É MEDIANÍMICO?




Estamos estudando o livro “O transe e mediunidade” de Lamartine Palhano Jr em um subgrupo da Liga de Pesquisadores do Espiritismo - LIHPE.

Uma palavra que chamou a atenção desde a introdução é medianímico (adjetivo), cujo substantivo é medianimidade (tradução de Evandro Noleto Bezerra), empregado como quase sinônimo de mediunidade. Esta palavra se encontra no dicionário Laudelino Freire, definida da seguinte forma:

“Medianimidade. s.f. Lat medius + animus + dade. Estado ou propriedade de medianímico”

E por medianímico ele define da seguinte forma: adj. Medius + animus + ico. Espir. 1. Que tem a qualidade ou a faculdade de médium. 2. Relativo a médium."

Kardec define medianimidade como “faculdade dos médiuns. Sinônimo de mediunidade. Estas duas palavras são, com frequência, empregadas indiferentemente. Caso se queira fazer uma distinção, poder-se-á dizer que mediunidade tem um sentido mais geral e medianimidade um sentido mais restrito. Ele possui o dom da medianimidade. – A medianimidade mecânica” (transcrito de O Livro dos Médiuns, ebook,  tradução de Evandro Noleto Bezerra).

Pelo que se pode entender, já se usava no francês a palavra medianimidade, senão Kardec teria informado que ele havia criado a palavra, assim como o fez em outras situações. Nesta definição, ele parece querer usar com um sentido mais preciso, pouco distinto de mediunidade, mas este texto é muito resumido para se ter clareza sobre o sentido das duas palavras usado por Kardec.

Resolvi, então, pesquisar nos originais franceses onde Kardec usa “medianimidade”. Logo encontrei um problema, já conhecido pelo editor de Palhano.

Na primeira edição há um erro na palavra “medianimique” e ela sai como “mediaminique”, erro que Kardec corrigirá nas outras edições. (No site do IPEAK há a segunda, a sexta e a décima primeira no original francês).

Na segunda edição,  a palavra medianimidade aparece no capítulo XXII, “Da Medianimidade dos Animais” (por que Noleto não traduziu o título assim?) e fica apenas neste capítulo (curiosidade: Kardec não publicou este capítulo na primeira edição de O Livro dos Médiuns).

Procurei, então a palavra medianímico (fr. medianimique) que aparece na introdução e ao longo do livro (a faculdade medianímica), no capítulo II, IV (poder medianímico), no capítulo V (influência medianímica, aparelho eletromedianímico e fatos medianímicos, no capítulo XVIII (via medianímica),  no capítulo XX (aparelhos medianímicos) da segunda edição do original francês. Observei que Kardec não usa o adjetivo mediumnique, e observei que os tradutores da FEB (Guillon Ribeiro e Evandro Noleto) traduziram a palavra medianimique por mediúnico. Evandro Noleto, contudo manteve a palavra medianímico ao traduzir o vocabulário com o texto da primeira edição (e apenas aí, curioso, não?), mas ao longo do texto foi traduzindo por mediúnico toda palavra medianimique que encontrou.

A que conclusões cheguei até o  momento? Kardec empregou as duas palavras mediunidade (fr. médiumnité) e medianimidade (fr. médianimité) praticamente como sinônimas. Não consegui identificar a leve diferença de sentido que ele explicita no vocabulário, em seu texto. Outro ponto importante, que para as duas palavras ele usou na segunda edição do francês o adjetivo “medianimique”, que foi traduzido por mediúnico pelos tradutores da FEB, ou seja, não deveria haver em português a palavra medianímico, que foi empregada diversas vezes por André Luiz no livro Nos Domínios da Mediunidade, senão como sinônimo de mediúnico.

De volta ao Palhano, no capítulo III ele define a palavra medianímico da seguinte forma: “Do latim medius – i = medianeiro, intermediário; do francês âme = alma)” e reproduz a definição do vocabulário. Vê-se que ele discorda de Laudelino Freire, que entende que a palavra não é híbrida, mas totalmente originária do latim, contudo, isto é uma questão menor. A questão maior é o sentido que ele imputa a Kardec e que não dá para encontrar na obra dele. Em síntese, ele diz que Kardec agregou em uma mesma expressão “os fenômenos anímicos  associados aos mediúnicos”. A palavra animismo não foi empregada por Kardec como é utilizada hoje pelos espíritas brasileiros. Afirmar que ele já empregava que a influência do médium pode ser chamada de animismo, por adjetivar médianimité e médiumnité, com a palavra medianimique, é um equívoco, como tento mostrar acima, e como entende também Laudelino Freire em seu dicionário tão abrangente.


Não se deve contudo, levar a crítica além das palavras e seus sentidos. Sabemos que os fenômenos mediúnicos, mesmo os mecânicos, sempre têm uma dose de animismo (ou seja, de intervenção do próprio médium), que é a ideia principal que Palhano defende em seu capítulo III. 

27.11.15

ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA CULTURA ESPÍRITA


A revista Cultura Espírita, do Instituto de Cultura Espírita do Brasil (ICEB) publicou um trabalho nosso neste mês de novembro de 2015 - intitulado: "Recordando o dia dos mortos na época de Kardec". Agradeço à Dra. Nadja do Couto Valle, a editora, o convite e a confiança.

Trata-se de um relato breve sobre a comemoração do dia dos mortos pelas tradições pagãs, pela tradição cristã católica e pela Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, ainda à época em que Kardec a dirigia.

Allan Kardec criou uma "sessão anual comemorativa dos mortos" na SPEE em função de algumas comunicações obtidas em 1860 e 1862. 

Conheçam um pouco mais sobre a revista e o Instituto em http://www.portaliceb.org.br/wordpress/



24.11.15

UM OLHAR CENTENÁRIO SOBRE ALLAN KARDEC, GABRIELLE BOUDET E SEU TRABALHO


Esperava receber este livro com muita curiosidade. Jean Prieur é um espírita francês, centenário, nascido em Lille, na França, ocupada pelos alemães. Quando Jean nasceu, o trio Flammarion, Delanne e Denis ainda estava encarnado e publicando livros importantes.

Prieur viveu duas guerras mundiais. Como francês, foi literalmente testemunha da história, acompanhou as grandes transformações que sofreu o mundo nestes agitados últimos cem anos.

Seu texto é delicioso de ler. Ele escreve lendo e comentando, fazendo pequenas paradas e viajando no tempo, fazendo Kardec e o espiritismo conversarem com o mundo que vivemos. O autor não viveu em uma redoma de vidro. Ele dá notícia das principais transformações do mundo, às vezes com uma pitada de ironia, outras com uma lucidez profunda.

Sua relação com Kardec é curiosíssima. O codificador (termo que ele defende) parece ser seu colega de letras, seu companheiro, com quem ele não se importa de conversar, divergir às vezes, admirar. Às vezes fiquei frustrado pela própria forma do texto, porque Jean descreve passagens desconhecidas, sem se preocupar em citar as fontes.

Uma análise bem contemporânea, e um tanto francesa, é o olhar que ele lança sobre Espiritismo e Feminismo. Ele é um admirador do casal Rivail, de sua forma companheira de viver. No seu texto, Amélie Boudet tem um papel de frente na elaboração do espiritismo. Ela secretaria Kardec, revê seus textos, discute com ele. É uma Gabi que justifica seu papel protagonista após a desencarnação do companheiro. O Espiritismo Kardequiano é um precursor do feminismo moderno, e sua concepção de mulher na sociedade é de vanguarda. A concepção de ser humano que reencarna  alternando gêneros, é tão revolucionária quanto a de pessoas que alternam classes sociais, que podem nascer em contextos muito diferentes do que ora participam.

Uma parte genial do livro é um suposto diálogo feito entre Don Pantaleão, bispo de Barcelona, Allan Kardec e Jean Prieur. Recomendo.

Se você se interessou pelo livro, prepare-se para viajar no tempo e na história. Recolha-se em um cantinho onde possa fazer a leitura sem ser perturbado, para que sua mente possa ir recriando os cenários e situações que o autor resolveu compartilhar conosco. Para aproveitar o livro, faça uma "suspensão de juízo" e beba aos poucos a taça que Jean nos oferece. Deixe a análise e a crítica para depois da degustação.


Ainda não concluí a leitura, mas não me contive de compartilhar minhas primeiras impressões com o leitor do Espiritismo Comentado. Não sei como o Alexandre Rocha conseguiu este texto tão oportuno, e agradeço a ele a leitura heroica, feita em parte dentro das paredes de um hospital, sob cuidados médicos. 

Allan Kardec e sua época
Jean Prieur
Tradução: Irène Gootjes
Revisão: Alexandre Caroli Rocha
366 páginas
Instituto Lachâtre
1a. Edição Brasileira - Setembro de 2015

16.10.15

ANIMAÇÃO DE "O TRAPEIRO DA RUA NOYERS"



Chrystiann Lavarini nos indicou uma animação feita por Luis Hu Rivas a partir de uma história contada por Allan Kardec em "O Livro dos Médiuns". Ela faz parte de um projeto que é a revista mensal Espiritismo Kids, que pode ser assinada por 66 reais ao ano. Ela é voltada para o público jovem, com metade das publicações dirigida ao público de 6 a 10 anos e a outra metade para crianças de 10 a 14 anos.

Mais informações sobre assinatura podem ser obtidas no blog: http://www.espiritismokids.com/

Veja mais informações sobre a revista no vídeo abaixo.







16.9.15

AMIGOS DESENCARNADOS


Marcellin Jobard (1792-1861)

No último sábado eu estava lendo uma conferência de Kardec publicada na Revista Espírita de 1864. Era o dia dos mortos, na França, e a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas iniciou uma comemoração que se repetiria nos anos seguintes: eles se reuniriam para dar “um testemunho particular de simpatia” para companheiros espíritas que já haviam desencarnado.

Kardec nomeia os ex-membros: Jobard, Sanson, Costeau, Hobach e Poudra. Ele também nomeia alguns dos espíritos que os assistiam nos trabalhos: João Evangelista, Erasto, Lamennais, Georges, François-Nicolas-Madeleine, Agostinho (considerado santo), Sonnet, Baluze, Vianney (Cura D’Ars), Jean Raynaud, Delphine de Girardin, Mesmer e os que tomam a designação de Espírito. O presidente da SPEE destaca Luiz (considerado santo), por “tomar a sociedade sobre seu patrocínio” e lhe faz uma menção especial no discurso.

Depois da palestra, sobreveio a parte mediúnica. Não há como não se emocionar com as mensagens de alguns dos homenageados, como Sanson, que comenta que Kardec era conhecido como pessoa que não elogiava ninguém, e diz-se sentir-se orgulhoso por ter sido lembrado. Hobach dirige-se ao amigo Canu, afirmando ser ele mesmo, frase que sugere alguma conversa que tiveram enquanto Hobach estava encarnado. Costeau dirige-se à esposa, ainda encarnada, e após agradecer as preces diz-lhe “Vamos, cara amiga, consola-te! ... Consola-te porque és mais feliz que muitas outras: tens irmãos que te amam, que são felizes por ver-te entre eles”.

Deixei a leitura do texto pela metade, porque era dia de nossa reunião mediúnica e o horário urgia. Esqueci-me do texto, preocupado com as ocupações da noite, e a reunião transcorreu normalmente.


Ada Eda em 2004

Quase ao final da reunião, um dos médiuns emocionou-se bastante. Ele dialogava mentalmente com nossa Ada Eda, dirigente do grupo que desencarnou há algum tempo, mas vez por outra é percebida por alguém em nossa casa. Ela desejava conversar com todos, com seu jeito italiano, emocional, que a tornou tão querida pelos membros do grupo. O médium sabia que não seria possível uma comunicação no “apagar das luzes” e pediu que ela passasse uma mensagem curta para cada um, uma palavra, que ele pudesse memorizar para externar após o término da reunião.

Eda foi qualificando cada um dos membros: estudioso, cuidador, trabalhador, singelo, alegre... Estavam presentes mais de dez, e ela teve um adjetivo para cada um, muito pertinente com as respectivas personalidades e vidas. O médium descreveu as reações dela ante cada um dos membros. Todos nos emocionamos, então, lembrei-me da leitura da tarde e contei a todos.


Momentos como este são raros no dia a dia de um grupo mediúnico. Sei que os que nunca participaram de uma reunião talvez se sintam desapontados por não eu não estar relatando fenômenos indubitáveis, ou acontecimentos que abalem as crenças da alma mais cética. Aqueles, contudo, que frequentam uma reunião mediúnica, talvez entendam o significado do evento que uniu a distante reunião francesa de 1864 ao pequeno grupo brasileiro em 2015.