6.2.20

CARIDADE NÃO É ESMOLA





Vídeo da União Espírita Mineira, inspirado na SAPSE, distingue caridade de esmola. 

Kardec distingue a caridade material da moral, em O Evangelho Segundo o Espiritismo. Em "O Livro dos Espíritos", sem reprovar a esmola, publica a seguinte orientação espiritual:

O homem condenado a pedir esmola se degrada física e moralmente: embrutece-se. Uma sociedade que se baseia na lei de Deus e na justiça deve prover à vida do fraco, sem que haja para ele humilhação. Deve assegurar a existência dos que não podem trabalhar, sem lhes deixar a vida à mercê do acaso e da boa-vontade de alguns. (LE, questão 888)

Há uma imensa diferença entre esmola e inclusão social. A inclusão é um esforço para que pessoas e grupos que ficariam à margem da sociedade, possam fazer parte dela. Não apenas ajudar a cuidar, alimentar ou vestir, mas também ajudar a estudar, obter trabalho e ser membro da sociedade.

Ser membro da sociedade é conhecer seus códigos e costumes, partilhar seus valores dentro da esfera da diversidade, ter acesso aos direitos e compromisso com os deveres de cidadão. Um morador de rua alimentado, continua à parte da sociedade. O pão que lhe damos ainda é uma forma de esmola.

Como ajudar as pessoas que desejam a serem autossuficientes? Este ainda é um desafio para a comunidade espírita em geral.


4.2.20

SENSAÇÕES DE ESPÍRITOS COMUNICANTES




Reunimo-nos em Contagem - MG para o seminário "Conversando com os espíritos". Após a parte de diálogo, foram feitas perguntas sobre o tema e nem todas puderam ser respondidas. Hoje publicaremos a resposta de duas das questões.

1. O que fazer em uma reunião na qual se manifesta um espírito que se considera morador de rua, queixa-se de frio e pede ajuda?

O que entendemos com base nas explicações de Allan Kardec é que a sensação de frio e outras sensações orgânicas são recordações de experiências vividas pelos espíritos quando encarnados. A sensação em si não é problema para o espírito comunicante. A questão que nos preocupa é um espírito desencarnado não ser capaz de entender sua condição, o que sugere uma perturbação espiritual. O papel do atendente é inspirar confiança e conversar para que o comunicante possa entender o que aconteceu consigo e ser capaz de perceber o mundo espiritual e sua condição imediata de espírito comunicante.

Muitos atendentes creem que seu papel é diminuir o desconforto do comunicante, e atuam fazendo sugestões, preocupados com a sensação de frio. Isso pode tranquiliza-lo momentaneamente, mas não é a contribuição mais relevante que o atendente pode dar.

Fazendo uma comparação, é como se déssemos um medicamento antitérmico (dipirona, paracetamol...) para uma pessoa que se queixa de febre, mas que é portadora de uma doença infecciosa. O remédio diminuirá momentaneamente o sintoma, e pode mascarar para o paciente a necessidade de tratar sua doença.

2. Considerando que os espíritos mantêm sensações orgânicas, é legítimo que os mesmos recebam tratamentos (até mesmo alimento ou água) para suas necessidades apresentadas?

Da mesma forma que a pergunta anterior, as sensações orgânicas como fome e sede não são o objeto central do atendimento espiritual. Cabe ao atendente escutar o espírito para que ele seja capaz de contar sua história pessoal e como chegou à condição em que se encontra. Na medida em que ele reflete o que aconteceu com ele, consequentemente a influência das memórias de sensações orgânicas passa para um segundo plano, tornam-se menos urgentes.

É necessário cuidado com o entendimento de que o papel do atendente é apenas tratar das necessidades imediatas que os espíritos apresentam via médium, mesmo porque, não sabemos se realmente somos capazes de “oferecer água” a quem relata uma sensação de sede. É apenas uma sugestão, no sentido próximo ao da hipnose.


Agradecimentos: a Lourenço e Waldemar K. Duarte pela troca de ideias.

30.1.20

CAMPANHA PARA OS DESABRIGADOS DA CHUVA




A Associação Médico-Espírita de Minas Gerais tem se notabilizado por dois belos trabalhos de cunho social: o apoio aos moradores de rua e a participação direta nos projetos do Fraternidade sem Fronteiras.

Considerando a situação de extrema vulnerabilidade que atingiu a milhares de pessoas na região metropolitana de Belo Horizonte, em função do período de chuvas, a mesma instituição está se mobilizando para auxílio dos desabrigados.

O maior valor que a AMEMG pode agregar às iniciativas do estado e da defesa civil, é o caráter e a competência dos que dela participam. Os doadores podem ter certeza que seu ato de desprendimento, seja qual for, irá atingir pessoas necessitadas.

Por este motivo, agradeço a compreensão dos leitores do Espiritismo Comentado, que abriu excepcionalmente o seu espaço para apoiar essa instituição específica. Oferecemos outros espaços, como o instagram e o facebook para outras instituições espíritas interessadas na mesma finalidade. 

Que possamos nos servir dos serviços já organizados para auxiliar quem precisa, evitando dispersar esforços.

23.1.20

DEVEMOS REGULAR O USO E A PUBLICIDADE DE BEBIDAS ALCOÓLICAS NO BRASIL?


Fernando Báez e seus pais. O jovem foi assassinado por jogadores alcoolizados na Argentina.


O jornal argentino  “Clarín” publicou hoje um artigo na coluna assinada por Pablo Vaca (https://www.clarin.com/opinion/miopia-tomar-bien-visto_0_ikTYCRsH.html), sobre o uso de bebidas alcoólicas. No dia 18 de janeiro, o jovem Fernando Báez Sosa, de 19 anos, foi vítima de espancamento por jogadores de rugby, alcoolizados, ao sair de um estabelecimento de um balneário, e veio a óbito por traumatismo crânio-encefálico. Onze jogadores estão detidos. Eles o cercaram e golpearam até depois dele estar inconsciente, no chão.

Pablo Vaca informa em sua coluna que os jogadores estavam bêbados. E abre o debate sobre a relação que os argentinos têm com o álcool.

Pablo afirma que a cultura do país incentiva beber. “Basta que alguém diga que não bebe para ser visto como um doente terminal”. É visto como “legal para os homens e feminino para as mulheres”. Um sinal de idade adulta, mas que começa antes dela.

O jornalista levantou diversas informações para a questão do álcool na Argentina, que transcrevo abaixo:

- O chefe de toxicologia do Hospital Fernández, Carlos Damin, recomenda a regulação da publicidade das bebidas alcoólicas.

- Nos Estados Unidos é proibida a venda de bebidas alcoólicas a menores de 21 anos (e não de 18, como na Argentina e no Brasil, agravada a nossa situação com o desrespeito habitual à lei pelos mais diversos pontos de venda, que não pedem identificação de menores).

- Na Austrália, os garçons fazem cursos para servir bebidas e são instruídos a não servir pessoas bêbadas, sendo passíveis de ser multados.

- Na Finlândia, o álcool custa 82% a mais que nos outros países europeus, e seu uso vem baixando.

- Na Rússia, proibiu-se a propaganda de bebidas alcoólicas.

Pablo se queixa do silêncio das autoridades argentinas acerca do acontecido.

Esse tipo de situação já aconteceu no Brasil, e vimos como houve a diminuição da violência nos estádios de futebol com a proibição da venda de álcool, lei que foi desrespeitada por ninguém menos que a FIFA, durante a Copa do Mundo. Os interesses econômicos falaram mais alto.

Nossos hospitais psiquiátricos mantém alas exclusivas para os dependentes de álcool e drogas (lícitas e ilícitas). São casos que envolvem às vezes o sofrimento dos familiares, atingidos não só pelos momentos de perturbação em que seus afetos estão alcoolizados, mas muitas vezes, pela violência, pela erosão da capacidade produtiva e do comprometimento dos vínculos afetivos com os cônjuges e filhos.

Diversos eventos trágicos envolvendo o abuso de álcool (espancamentos e outros atos de violência, ofensas raciais e religiosas, por exemplo) são tratados pela imprensa sem o devido esclarecimento do que teve por fator a alteração da consciência, exceção feita aos acidentes de trânsito envolvendo veículos, mercê das nossas leis de “tolerância zero”, relativamente recentes. Há uma banalização e aceitação das pessoas alcoolizadas em público em nosso país, o que não é permitido em alguns estados norte-americanos.

Por que um blog sobre espiritismo trata desse assunto? Desde há muito os espíritos nos falam dos problemas decorrentes do alcoolismo, e, aos poucos, o tema tem sido deixado de lado, como se fosse apenas uma herança católica da nossa sociedade, uma implicância que deveria ser abandonada com a a mudança de hábitos da contemporaneidade. 

Aos poucos, os jovens espíritas param de falar do assunto, em função do uso associado à pertença a seus grupos fora da comunidade espírita, que dão festas com livre acesso ao álcool ainda no ensino médio, por exemplo.  Algumas casas espíritas aceitam o comércio de fermentados e até de destilados em seus eventos de finalidade filantrópica ou de obtenção de recursos com fins de manutenção institucional, passando uma mensagem contraditória aos frequentadores e trabalhadores.

Penso que o editorial do jornal argentino, em tempos de Mercosul, devia ser levado a sério em nosso país também. Não esperemos um acontecimento trágico em nosso país para começar esse debate que não deve ser mais ignorado.

18.1.20

O QUE FOI CONSIDERADO DIFÍCIL EM O LIVRO DOS MÉDIUNS?


Allan Kardec

Na última publicação do Espiritismo Comentado, analisamos uma pesquisa realizada com participantes de reuniões mediúnicas em sociedades espíritas. Outra questão que foi levantada aos participantes: “Que assunto você considera mais difícil a compreensão?”

Cerca de 9% dos respondentes disseram que não têm dificuldade na leitura de O Livro dos Médiuns por causa, principalmente, da participação em grupos de estudo e dedicação.

Cerca de 12% disseram que todos os temas do livro são difíceis, devido à sua complexidade e por serem iniciantes.

Dos 264 participantes da pesquisa, 249 respondentes identificaram alguma parte de O Livro dos Médiuns que consideram difícil.

Vou apresentar em ordem decrescente de indicações de dificuldade:

O capítulo “Dos Médiuns” foi considerado o mais difícil por cerca de 16% dos participantes da pesquisa. Os respondentes disseram achar difícil identificar e classificar os médiuns. Allan Kardec estabeleceu diversos critérios de classificação, o que significa que um médium pode corresponder a diversas das categorias apresentadas. Outro problema que podemos levantar, é a adoção de nomes criados  pelo movimento espírita, diferentes dos adotados por Kardec, com o passar do tempo, em função das influências de autores não espíritas. Médium de desdobramento, por exemplo, é uma classificação que Kardec não utilizou, mas que é amplamente empregada no meio espírita brasileiro. Kardec utilizou para esse fenômeno médium sonambúlico, quando atua como médium de um Espírito estranho, e sonâmbulo, um fenômeno de emancipação da alma, no qual a pessoa tem percepções da realidade sem o uso dos cinco sentidos.

O segundo assunto mais difícil foi “O papel dos médiuns nas comunicações espíritas”. Os respondentes que identificaram motivos, referiram-se principalmente à questão do animismo, que também é um termo não empregado por Allan Kardec om o sentido contemporâneo. Alguns levantaram a questão da distinção entre animismo e mistificação. O próximo assunto menos compreendido foi o capítulo “Das contradições e mistificações”.

O capítulo “Dos sistemas”, que trata das explicações possíveis a fenômenos mediúnicos e similares, é o próximo em grau de dificuldade e foi considerado complexo.

O capítulo “Da obsessão” o próximo a receber queixas dos participantes. Ele também foi considerado complexo.

O outro capítulo pouco entendido por cerca de 6% dos respondentes foi “Da bicorporeidade e da transfiguração”. 

Segue o assunto “Da identidade dos espíritos”. Os participantes consideraram difícil identificar mistificadores, o que talvez não seja bem uma questão de entendimento do conteúdo do capítulo, mas da prática mediúnica.

Por fim, 4% dos respondentes consideraram complexo o capítulo “Do laboratório do mundo invisível”.

Com base nos resultados, algumas ações podem ser pensadas. Alguns desses deveriam ser de conhecimento geral por parte dos espíritas, como os tipos de médiuns, a questão das mistificações, as diversas explicações possíveis para fenômenos aparentemente mediúnicos, os tipos e mecanismos das obsessões, a identificação dos espíritos e como os espíritos realizam fenômenos de efeitos físicos. Os temas em questão merecem um estudo cuidadoso e uma apresentação clara por parte dos expositores e dos participantes de grupos de estudo das casas espíritas.

Os grupos mediúnicos em atividade e as casas espíritas poderiam avaliar entre os participantes de reuniões mediúnicas que assuntos são considerados difíceis e promover leituras, estudos e eventos para torna-los mais acessíveis a todos.

14.1.20

O LIVRO DOS MÉDIUNS: ESSE DESCONHECIDO



Uma instituição espírita regional fez uma pesquisa com 264 participantes de reuniões mediúnicas, cujo tema central era “O Livro dos Médiuns”.

O subtítulo do livro é “Guia dos médiuns e dos evocadores”, e foi escrito por Allan Kardec porque muitas pessoas o procuraram após a publicação de “O Livro dos Espíritos”, perguntando sobre a parte prática, sobre o exercício da mediunidade. Kardec, então, publicou um primeiro livro chamado “Instruções práticas sobre as manifestações espíritas” (1858), cujo desenvolvimento gerou “O Livro dos Médiuns” (1861).

O Livro dos Médiuns está para a prática da mediunidade assim como as leis de Newton estão para a física. Ninguém pode dizer-se físico ou estudante de física e ignorar essa formulação do pesquisador inglês, publicada em 1687. Mesmo com todo o desenvolvimento e pesquisa investidos nessa disciplina, o conhecimento considerado básico é fundamental para que se possa ser capaz de entender seus avanços.

O resultado da pesquisa foi que 67% dos membros de reuniões mediúnicas responderam ter lido todo o livro. Quando se perguntava se o livro foi estudado em grupo, o número cai para 28%. Na terceira pergunta, ou seja, se o livro foi estudado mais de uma vez em grupo, o número cai para 7%. 

Não se trata de frequentadores de centros espíritas em geral, mas membros de reuniões mediúnicas, que, segundo Kardec, deveriam se instruir antes de procurar a prática.

Essa pesquisa merece ser ampliada. Se você participa de um grupo de prática mediúnica, levante os números. Se eles forem como os da pesquisa, está na hora de estudar “O Livro dos Médiuns”.

7.1.20

ESPIRITISMO E TOTALITARISMO: HISTÓRIA DO ESPIRITISMO NA HUNGRIA


Júlia Gyimesi, psicóloga húngara

Recentemente a psicóloga Júlia Gyimesi publicou um artigo em língua inglesa no qual faz uma síntese de seus estudos de história da psicologia e do espiritismo em seu país: a Hungria.

Pode parecer preciosismo estudar a história do espiritismo na Hungria, mas a trajetória que a autora nos apresenta tem muitas similaridades com a do espiritismo no Brasil, e põe em questão algumas afirmações que autores da antropologia francesa atribuem ao espiritismo com relação à cultura brasileira.

O espiritismo na Hungria

Gyimesi nos mostra que o espiritismo chegou à Hungria na década de 1860. Ele teve por iniciadores, o médico János Gárdos, o médico Adolph Grünhut e a baronesa Adelma Vay.

Adelma era católica, avessa ao espiritismo por questões religiosas, mas desenvolveu uma enxaqueca e procurou o Dr. Grünhut, que sugeriu que ela desenvolvesse a escrita automática. Adelma começou a psicografar o espírito Tamás, que promete deixa-la livre de sintomas. Ela desenvolve a faculdade, e Julia narra um caso em que ela diagnostica e prescreve tratamento correto para um paciente de seu médico. Rompendo com a igreja católica, que não aceita uma médium entre seus adeptos, em 1869 ela publica o livro “Espírito, Poder e Matéria”.


Adelma Vay

Grünhut irá ser um dos fundadores da Associação dos Investigadores Espíritas de Budapeste, com o seguinte objetivo:

“Pesquisar os fenômenos das revelações espirituais e examiná-las à luz das ciências éticas, históricas, psicológicas e físicas. Seu propósito é examinar a doutrina do espiritismo e provar a ressurreição pessoal da psique humana /espírito/ após a morte do corpo; seu objetivo indicado é a perfeição moral dos seres humanos”. (p. 7)

A principal influência teórica desse grupo é a obra de Allan Kardec. Júlia explica que o espiritismo húngaro acabou tendo uma grande influência religiosa e moral, mais que científica. A associação fala em “espiritismo evangélico” e considera seu objetivo primário “o autodesenvolvimento em uma fé cristã unificada, seguindo os ensinamentos do Cristo”. (p. 8)

As duas primeiras revistas da associação foram publicadas em alemão. A primeira se chamava “Reflexões sobre o mundo espiritual” (1873-1876) e a tradução da segunda parece ser “Folha da reforma” (1878-1880). O conteúdo desses periódicos era composto principalmente de comentários de passagens evangélicas, pelos espíritos dos evangelistas e de Paulo de Tarso, se entendi bem o texto.

A década de 1880 trouxe estudos experimentais com Adelma Vay, feitas pelo Barão Von Hellenbach.
Na década de 1890, a Associação publicou a primeira revista em húngaro, cuja tradução do título seria “Luz Celestial”. O jornalista responsável era Titusz Tóvölgyi, a revista foi publicada entre 1898 e 1944 e seu conteúdo era composto de mensagens mediúnicas e artigos teóricos.

Com o fim da segunda guerra mundial e a influência soviética na Hungria, os espíritas, que lutavam com diferenças internas no grupo, começaram a sofrer restrições do regime comunista e, em 1949, tiveram sua sede desapropriada pelo Ministério do Interior (ou de Assuntos Internos) húngaro.

O espiritismo entre o Brasil, a Península Ibérica, a França e a Hungria

Ao acompanhar a linha histórica entre a Hungria e o Brasil, a primeira semelhança que encontramos é a influência do pensamento de Allan Kardec nos primeiros grupos. O mesmo aconteceu na França e na Península Ibérica.

Ao contrário do que afirmam alguns autores da antropologia francesa e brasileira, a influência do cristianismo estudado pelo espiritismo, está em todos esses lugares. Como vimos na biografia de Allan Kardec, a moral cristã, independente da leitura católica ou protestante, era vista como a referência ética de todas essas sociedades. A ética cristã era estudada na França como a referência ética da formação dos cidadãos, mesmo após a revolução francesa. “O evangelho segundo o espiritismo” possivelmente influenciou todos os espíritas que estudaram os livros de Allan Kardec.
Esse texto nos traz novas luzes sobre o desenvolvimento do espiritismo na Europa. A Hungria também sofreu influência do período experimental, e possivelmente dos estudos ingleses e franceses das décadas de 1880-1890. Esta influência, contudo, se justapôs a um movimento já existente, com influência doutrinária kardequiana, o que significa um interesse pelo estudo dos evangelhos. 

Possivelmente houve algum estranhamento interno dos interesses, mas não algo que justificasse uma autofagia do movimento espírita europeu.

A outra questão que o texto nos traz é a relação do espiritismo com os regimes totalitários. Na península ibérica, a história do espiritismo começa em franco conflito com a influência da igreja na política. A queima de livros espíritas em Barcelona, sob as ordens de um bispo, é apenas um dos incidentes do movimento com o governo espanhol. A desapropriação de imóveis aconteceu em Portugal e na Espanha, e agora vemos o regime comunista húngaro proceder da mesma forma. Externas ao movimento espírita, surgiram pressões de governos, especialmente no campo ideológico.

O pensamento espírita, ao não se alinhar com o fascismo nem com o comunismo, em regimes de exceção, tornou-se um incômodo relativamente fácil de ser eliminado. Toma-se o patrimônio e, no caso Ibérico, proíbem-se as reuniões. Júlia Gyimesi não se aprofunda nas relações entre o governo e os espírita húngaros, mas seria bem útil à compreensão da história do movimento espírita europeu.
No caso francês, temos três eventos importantes. O ruidoso caso do “processo dos espíritas”, que foi além da punição de um suposto médium que possivelmente produzia fraudes, a rejeição sumária do meio acadêmico ao pensamento e evidências espíritas, e, por fim falta ainda entender melhor o papel da ocupação nazista durante a segunda guerra mundial no movimento espírita. Houve retirada de documentos, como dizem de oitiva os amigos de Canuto Abreu? 

Quanto às semelhanças, temos o catolicismo em todos esses países, o que deve ter facilitado a aceitação de trabalhos como “O evangelho segundo o espiritismo” e a consequente valorização do estudo dos textos evangélicos. Temos também um periódico húngaro com a ideia de reforma, em seu título, assim como o Reformador, da Federação Espírita Brasileira, não sei se com o mesmo intuito (o das reformas do homem e da sociedade?).

O aspecto religioso e cristão do espiritismo não é uma invenção brasileira. O espiritismo nasceu cristão na obra kardequiana, e se não se manteve assim na Europa, além dos conflitos internos do movimento espírita, há um fator ligado à política europeia e aos conflitos ideológicos que ainda não se encontra devidamente esclarecido.

Fonte Bibliogáfica

GYIMESI, Júlia. Between religion and science: spiritualism, science and early psychology in Hungary. International psychology, practice and research. 2014, v. 5, p. 1-23.


31.12.19

REENCARNAÇÃO NA FRANÇA ANTES DE KARDEC

Lynn L. Sharp

Concluí a leitura de “Secular Spirituality: reincarnation and spiritism in nineteenth-century France” de Lynn L. Sharp há alguns meses. O livro foi publicado pela Lexington Books e trata da história do espiritismo na França no século 19. 

Pelo que encontrei na internet, a autora é professora associada do Whitman College, com formação em história nas universidades do Colorado e pós-graduação (mestrado e doutorado) na Universidade da Califórnia. Ela é laureada com o prêmio Robert Y. Fluno de ensino em ciências sociais. 



Ao contrário das outras histórias do espiritismo, Sharp começa com os reformadores sociais franceses. Alguns deles tinham uma ideia comum com o futuro espiritismo de Allan Kardec: a reencarnação. Alguns nomes pouco estudados no Brasil pelos espíritas surgem, como Jean Reynaud, o socialista Saint-Simon, o filósofo Pierre Leroux, Charles Fourier (que propunha a reencarnação interplanetária) e Pierre–Simon Ballanche. A autora explica a reencarnação em alguns dos socialistas utópicos como um caminho para “explicar a tensão entre indivíduo e sociedade”, e promover mudanças. 

Ainda com essa visão social da história das ideias espiritualistas na França, Lynn Sharp trata dos sonâmbulos mesmerizados e das ideias mediúnicas de Swedenborg como uma forma de reconciliação entre os interesses individuais e sociais.

Outra influência incomum em nossos autores de história é o que Sharp denomina como o “renascimento oriental” que aconteceu na Europa no final do século 18 e ao longo do século 19, e destaca a publicação do Bhagavad Gita e do Ramayana. A Índia e a Pérsia foram vistas por Leroux e Reynaud como fontes de verdades antigas, e o leste em geral como “fonte das ideias religiosas”.

Reynaud trata da crença na reencarnação entre os Druidas. Não sei se entendi direito, mas Sharp o critica por supervalorizar a cultura gaulesa. 

“... as verdades nucleares de suas idéias filosóficas, e de todas as religiões, podiam ser encontradas nos primeiros franceses, os gauleses, como expressão de sua intelligentsia, os druidas.”

Lynn Sharp segue mostrando que muitas pessoas foram influenciadas por Reynaud e passaram a incorporar seus dados sobre os celtas.

Ela considera que os espíritas incorporariam muito tarde, em torno da década de 1920, trabalhos promovendo a conexão entre “druidas e a metempsicose”. Deve estar referindo-se a dois livros importantes, “O gênio céltico e o mundo invisível” e “A reencarnação”. O primeiro de Denis e o segundo de Delanne. 

Estranha que ela não citasse Allan Kardec, que em abril de 1858 publicou um artigo sobre o espiritismo entre os druidas. Nele, o fundador do espiritismo já apontava a questão da reencarnação:

“Se, pois, nos reportarmos aos preceitos contidos no Livro dos Espíritos, onde encontraremos formulado todo o seu ensino, ficaremos admirados ante a identidade de alguns princípios fundamentais com os da doutrina druídica, dentre os quais um dos mais notáveis é, incontestavelmente, o da reencarnação.”

O livro “Terre et Ciel” de Reynaud, foi publicado em 1854, muito próximo de O Livro dos Espíritos (1857). Kardec publicou um artigo em sua homenagem na Revue Spirite, em agosto de 1863, considerando-o um precursor do espiritismo. Ele publicou uma comunicação de Santo Agostinho que entende que os livros de Reynaud possibilitariam aos seus leitores uma conexão entre as ideias do filósofo e o espiritismo.

A proposta de Sharp nesse primeiro capítulo de seu livro é mostrar que há uma “rede de linhas de pensamento que se entrelaçam” com relação à reencarnação na França do século 19. A autora a remonta aos socialistas românticos. Como historiadora, a autora faz uma história do espiritismo analítica, articulada à política e às questões de gênero. Ela leu muitos autores, inclusive periódicos espíritas de duração breve na França do século 19. Aos espíritas brasileiros contemporâneos que ela não parece conhecer bem, vale a pena estudar seu livro.


28.12.19

EC NO INSTAGRAM




O Espiritismo Comentado agora está no Instagram. Saiba de primeira mão as atualizações do blog pelo "Insta" em @espiritismocomentado.

Agradecemos a criação de Júlia Jacomini Sampaio para o projeto!

26.12.19

QUE TEMAS PODEM SER DESENVOLVIDOS PARA O 16º ENLIHPE?


Seguem abaixo algumas sugestões de assuntos gerais ligados ao tema central que poderiam ser desenvolvidos por interessados no 16º Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo - ENLIHPE.

1. Estudos de caso: casos de transtornos mentais tratados em reuniões espíritas (diagnóstico detalhado, terapêutica médica e espiritual detalhada, avaliação de desfecho do caso, estudos de follow-up, conclusões consistentes com os dados obtidos).
2. Estudos históricos ou de análise sobre o livro "A loucura sob novo prisma", de Bezerra de Menezes.
3. Análises de conceitos psicopatológicos empregados em literatura espirita de origem mediúnica.
4. Estudos descritivos de tratamento espiritual em instituições espíritas de saúde, como hospitais espíritas.
5. Estudos de casos múltiplos (de design experimental ou observacional) de pacientes com determinados transtornos mentais submetidos a passe (diagnóstico detalhado, terapêutica médica e espiritual detalhada, avaliação de desfecho do caso, estudos de follow-up, conclusões consistentes com os dados obtidos)
6. Relatos de casos de emprego de informações mediúnicas no diagnóstico de pacientes portadores de psicopatologias
7. Psicopatologia e obsessão
8. Estudos históricos sobre o tratamento destinado a pacientes portadores de transtornos mentais por instituições espíritas
9. Análise de livros da literatura espírita que trazem relatos e informações sobre psicopatologia
10. Revisões de literatura de artigos técnicos que distinguem transtornos mentais de experiências espirituais.

Saiba mais sobre o formato dos trabalhos do 16º Enlihpe em http://www.lihpe.net/wp2/?page_id=329

12.12.19

O NATAL DE 2019



Vem chegando o Natal e a cidade muda seu ritmo. Trânsito ativo, vai e vem de pessoas e, na nossa cidade, dezembro traz consigo suas chuvas, que não  impedem ninguém de ir às ruas comprar coisas para a ceia e a troca de presentes.

Nossa casa espírita se prepara para celebrar o natal, à moda antiga. Preparamos cestas de alimentos para presentear pessoas pobres. É assistencialismo, mas é festa ao mesmo tempo. As muitas reuniões públicas, de estudo, mediúnicas, se cotizam para adquirir os gêneros que compõem a “cesta de natal”, também chamada, pelos que nos antecederam na tarefa, de farnel.

Nas muitas festas de confraternização, em que nos encontramos, a jovem lamentava:

- Esse ano vou ao Canadá. Pela primeira vez não poderei participar da confecção das cestas de natal! Ela sabia que perderia aqueles momentos de alacridade e companheirismo.

A quebra da rotina marca o nosso natal sem neve, mas com a presença dos símbolos da cultura europeia que nos alimentou. Por todos os lados se vê um Papai Noel, uma árvore de natal, os enfeites, uma rena voadora ou qualquer um dos simpáticos ícones que têm mais a ver com o antigo culto dos deuses que com a história de Jesus.

Na mediúnica de sábado, estamos estudando o livro “Memórias de um suicida”. A leitura é sempre interessante e a riqueza dos detalhes do texto produzido por Yvonne-Camilo provoca nossa curiosidade e nosso desejo de aprender mais.

Na parte mediúnica, silêncio. Muitos médiuns relatam ter ficado entre o estado de consciência e o de transe. Um espírito comunica-se por Jeziel. 

Ao mesmo tempo, a médium Ana começa a falar e Débora vai atender. É um daqueles raros momentos em que um espírito que já se comunicou há semanas por um médium, volta a falar por outro. 

A mulher vinha nos comunicar que iria reencarnar. Ela identifica sua história, que Ana não conhecia. Na “terceira parte”, Alex iria dizer que ela havia se comunicado há algumas semanas através dele.
Ela agradece. Agradece o carinho do grupo, o acolhimento, a dedicação. Ela nos diz que fala em nome de muitos espíritos que lá estavam presentes, que também foram beneficiados pelos nossos trabalhos. Ainda pela voz da mulher, antes identificada como prostituta, vem o recado de um de nossos dirigentes espirituais, ainda anônimo, mesmo após tantos anos de trabalho.

Acompanha uma sensação de estar fazendo a coisa certa, uma alegria com a gratidão! Quão poucos se dedicam a ajudar o próximo sem nunca receber um muito obrigado! Dos dez leprosos, ensina o Novo Testamento, apenas um voltou para agradecer.

Lembrei imediatamente do Natal. Não foi Jesus quem escolheu a "apóstola dos apóstolos", talvez injustamente considerada como prostituta por uma autoridade eclesiástica medieval, para dar a notícia aos apóstolos que ele continuava vivo após a morte do corpo? Não foi Maria, a de Magdala, a mulher corajosa cujas histórias foram contadas pelos evangelistas? Não foi ela a companheira da outra Maria, no sombrio momento do Gólgota, que enfrentou sem medo a soldadesca romana com sua presença claramente favorável ao Rabi Galileu?

E eis que do plano espiritual veio uma voz de mulher que nos agradeceu e comunicou que voltaria à vida, no mês em que lembramos que Jesus também reencarnou para nos instruir e ensinar o amor.

Feliz Natal a todos os que acompanham o Espiritismo Comentado! Possa a paz do aniversariante e a alegria dos pais invadir todas as casas nas celebrações da vida, da fé e da família.



28.11.19

INTERRUPÇÃO TEMPORÁRIA DA MEDIUNIDADE




Uma companheira de trabalhos de Minas Gerais me escreveu explicando que é médium psicofônica, mas que as manifestações diminuíram bastante, chegando a ficar diversas reuniões seguidas sem obter comunicação. Ela questiona se isso é um problema.

Allan Kardec trata dessa questão em um capítulo no qual trata da perda e suspensão da mediunidade, em O livro dos médiuns. Está no capítulo 17, Da formação dos médiuns. A primeira coisa que fiz foi reler o capítulo e dá para perceber como ele é rico em informações.

A primeira coisa que nos deparamos ao ler, é que há diversas possíveis causas para a perda ou suspensão da mediunidade, mas a primeira coisa que os espíritos informam a Kardec é que muitas vezes se verifica uma “interrupção passageira”.

Recordei de Yvonne A. Pereira, que na introdução do livro Memórias de um suicida, informa que ficou quatro anos sem praticar a mediunidade, de forma involuntária. Uma mediunidade ostensiva como a de Yvonne, nos faz pensar que a faculdade mediúnica não funciona como os órgãos dos sentidos, sendo passível de descontinuidade no tempo.

Lembrei também dos comentários de alguns colegas de reunião, que viajam de férias, por exemplo, e faltam uma ou mais semanas à reunião. Ao voltar, comentam ao final de reunião uma dificuldade maior no exercício da mediunidade, o que volta com a regularidade da frequência das sessões.

No texto de Kardec, os espíritos levantam diversas possibilidades:
  1.  Não entendem que a perda esteja associada ao esgotamento do fluido. A essa questão respondem acentuando o desejo ou possibilidade de comunicação pelos espíritos.
  2.  Uso frívolo ou ambicioso das faculdades afasta os espíritos sérios.
  3.  Ao afastar-se, um espírito bom pode privar o médium da sua faculdade, para que entenda que não é algo que depende apenas dele.
  4.  Essa suspensão pode ser realizada pelo espírito como uma promoção de repouso necessário ao médium, e uma proteção para que espíritos inferiores não utilizem sua faculdade.
  5.  Alguns médiuns passam por um período de interrupção mesmo sem necessidade de repouso, trata-se de uma prova de sua perseverança.
  6.  A interrupção da faculdade mediúnica não significa necessariamente uma censura espiritual

Conclui-se, portanto, que se deve lidar com a mediunidade sem expectativa de comunicação contínua, em todas as reuniões, sendo normal e possível variações nos desempenhos de médiuns. Devemos evitar a expectativa de desempenho, que pode gerar algum constrangimento ou desejo de obter comunicação para atender ao grupo, acabando por incentivar fenômenos anímicos, ou seja, produções da própria mente do médium sem influência espiritual.

24.11.19

SINAIS DE NASCENÇA EM "A TRAGÉDIA DE SANTA MARIA"



Esmeralda fala a Barbedo que reencarnaria com uma mesma mancha de pele que tinha na vida passada.



Continuamos escrevendo sobre detalhes do livro “A Tragédia de Santa Maria”, ditado por Bezerra de Menezes e psicografado por Yvonne Pereira.

Na página 262 da terceira edição (capítulo quarto da quarta parte, com o título “E quando Deus permite!"), na trama da narrativa, o espírito Esmeralda comunica a seu pai, Barbedo, que vai reencarnar. Ela pede que ele examine o corpo físico da filha do casal de parentes em busca de um sinal de nascença que ela apresentava em sua encarnação passada, para certificar-se de que se tratava dela própria, reencarnada.

Os estudos sobre reencarnação são antigos, datam do início do século 20, mas o pesquisador que conheço ter tratado de marcas de nascença foi Ian Stevenson. Ele se popularizou no meio espírita brasileiro no final dos anos 60 com a tradução do livro "20 casos sugestivos de reencarnação" para o português. Ele publicou posteriormente um livro sobre reencarnação e biologia, no qual trata de forma cuidadosa da questão das marcas de nascença (birthmarks).

A pesquisa de Stevenson sobre memórias de vidas passadas em crianças, geralmente iniciadas entre dois e quatro anos, era muito dependente dos relatos feitos pelas famílias, às vezes muitos anos depois das primeiras lembranças. As memórias não são uma fonte muito segura, por que é sabido que esquecemos e nos enganamos sobre eventos acontecidos no passado, quanto mais distantes estamos do ocorrido. Stevenson desejava outras evidências de vidas passadas que pudessem ter sido registradas e verificadas de forma mais confiável.

Em 1961, em sua primeira visita ao Sri Lanka, ele estudou o caso de Wijeratne, que tinha um defeito de nascença severo associado a eventos de vida passada. Depois ele encontrou, no Alasca, os casos de Charles Porter e de Henry Elkin, que tinham marcas relacionadas a uma facada e um tiro ocorridos em suas vidas passadas. Apesar dos relatos, Stevenson diz que levou vários anos para perceber a importância dos registros, cujo insight o levou a colher muitos relatos como esses em um único trabalho, com mais fôlego[1].

Nesse trabalho, Stevenson disserta sobre os casos estudados, e fala dos diversos tipos de marcas, sinais ou defeitos de nascença. Embora sejam muito divulgadas as marcas de nascença correspondentes a feridas e lesões cirúrgicas em vidas passadas, no capítulo 8, Stevenson disserta sobre marcas de nascença correspondentes a outros tipos de feridas ou marcas de pessoas mortas.

Ele conta o caso de Santosh Sukla, que se recordava de ter sido Maya, na Índia. Os dois tinham listras vermelhas nos olhos, causados por arteríolas muito dilatadas na esclera, e não eram parentes, além de serem os únicos membros das respectivas famílias com essa característica física[2]. Stevenson fotografou Santosh aos 25 anos, ainda apresentando essa anormalidade.

Ele relata também o caso de John Rose, do Alasca, que nasceu com uma mancha branca no dorso da mão esquerda, lugar onde, na vida passada ele havia tatuado um lobo.

Stevenson relata casos de “fendas” de nascença onde havia piercings, que depois cicatrizaram, e locais de aumento de pigmentação, onde anteriormente havia pigmentação maior (pintas, onde haviam manchas, pelo que entendi). (p. 66)

Como se vê, o relato de Bezerra de Menezes parece antecipar a descoberta de Stevenson. Não tenho conhecimento da literatura de sinais de nascença associados à reencarnação, anteriores a esse pesquisador, o que daria uma bela pesquisa.

Mais uma vez encontramos uma contribuição interessante na psicografia de Yvonne Pereira, que normalmente passa despercebida  ao leitor da nossa época.




[1] STEVENSON, Ian. Where reincarnation and biology intersect. USA, Praeger Publishers, 1997. p. 2.
[2] STEVENSON, Ian. Where reincarnation and biology intersect. USA, Praeger Publishers, 1997. p. 63-64..


19.11.19

MULHERES E ESPÍRITAS





O informativo da Sociedade Mineira de Pediatria nº 57, publicado em maio/setembro de 2019, publicou uma matéria sobre o Grupo de Convivência da Mulher e Amparo à Maternidade, que acontece aos sábados no Grupo Espírita Luz e Paz – GELP.

A entrevistada da matéria, a médica-pediatra Juliana Goulart, diz que foi convidada por Andréa Lucchesi a participar. No grupo se fazem palestras de orientação de “nutrição, prevenção de doenças, cuidados com os bebês, direitos da mulher, etc.”

O grupo baseia-se em trocas, e não na antiga dualidade assistente-assistido. A Dra. Juliana se considera uma mulher como as demais, e destaca a importância de “fornecer um ambiente de acolhimento, amor e carinho” às crianças que também participam.

O projeto começou há mais de sete anos quando as mulheres eram gestantes. As participantes ganhavam os bebês, mas desejavam continuar participando, então ele foi se conformando a essa nova característica.

No dia 29 de outubro fazia uma palestra na Associação Espírita Célia Xavier sobre a transição planetária e surgiu o tema das contradições do nosso país. Discutíamos como nós nos acostumamos a achar normal bebês serem criados em caixas de papelão no centro da cidade por familiares, no meio da sujeira e fumaça, enquanto colegas europeus se comoviam às lágrimas.

O dirigente fez uma questão interessante, porque quando falamos em um problema dessa ordem, é normal sentirmo-nos impotentes diante dele. Comentamos então, que no meio espírita, pequenas iniciativas podem ter, com o tempo e a associação das pessoas, grandes ou profundas repercussões. O crescimento da nossa casa e das atividades que realizamos foi um exemplo lembrado naquele momento.

Agora, lendo o trabalho das Dras. Andréa e Juliana, e como após sete anos ele está sendo noticiado por um órgão oficial da Sociedade Mineira de Pedriatria, creio que temos mais um exemplo de pequenas inciativas que geram valores, cuidado, consciência de direitos e têm impacto social.

14.11.19

A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA AFETA O CÉREBRO?




Essa simpática cientista "em cima do muro", apresenta alguns resultados de ativação de diferentes áreas do cérebro em diferentes experiências religiosas. Ela mostra que diferentes religiões podem ter resultados satisfatórios para a vida das pessoas e que a experiência religiosa está associada a saúde mental e qualidade de vida, assim como as práticas nas comunidades religiosas, como música, meditação, ioga, dentro ou fora do contexto religioso, também o fazem.

Estamos diante de uma mudança de abordagem das religiões pelo meio acadêmico, outrora resistente a essa dimensão da vida humana por considerá-la opressora e alienante.

12.11.19

ORIGEM DA RESTRIÇÃO ÀS EVOCAÇÕES DE ESPÍRITOS NO BRASIL



Foto de Frederico Júnior, médium do Grupo Ismael


É sabido que Kardec usava as evocações como uma forma de obter informações sobre casos específicos que lhe chegavam às mãos. Contudo, ele não as recomendava como técnica universal e infalível na prática mediúnica.

As evocações nominais, segundo Kardec, demandam médiuns especiais, identificados por ele como flexíveis e positivos. [1] Os médiuns positivos, apresentados no capítulo 16 de O Livro dos Médiuns, segundo o próprio Kardec, são muito raros. Os médiuns flexíveis, que Kardec menciona apenas no capítulo 16, item 191, parecem ser o mesmo que os maleáveis, definidos acima. São capazes de dar comunicações de “diversos gêneros”, e ditadas por “quase todos os espíritos”.

Atento para com suas limitações ele advertia os espíritas para o risco de fraude por parte dos espíritos: “evoca um rochedo e ela te responderá. Há sempre uma multidão de espíritos prontos a tomar a palavra sob qualquer pretexto”[2].

Alguns autores atribuem a censura da prática das evocações a Chico Xavier. Eles geralmente se lembram da frase: o telefone toca de lá para cá. Honestamente, acredito que não seja verdade. Chico participava de reuniões onde ocorriam evocações mentais, nas quais parentes de pessoas desencarnadas pediam à espiritualidade a sua comunicação. Havia apelos mentais[3]. Tantos, que no livro Missionários da Luz, os espíritos em uma sessão de materialização recomendam que as pessoas cantem, para que se desligassem do petitório mental (p. 118). Isso significa que mentalmente se solicitava da espiritualidade a presença dos familiares, entre outros desejos, embora não se pudesse assegurar que eles estariam em condições de se comunicar, como vemos no capítulo 25 de O Livro dos Médiuns na pena de Allan Kardec: há diversos motivos para que os espíritos evocados não possam se manifestar. A explicação do Chico aos familiares, referindo-se ao telefone, é mais um eufemismo, visando preservá-los da dor da perda, mais uma vez revivida.

Estudando as informações publicadas sobre o Grupo Ismael, do Rio de Janeiro, encontrei algumas orientações dadas pelo “espírito guia” do grupo pela mediunidade de Frederico Júnior. Ele dizia:

“Não se ofereçam para evocações. Quando um centro não lhes parecer homogêneo, neguem-se ao trabalho, porque assim pouparão elementos do seu cérebro e não darão ocasião a divertimentos, a que muitos estão acostumados.
A sua linguagem deve ser esta:
Eu só trabalho quando meu guia esteja a meu lado, e desde que meus companheiros não me proporcionem a satisfação desta vontade, eu não trabalho: porque serei uma máquina sem maquinista, serei uma bússola sem agulha, serei um navio sem leme, e o meu estado é perigoso.” – Ismael via Frederico Júnior[4]

Creio que a orientação de Ismael se deve à época e aos conhecimentos do grupo. No Brasil ainda era muito comum a prática da mediunidade (e a de efeitos físicos também) para atrair adeptos. O grupo de Ismael era um dos primeiros a se dedicar ao exercício sistemático da mediunidade.

Se o público participante, que ignorava o espiritismo e os cuidados com a mediunidade, fosse incentivado a ir, movido exclusivamente pela curiosidade, os médiuns ficariam expostos a vexames públicos, às reações psicológicas dos assistentes da reunião e de outras consequências desagradáveis, diante da prática pública e oral de evocações. A prática mediúnica se tornaria uma espécie de espetáculo, onde as pessoas iriam querer que seus desejos e exigências pessoais fossem atendidos pelo médium. Muito diferente do ambiente de estudo criado por Allan Kardec na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, em Paris. Talvez por isso tenhamos a orientação restritiva do espírito que se identificava como Ismael.

O cuidado intransigente da presença do "guia" sugere fragilidade da direção encarnada da reunião mediúnica. O médium se orienta preferencialmente através do espírito que reconhece como guia. Sabemos que é uma atitude arriscada, porque nem sempre o médium é capaz de identificar esse espírito e outro espírito pode se passar por ele. Seria um cuidado próprio para a época e específico para o Grupo Ismael? Penso que sim.

Não há como afirmar sem dúvida que essa é a origem da restrição às evocações verbais nas reuniões mediúnicas brasileiras, mas é o que encontrei de mais antigo, e Chico Xavier ainda usava calças curtas.




[1]KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 40 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. [Segunda parte - Das manifestações espíritas. Capítulo 25 - Das evocações » Considerações gerais, item 269]
[2] KARDEC, Allan. Evocações dos animais in: O Livro dos Médiuns. 40 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. [Segunda parte Segunda parte - Das manifestações espíritas - Das evocações. Capítulo 25 - questão 283 - 36ª.]
[3] LUIZ, André. Materialização. in: Missionários da Luz. 13 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1980.  p. 117-118
[4] RICHARD, Pedro. Frederico Pereira da Silva Júnior, Reformador, Rio de Janeiro, ano 32, n. 18, 16 set. 1914,  p. 319