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20.3.17

A CASA DE CHICO XAVIER







Domingo foi dia de ir a Pedro Leopoldo. Oportunidade de ver o Adriano Calsone falar sobre Amélie Boudet e Allan Kardec e de rever a Casa de Chico Xavier. Foi uma viagem grata ao coração, porque encontrei amigos antigos, que a vida levou para longe, mas que como a vida costuma ser como o mar, as ondas trouxeram de volta a Belo Horizonte. Encontrei amigos geograficamente próximos, mas que a vida absorveu, com suas obrigações, em outros espaços. Vizinhos, mas distantes. E reencontrei quem lá está, na cidade natal do Chico, mas que já morou na capital e conheceu papai.



A Casa de Chico Xavier é assim, você está no passado, mas também está no presente. O tempo-espaço se curva e permite que você transite entre os dois momentos, mercê da memória, com um passo, apenas. Com um passo você vê a Dona Nenem jovem, o Rolando Ramaiciotti perfilado com o médium de Pedro Leopoldo, o Peralva com seus óculos quadrados e eterno terno, capturados pelas fotografias que a informática faz aumentar ante o pedido nervoso dos dedos. Um passo, e quem já viu o filme preto e branco, preservado insistentemente do esquecimento pela nova dimensão chamada internet, entra em um quarto com os diplomas de cidadão honorário dados pelas câmaras municipais de cinco cidades paulistanas e pela intrusa Belo Horizonte, lugar de tantas amizades caras ao médium. Um passo atrás e o tempo muda novamente, o visitante vê a cama feita e o terno passadinho, pronto para ser vestido. 

Um lugar curioso da visita são os expositores do chão ao teto com uma cachoeira de livros, perfilados, à espera do olhar curioso dos visitantes. Do Parnaso ao último livro de Chico, eles estão lá, testemunhas incontestes de uma dedicação diária, que devorava o horário de descanso após o almoço, as noites que usamos para descansar da labuta e a madrugada que os jovens gostam de usar para as baladas. Recordei-me de Raul Teixeira dizendo:

- “Para acompanhar a doença do Chico é preciso ter muita saúde”!



Por fim, o visitante pode voltar a 1931. Geraldinho contou que o Chico participava da reunião mais estranha da história do espiritismo brasileiro. À mesa da casa espírita ele psicografava sob a influência de Emmanuel. Terminada a tarefa, ele lia em voz alta os textos para as cadeiras vazias, as paredes nuas pintadas, os pássaros no telhado do lado de fora, que pareciam não ter muito interesse nas palavras do Mestre iluminadas pelo pensamento de Allan Kardec. Lá fora a cidade ficava meio adormecida, em um ritmo lento, mas os vizinhos deviam ouvir a voz insistente do médium, e comentavam as estranhezas daquela doutrina nova que se erguia contra a milenar instituição representada localmente por uma pequena matriz no centro, com um coreto gracioso.

Chico Xavier é conhecido por sua perseverança teimosa, sua capacidade de continuar onde muitos nem mesmo teriam iniciado. William James diria que isto faz parte da psicologia dos grandes e notáveis religiosos. Toda muralha, contudo, tem suas rachaduras e incorreções, então, o povirello de Pedro Leopoldo queixou-se a Emmanuel.

- Meu irmão, vou encerrar a reunião. Apenas eu venho e trabalho sozinho. Fico lendo para as paredes e os vizinhos já me consideram louco. Não há sentido em continuar!

O orientador espiritual pediu-lhe que retornasse uma vez mais. Emmanuel pediria ao mestre que Chico pudesse ver mais, com os olhos da alma, e entender o que fazia.

Passada uma semana, chega o Chico, na reunião que seria a derradeira, como falam os mineiros, assenta a mesa, enche as folhas de papel e inicia as últimas leituras. Emmanuel aproximou-se, impôs as “mãos espirituais” sobre a cabeça do jovem médium, e seu campo de visão espiritual se abriu. Ao redor da mesa um anfiteatro, com espíritos “assentados” acompanhando com interesse a leitura dos textos evangélicos.

Chico olhou detidamente as fisionomias e não reconheceu ninguém. Não eram parentes dos filhos da terrinha mineira. Seus traços não lhe eram familiares. Perguntou então ao orientador.

- Quem são eles? Eu não os reconheço.

- São espíritos que estão em contato com o evangelho de Jesus explicado a partir dos novos conhecimentos trazidos pelo mestre lionês e que retornarão à carne para divulgá-los.

Geraldinho se referiu a eles como a Turma de 1931.



Voltemos à Casa de Chico Xavier. Influenciada pela narrativa, ao mesmo tempo em que criava os novos espaços de uma casa que seria museu e centro espírita, a arquiteta preservou o espaço da mesa em que Chico psicografava, quando estava em sua casa, e transformou os barracões, que eram quartos para receber os espíritas que vinham dos muitos lugares, especialmente de São Paulo, passar alguns dias com ele. Da mesa veem-se as fileiras desniveladas de cadeiras, envolvendo o espaço de grata lembrança com um anfiteatro pequenino, capaz de acolher uma centena de almas encarnadas, prontas a participar da simplicidade das reuniões, de leitura, comentários e preces.

Fui convidado à mesa, como acontecia no passado e as lágrimas escorreram no canto do olho. Ali também o espaço tempo fez duas dobras, e enquanto Adriano Calsone falava dos tempos áridos, mas laboriosos do mestre francês e nos fazia recordar/aprender sobre a “femme forte” do espiritismo, a mesa insistia em nos puxar para os tempos do lápis que corria solto pelas folhas de papel, um olhar ao lado nos levava aos anos oitenta do século passado, com a grata memória dos jovens da Comebh, alguns já senhoris, com os filhos crescidos, outros já sem o corpo físico, e nos assentos do anfiteatro viam-se os olhares interessados, perdidos no tempo, imaginando Rivail e Amélie enfrentando suas lutas, com um silêncio significativo, às vezes recortado por risos discretos, emoções denunciadas pelos olhos ou ternura estampada na face.

Voltamos para casa com uma sensação de paz na alma, de alegria suave, de satisfação pelos encontros e abraços, de surpresa pelo espaço tão mágico, preservado pelo afeto de pessoas que conheceram e valorizaram o jovenzinho pobre de Pedro Leopoldo.

13.5.16

COMO SE DEU A APROXIMAÇÃO, NA FRANÇA, ENTRE ESPÍRITAS E TEOSOFISTAS?



Acabo de ler "de um só fôlego" o livro acima escrito por Adriano Calsone. Conheci o autor no último encontro da Liga de Pesquisadores do Espiritismo, quando ele foi convidado a lançar seu trabalho e apresentá-lo rapidamente para nós.

Adriano é formado em Comunicação Social, com pós graduação em mídias digitais, o que, de certa forma, explica o texto. É uma narrativa que flui aos nossos olhos, fácil de ler, com letras grandes, como convém às pessoas que como eu, já precisam do auxílio de óculos para ler. O projeto gráfico é agradável e criativo. As citações aparecem com letras diferenciadas, mas dão continuidade ao texto, fluem, em vez de apenas servirem como uma espécie de prova do que foi afirmado antes. Infelizmente, Calsone não faz as citações completas, para a tristeza dos estudiosos do espiritismo, que gostam de rever as fontes. Eles terão mais trabalho...

O livro assusta a um leitor espírita, conhecedor de Kardec, porque trata da Teosofia de Mme. Blavatsky, Coronel Olcott e Annie Besant, mas, curiosamente, como ela ganhou as colunas da Revue Spirite no século XIX, após a desencarnação de Allan Kardec. É, portanto, uma recuperação histórica, sob a ótica do autor do livro, de uma época do movimento espírita, pouco conhecida por nós, espíritas brasileiros, seja pela dificuldade de acesso à Revista Espírita em língua portuguesa após 1869 (ano em que desencarnou Kardec), seja pela escassez de trabalhos históricos desta época.

O texto faz uma retrospectiva da história controversa de Mme. Blavatsky, embora não mencione a pesquisa sobre sua mediunidade feita pelos estudiosos da American Society for Psychical Research, que tanta reação causaram aos adeptos da Teosofia.

O que se vê no livro foi uma aproximação de Pierre-Gaëtan Leymarie aos fundadores da doutrina teosófica à época em Blavatsky vivia na França. Ele parece tê-la percebido como médium e ter-se deixado levar pelas semelhanças de suas ideias com as propostas pela Doutrina Espírita, sem atentar muito para as diferenças. Talvez ele tenha se inspirado em uma prática de Kardec na Revue, que dá notícias de semelhanças e diferenças de outras formas de pensamento que fazem alguma fronteira com o espiritismo, como o fez com o druidismo, o islamismo e similares.

Calsone recuperou e deixou uma lista ao final do livro dos 50 artigos publicados pela Revista Espírita que tratam da Teosofia, seja de divulgação da mesma por seus profitentes, seja de crítica dos espíritas franceses que aos poucos vão se apercebendo das diferenças.

Blavatsky chega a tentar modificar a linha editoral da Revista, criticando que ela seja um veículo de discussão e informação do espiritismo, para tornar-se uma espécie de revista de variedades sobre doutrinas espiritualistas, ou seja, que permita ser usada para a divulgação da teosofia, vista por sua fundadora como um avanço do pensamento espírita. Os franceses, contudo, perceberam as diferenças metodológicas entre o trabalho originado na obra de Kardec para a construção do pensamento espírita e o da teosofia, que se fiava apenas na seriedade dos seus médiuns, na milenaridade do pensamento oriental e na autoridade de Helena como leitora, ou melhor, releitora e autora de uma nova contribuição ao espiritualismo.

Creio que Calsone tenta escrever um texto que prenda espíritas e teosofistas, e faz um esforço hercúleo para "afastar-se de seu objeto de estudo" e relatar os eventos como aconteceram, interferindo o mínimo possível com seu juízo de valor. Isso causou-me a impressão de que o texto flutua entre a teosofia e o espiritismo, sem deixar clara qual é a filiação do autor. Calsone é um egresso da teosofia que voltou-se ao movimento espírita ou um espírita que fez um esforço de apreensão da teosofia para relatar um pedaço da história do nosso movimento na Europa? Creio que este mistério só ele mesmo pode resolver.

Título: Em nome de Kardec
Autor: Adriano Calsone
Editora: Vivaluz Editora
282 páginas
2015 - 1a. edição

Post Scriptum

Tive a satisfação de receber o texto abaixo do autor do livro, que explicou a questão que levantei.

"Jáder, amigo. Agradeço a iniciativa da resenha literária, atitude importante à cultura espírita. Infelizmente, a crítica contemporânea como análise conscienciosa é ação cada vez menos praticada em nosso meio literário espírita. Obrigado!

Sobre a minha filiação, ao contrário da curiosa trajetória do professor Herculano Pires, que jovem passou pela Teosofia para depois tornar-se espiritista, conheci o Espiritismo na adolescência por meio dos cursos da Federação Espírita do Estado de São Paulo e, desde então, permaneço espírita sem mistério. Portanto, não sou egresso do Teosofismo. Na introdução de nosso livro, faço lembrar que “antes de começarmos a escrever esta obra, mal sabíamos o que era a Teosofia, embora ainda não saibamos exatamente o que ela possa significar, já que nos pareceu ser mesmo uma doutrina secreta – fechada e reservada a poucos”. O que me desagradou ao estudar esta doutrina secreta do século 19 foi, justamente, o seu caráter secreto por estatuto e o seu processo seletivo por aptidão mediúnica, condições que acenderam uma aura de doutrina seleta, reservada para poucos.

De fato, o nosso estudo “flutua entre a teosofia e o espiritismo”. Isso aconteceu naturalmente, em virtude do enorme interesse que temos pelo entendimento das relações interpessoais no pós-Kardec francês. E em nosso próximo trabalho, a biografia da Madame Kardec, não será diferente: também flutuaremos para as relações interpessoais... Por conta disso, descemos até o chão das “fábricas” (Teosofismo e Espiritismo) para conhecer a vida e os costumes de seus “funcionários”, o que pode justificar este afastamento do objeto de estudo, mas sem relação alguma com questões de filiação.

Nas edições da Revista Espírita observamos que Allan Kardec, como de hábito, estudou e publicou opiniões sobre as diversas crenças ou escolas espiritualistas de sua época. Na Revue de outubro de 1868, por exemplo, há um artigo elogioso sobre a “Doutrina de Lau-Tse”, em que o mestre fala nas últimas linhas do “traço de união para a aliança fraterna das crenças”, “resultado que o Espiritismo deve chegar”. Esse objetivo fraternal das crenças unidas, embora utópico, esteve para o mestre sempre pautado na necessidade do estudo e do respeito. Foi o que almejamos em nossas pesquisas publicadas no Em nome de Kardec: estudo e respeito à contribuição do próximo.

Pelo pouco que estudamos sobre a Teosofia no Espiritismo, tivemos a oportunidade de conhecer e estimar as iniciativas de seus fundadores (Blavatsky e Olcott) e de seus continuadores (Besant, Steiner e Leadbeater, dentre outros). No caso particular da teósofa Anne Besant, que dedicamos um capítulo no livro, é inegável a importância de seu legado espiritualista, especialmente o seu trabalho intelectual e humanitário em prol da sociedade indiana. Neste aspecto, flanamos para ressaltar a contribuição social da Teosofia (também como doutrina que negou o materialismo), que pode, obviamente, servir como exemplo salutar à nossa militância espírita." 

Adriano Calsone