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20.6.20

ESTUDAR FILOSOFIA ESPÍRITA PELA INTERNET?




Minha geração estudou no Brasil em uma época na qual a filosofia e a sociologia não faziam parte do currículo do ensino médio. Talvez por isso tenhamos hoje membros do governo que confundem filosofia com ideologia e creem piamente que conhecimento verdadeiro está indissociavelmente ligado a matemática.

Essa lacuna de formação que se impôs a algumas gerações, tem um reflexo especular no meio espírita: a limitação de espaços para o conhecimento e o desenvolvimento da dimensão filosófica do espiritismo. Se considerarmos algumas exceções brasileiras  admiráveis, como boa parte do trabalho de Bezerra de Menezes, Herculano Pires, Deolindo Amorim e Carlos Imbassahy algumas iniciativas institucionais como os institutos de Cultura Espírita e o trabalho de Manuel São Marcos, os “flertes” de alguns oradores e escritores alguns trabalhos publicados pela Liga de Pesquisadores do Espiritismo na série “Pesquisas brasileiras sobre o espiritismo" e publicações/traduções de professores como Dora Incontri e Astrid Sayegh, as casas espíritas, de forma geral, não possuem espaços de formação ou debate com orientação filosófica. Perdoem-me aqueles que não foram citados, até por desconhecimento pessoal do autor dessas linhas.

Um dos riscos dessa omissão é lermos Kardec e as obras subsidiárias do espiritismo como textos religiosos, para se aprender e crer, ficando aquém da sua fundamentação filosófica, e apreendendo jargões para lidar com outras propostas religiosas e filosóficas. 

Um segundo risco, também presente em nossa sociedade, é a supervalorização das ciências, apreendendo-as como “verdade”.  e a tentativa de aproximar o conhecimento espírita ao conhecimento científico de forma apressada, desarticulada e hermética. Surgem espíritas usando o jargão da física, da psicologia, da medicina ou de outras áreas do conhecimento, baseado muitas vezes em textos de divulgação (ou seja, sem domínio das respectivas áreas) e tecendo ilações a um público leigo, incapaz de identificar ou criticar a impostura. Alguns respondem com mais hermetismo às justas críticas realizadas por quem entende, o que serve apenas como forma de impressionar os simpatizantes, que creem estar diante de um grande intelectual.

O terceiro risco, é o da construção de um discurso que só é reconhecido no contexto espírita, incapaz de dialogar com os autores do nosso tempo. Isso faz com que as próximas gerações de espíritas sejam facilmente influenciáveis por professores ateus ou agnósticos, ou ainda, incapazes de articular o conhecimento espírita com o que apreendem na universidade, passem a considerar o espiritismo como mera religião, fé de adeptos, baseada apenas nas relações sociais que os espíritas estabelecem entre si e na revelação de alguns ou de um espírito-médium“favorito”, ignorando o esforço de Allan Kardec.

Não foi com pouca satisfação que recebi o convite para participar de uma iniciativa de espíritas brasileiros (Sociedade Espírita Primavera) e ingleses (Spiritist Society of Bournemouth), capitaneada pelo competente professor Humberto Schubert, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Com sólida formação em filosofia e ciência da religião, como se pode ler em seu currículo (http://lattes.cnpq.br/5846607951367788), ele vem apresentando palestras de cerca de 40, 50 minutos sobre filosofia e espiritismo, seguidas de diálogo com os participantes. Na primeira conferência, Humberto advoga a tese da centralidade da filosofia para a compreensão do todo e da fundamentação filosófica do pensamento de Allan Kardec, ou seja, ele compreende o espiritismo como filosofia, coisa esquecida por muitos “advogados” e “críticos” do espiritismo que tratam dele como se houvesse um primado da religião para a apreensão da doutrina.

Quando o espiritismo chegou no Brasil, inexistia a universidade como entendemos hoje, com ensino, pesquisa e extensão, formadora de profissionais e técnicos de alto nível, mas também produtora de novos conhecimentos. O trabalho de Allan Kardec, que veio do meio acadêmico de sua época, chegou às mãos dos pioneiros, a quem admiramos, mas que tinham por instituições conhecidas no Brasil a Igreja Católica e faculdades independentes, de direito, medicina, engenharia e talvez educação, principalmente. Talvez por isso a leitura de Telles de Menezes e seu diálogo com Desliens, ao publicar o primeiro periódico espírita do Brasil, mostre um distanciamento da compreensão de franceses e brasileiros sobre o pensamento espírita, exposto nos livros de Allan Kardec. Entre Telles de Menezes e Bezerra de Menezes já se observa uma evolução do entendimento do espiritismo, e o “médico dos pobres” dava mostras de seu conhecimento filosófico na coleção intitulada “Estudos Filosóficos”, à época publicada em jornal de grande circulação, hoje encontrada em forma de livros organizados pela Edicel.

A iniciativa das duas sociedades espíritas aproxima pelo estudo grupos europeus e brasileiros, que passam a poder interagir mais pessoalmente, superando as distâncias geográficas e culturais. Ainda há a limitação do uso do português, o que dificulta a participação de espíritas europeus nativos de seus próprios países, sem domínio do idioma ibérico, mas quem pode prever o futuro?

Tendo sido levado a refletir bastante, após três sessões de “filosofia aplicada”, recomendo aos leitores do EC que se interessam pela área, essa iniciativa internacional, agradecendo ao impulso que o isolamento social deu para o desenvolvimento da educação à distância em nosso movimento.