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24.1.19

A COMUNICABILIDADE DOS ESPÍRITOS É UMA PREMISSA METAFÍSICA NO ESPIRITISMO?


Mais recentemente, com o retorno da filosofia ao ensino médio brasileiro e a ampla difusão das obras de Allan Kardec, com iniciativas como as da FEB e do Instituto de Pesquisas Espíritas Allan Kardec (IPEAK), têm surgido novos debates com base em leituras, não apenas das obras básicas do fundador, mas também da Revista Espírita, no período em que ele era o editor (1858-1869), que contém contribuições que deixam mais claros alguns pontos do pensamento espírita.


Vi por esses dias um debate sobre os princípios a partir dos quais o espiritismo foi elaborado. Na filosofia, esses princípios podem ser ideias consideradas corretas (premissas ou postulados) ou justificadas racionalmente. Já os dogmas, embora tenham o sentido original de premissas de sistemas filosóficos na antiguidade, acabaram por ser entendidos como pontos de vista indiscutíveis sobre os quais se fundam as religiões, especialmente a partir do cristianismo medieval.



Um ponto aparentemente óbvio, mas que foi e parece que continua sendo fonte de debates, diz respeito à existência e comunicabilidade dos espíritos. É uma premissa adotada por Kardec como verdadeira e indiscutível (dogma) ou é o resultado de uma cuidadosa observação de fatos?



Na Revista Espírita de abril de 1869, encontra-se um artigo curioso, intitulado "Profissão de fé espírita americana", onde possivelmente Allan Kardec comenta uma publicação do jornal Salut, de New Orleans, de 1867, no qual se divulgam os resultados de um congresso espiritualista norte americano. O evento gerou uma "profissão de fé" dos espiritualistas dos Estados Unidos, e Kardec destaca as muitas semelhanças entre pontos de vista e as muito poucas diferenças. Como foram movimentos desenvolvidos separadamente, Kardec argumenta como um ponto favorável ao espiritismo.



Uma questão que ele destaca em seus comentários é a da origem da proposição da comunicabilidade dos Espíritos no espiritualismo e no espiritismo. Lê-se abaixo:



"Essa crença não é mais o resultado de um sistema preconcebido nesse país do que o Espiritismo na França. Ninguém a imaginou; viu-se, observou-se e tiraram-se conclusões. Lá, como aqui, não se partiu da hipótese dos Espíritos para explicar os fenômenos, mas dos fenômenos, como efeito, chegou-se aos Espíritos como causa, pela observação. Eis uma circunstância capital que os detratores se obstinam em não levar em conta." (Revista Espírita, abril de 1869, p. 99. Tradução de Júlio Abreu Filho pela EDICEL)


Cabe lembrar também que não se trata de crença ingênua, porque Allan Kardec examinou as diferentes formas de explicação dos fenômenos estudados, como se pode ler no capítulo IV da primeira parte de O Livro dos Médiuns (Dos sistemas), verificando a capacidade explicativa de cada um deles e delimitando os fenômenos que só seriam devidamente explicados pelas comunicabilidade dos Espíritos.

Camille Flammarion não ficou satisfeito com este trabalho de Allan Kardec e continuou estudando empiricamente os fenômenos atribuídos aos Espíritos de forma geral. Publicou em 1865 o livro "As forças naturais desconhecidas", no qual analisa e considera verdadeiros diversos fenômenos estudados, mas ainda não conclui pela indubitabilidade da comunicação dos espíritos. Essa conclusão veio em 1922, quando publicou o terceiro livro de "A morte e seu mistério".

Vê-se, portanto, que seria um erro entender que o Espiritismo propõe a comunicabilidade dos Espíritos apenas como ideia ou princípio metafísico, mas que se trata do resultado de observações de fenômenos psicológicos (ou parapsicológicos, como queira o leitor) e que não nega a possibilidade de outras explicações, exigindo do seu observador uma análise cuidadosa para não levar "gato por lebre", ou seja, não confundir com as produções do inconsciente, com a imaginação ativa, com a fantasia, fraudes intencionais ou não e outras explicações possíveis.

1.5.15

A TERRA DA BRUMA



Há alguns meses meu amigo Alexandre Caroli me sugeriu a leitura do livro “A Terra da Bruma”, que acabava de ser publicado em língua portuguesa, depois de um século em inglês e total desconhecimento por parte do público espírita do nosso país. Conan Doyle ainda é conhecido apenas como o “autor de Sherlock Holmes”, personagem que continua estimulando filmes e séries de TV até os nossos dias. Os espíritas conhecem o seu História do Espiritualismo Moderno (traduzido com o nome de História do Espiritismo), e talvez conheçam “A Nova Revelação”, publicado pela Federação Espírita Brasileira.

A Terra da Bruma é uma ficção com raízes profundas na realidade. Ele gira ao redor de dois ou três personagens que vão aos poucos conhecendo o Espiritualismo Moderno inglês e europeu, em princípio, para escrever matérias para um jornal. Céticos, eles vão a diversos espaços onde a mediunidade é praticada.

Não vou falar muito do enredo, para não estragar a leitura de quem ainda não o fez. Apenas antecipo que é diferente do texto de suspense de Doyle. Ele parece ter escolhido instituições e situações que desejava apresentar ao leitor e inseriu no enredo. É um livro para quem deseja conhecer mais do espiritismo e do espiritualismo europeus do século XIX, e não para quem deseja um romance de suspense.

O que mais me chamou a atenção no livro são as diferenças entre o modern spiritualism, a cultura inglesa e o espiritismo brasileiro. Creio que é uma leitura boa para quem já conhece bem nosso movimento espírita e a obra de Allan Kardec. Pode gerar alguma confusão nos iniciantes ou desconhecedores do espiritismo. Vou destacar algumas diferenças:

Mediunidade paga: o autor defende a mediunidade paga, ao contrário de Allan Kardec, como uma forma do médium poder se dedicar ao desenvolvimento de sua faculdade e poder atender a um público maior de consulentes. No próprio livro, Doyle mostra também pessoas que resolvem se fazer passar por médiuns apenas pelo dinheiro e a ação da polícia inglesa, implacável, mesmo com os médiuns honestos. Do pouco que conheço da história, apesar de ficção, está muito próxima do que realmente aconteceu na Inglaterra do início do século XX.

Relação com padres da Igreja Anglicana: A Igreja Católica adotou uma posição de rechaço ao espiritismo de Allan Kardec ainda no século XIX. Conan Doyle tem personagens que são padres, possivelmente anglicanos, e que articulam sua fé cristã à mediunidade. Lembrei-me de pessoas como Dale Owen, Stainton Moses e Haraldur Nielson. Qual terá sido a posição oficial da igreja anglicana, uma vez que o modern spiritualism é visto como uma religião pelos ingleses?

Relações com doutrinas orientais: Doyle apresenta ideias esotéricas e de origem oriental como aceitas pelos espiritualistas. A doutrina das esferas celestes e a doutrina dos sete céus (judaica, hindu e cristã medieval), por exemplo, aparecem na boca de guias e expositores. Eliphas Levi (pseudônimo de Papus), que chegou a ser lido pelos espíritas brasileiros da primeira metade do século XX, é referido como uma influência de parte do movimento inglês. Como se deu a aproximação entre o movimento espírita francês e o movimento espiritualista inglês com o esoterismo, a teosofia e outras doutrinas ocidentais de influência oriental?

Interesse em fenômenos da mediunidade de efeitos físicos: Doyle vive a época posterior às pesquisas de Crookes, mas o Instituto Metapsíquico Internacional, criado por Jean Meyer, está em seu auge. Gustave Geley é um dos personagens que aparecem na trama com  nome trocado, e as reuniões de materializações, transportes, transfigurações, voz direta e outros parecem ser comuns em círculos restritos.

Casas mal-assombradas: como não poderia passar batido, há uma visita a uma casa mal assombrada, coisa que não é muito valorizada hoje por aqui como objeto de discussão pelos espíritas (exceção feita ao livro sobre Poltergeist, escrito por Carlos A. F. Guimarães e Carlos Alberto Tinoco). A relação do espiritualistas ingleses com os espíritos perturbadores é muito curiosa.

Preces: As preces estão presentes nas reuniões públicas, onde se fazia mediunidade pública, ao contrário do que acontece hoje nos centros espíritas brasileiros. O pai nosso aparece como uma referência cristã, mas há preces ditadas pelos espíritos. Não me recordo de haver lido fazerem preces espontâneas, muito comuns em nosso meio.

Maçonaria: Há uma citação da maçonaria na página 90. Parece que havia uma proximidade entre os maçons e os espiritualistas ingleses, assim como com os espíritas brasileiros, na mesma época.

Mediunidade curativa: Há um relato de trabalhos envolvendo médiuns curadores. Não me recordo de menção à homeopatia no livro de Conan Doyle, como acontecia no movimento espírita brasileiro daquela época.

Cientistas pesquisando fenômenos espirituais: Conan Doyle cita em diversos momentos do texto cientistas da época interessados nos fenômenos espirituais. Eles são quase todos conhecidos pelo movimento brasileiro de hoje, embora estejam sendo lidos cada vez menos. Hoje temos um pequeno número de cientistas dedicados ao estudo da mediunidade, reencarnação, entre outros fenômenos, embora haja um grande número de antropólogos de franceses e brasileiros interessados no espiritismo como movimento.

Hábitos da sociedade inglesa e europeia: Alguns hábitos dos espiritualistas ingleses nos causam hoje algum desconforto. Frequentar sala de fumantes, discussões regadas a vinho e agressão física a médiuns farsantes, buscando retratação pública, certamente seriam vistos como inadequados entre nós.

O médium como pessoa, e não como santo: Para concluir, acho a visão que Conan Doyle tem dos médiuns muito próxima à de Kardec. Ele não os endeusa, não os aproxima à imagem dos santos. Os médiuns ingleses são humanos, talvez “demasiado humanos”. Eles não leram “O evangelho segundo o espiritismo”, nem “o livro dos médiuns”, então os personagens não parecem se preocupar com uma transformação moral, embora não sejam devassos. Gostei muito de uma frase que Conan Doyle escreveu, após um personagem se incomodar com um médium: “É preciso separar o homem, da coisa” (pág. 241)

A Terra da Bruma
Arthur Conan Doyle
332 páginas
Zahar
2014
1ª Edição Portuguesa
Encontra-se também em formato de e-book



16.12.08

A Sociedade dos Amigos e o Espiritualismo Moderno

Estava lendo as Cartas Inglesas de Voltaire e surpreendi-me com as quatro cartas que ele escreveu sobre os Quakers (que é um nome pejorativo dado pelos ingleses aos membros da Sociedade Religiosa dos Amigos).


Foto 1: Voltaire, autor de Cartas Inglesas

Voltaire narra uma visita (real ou imaginária?) que ele faz a um Quaker inglês. O religioso recusa-se a fazer as mesuras de cumprimento, mantém seu chapéu de abas largas na cabeça, mas trata-o com brandura e fraternidade. Veste-se simplesmente, sem apresentar qualquer sinal ou signo de distinção, trata as autoridades por você ou tu, o que as aborrece em sua época.

Os Amigos não se batizavam nem se submetiam a qualquer dos sacramentos da igreja, embora se considerassem cristãos. O interlocutor de Voltaire argumenta que Jesus se deixou batizar, mas não batizava e que afirmava que um dia se batizaria com o "fogo do espírito".

Eles defendiam a emancipação da mulher, que tomava parte ativa em seus cultos. Nas formas originais, não havia sacerdotes ou bispos, os cultos eram realizados pelos membros indistintamente, podendo haver uma manifestação de quem se sentisse influenciado pelo Espírito Santo, o que se fazia com tremores e agitações, segundo Voltaire. (Desta prática veio o nome quaker, que significa, aquele que treme, que se agita, mas há outra versão que atribui a um juiz dizer que "eles tremiam ante o poder de Deus")
Perseguidos e espancados pela intolerância religiosa, na Inglaterra e nos Estados Unidos, fundaram o estado da Pensilvânia (nome dado por William Penn, que ganhou as terras da coroa inglesa como forma de quitar uma dívida que o rei tinha com seu pai).

As relações do Quakers com os índios eram diferentes das dos demais colonizadores, por respeitarem-nos segundo escrevem os autores simpáticos ao movimento religioso.


Figura 2: Tratado de William Penn com os Índios Norte-Americanos



Quakers e os Espiritualistas Modernos

Foi um Quaker (Isaac Post) o defensor da família Fox ante a fúria de seus conterrâneos, que acreditavam que elas cometiam fraudes ou realizavam artes demoníacas. Ele posteriormente se tornaria um médium, além de abolicionista e defensor de igualdade de direitos. Sua esposa (Amy Post) auxiliaria os escravos libertos na Guerra Civil americana, recolhendo roupas, remédios e alimentos para doar-lhes, além de abolicionista ativa, ela se tornaria sufragista.



Figura 3: Isaac Post


No livro História do Espiritismo (Arthur Conan Doyle), eles compunham um segmento expressivo do movimento que o criador de Sherlock Holmes descreveu como os "shakers", que dançavam e tremiam até dar comunicações de peles vermelhas.

Nota-se uma semelhança entre a ética e leitura do cristianismo feita pelos Quakers ou Amigos e pelos espíritas.

Deve haver alguma raiz comum no passado, além dos espiritualistas norte-americanos e que daria uma boa pesquisa a ser feita pelos interessados.

23.2.08

Espiritismo e Parapsicologia


Publicamos no Anuário Histórico Espírita de 2003, organizado pelo Eduardo Carvalho Monteiro, o trabalho "Espiritismo e Parapsicologia: Fronteiras e Limites". O objetivo do trabalho é tentar mostrar as conexões entre estes movimentos de produção de conhecimento sobre o espírito e as faculdades humanas raras e pouco conhecidas pelas ciências naturais.
Houve diversos movimentos culturais anteriores, que influenciaram de uma forma ou outra a constituição, linguagem e metodologia de abordagem destes campos do conhecimento.
A figura no início desta publicação sintetiza o escopo do trabalho.
Para uma leitura mais detalhada, recomendo o Anuário que traz muitos artigos de qualidade e interesse à história do movimento espírita. http://www.candeia.com/produto.asp?section=1&id=8479