
... E os Tempos Chegarão
... e o mundo não nos hipnotizará!
Em vão nos abrirá as portas de seus cabarés
onde mulheres quase nuas
vivem as aberrações do sexo:
nelas apenas reconheceremos
nossas irmãs em provações
e, talvez, mais infelizes do que nós.
Inutilmente nos porá em contato
com a atmosfera contaminada de suas salas de jogo,
onde há fichas,
e o pano verde ... verde de esperança
e a possibilidade de loucura e suicídio:
recordaremos que
"a cada um será dado segundo as suas obras"
- E o que mereceremos vivendo assim?
Então nos falará de tesouros ocultos,
que durante séculos e séculos permanecem escondidos,
pintando-lhes com cores sugestivas o valor
e a história;
e responderemos:
- os tesouros passam,
só não passam o mérito do bem
e a infalível reparação do mal.
... e o mundo não nos hipnotizará!
Não nos hipnotizará porque teremos
um "não" para as coisas perecíveis
e um sim para as coisas eternas.
José Damasceno Sobral
Do Livro "Almas Eternas" - 1949
REVELAÇÃO
A harmonia impecável
e a suavidade quase divina de certas músicas
nos descortinam um mundo
onde a voz é murmúrio;
o desejo, ideal
e a expressão, poesia.
Um mundo homogêneo
cuja realidade parece ficção,
e ficção não é.
Esse mundo tão discretamente revelado
constitui o verdadeiro mundo,
o mundo essencial,
onde aportaremos um dia,
quando instruídos e modificados
à custa dos males aparentes de existências inúmeras.
Extraído de SOBRAL, J. Damasceno. Almas Libertas (Poemas). Divinópolis-MG, 1949.
Há anos guardo comigo um exemplar de seu livro de poesias, surpreendentemente desconhecido pela grande maioria do movimento espírita mineiro, dada a sua discrição. São versos livres, espirituais e psicológicos, no qual se revela sua sensibilidade e seus vôos espirituais a partir dos princípios espíritas.
Não são versos pobres ou ingênuos. A concepção do livro é moderna e o leitor tem sua atenção capturada pelas letras e imagens do poeta cristão-espírita. Os poemas, via de regra, iniciam-se no pé da primeira página e concluem-se no início do verso.
Os temas são diversos, mas a fonte de inspiração mais recorrente é a morte, ou melhor, a libertação do espírito após a morte e o conflito do homem que se divide entre a certeza da imortalidade e o sofrimento da perda. Sobral surpreende novamente quando trata de princípios e idéias doutrinárias com brevidade e consistência, sem perder a sensibilidade poética.
Algumas imagens são fortes, revelam sua personalidade ao mesmo tempo doce e determinada.
O livro foi prefaciado por César Burnier que lhe destaca o ponto de convergência entre a poesia e a filosofia e o papel demiúrgico da poesia e do poeta no mundo.
É muito difícil escolher um dos poemas para o leitor. Gostaria de deixar diversos deles (na verdade, eu gostaria mesmo é que o livro fosse reeditado, mas sei que a cada dia que passa a poesia tem menos lugar nas sociedades espíritas e o "mercado editorial" espírita decretou a morte comercial deste gênero literário), então deixo-lhe uma poesia sobre a poesia.
Eternidade da Poesia
A poesia não morre.
A poesia é o idioma das almas,
a tradução dos sentimentos
que ainda poucos homens entenderam.
Evoluindo,
ela se transforma
de trivial em filosófica,
de filosófica em transcendental.
A poesia não morre.
O homem,
na embriaguez da matéria,
é que morreu para a poesia.