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10.11.17

UM CASO ENVOLVENDO MEDIUNIDADE E TRANSTORNO DELIRANTE




O jornal brasileiro de psiquiatria (v. 6, n. 4, p. 311-314, 2015) publicou um caso apresentado por autores da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade de Pernambuco, de transtorno delirante induzido.

Também conhecido como “folie a deux” (loucura a dois) trata-se de um tipo de psicose não esquizofrênica nem bipolar na qual um delírio (uma crença falsa, que pode ser inclusive factível) é compartilhado por duas pessoas que convivem ou tem um relacionamento próximo.

Há diversos subtipos descritos na literatura psiquiátrica atual: o erotomaníaco (o paciente acha que alguém o ama, geralmente alguém famoso), o grandioso (o paciente acredita que tem um grande talento, que ninguém reconhece, ou que fez uma descoberta importante), o ciumento (que acredita que o cônjuge é infiel, sem qualquer evidência), o persecutório (que crê que há uma conspiração ou que alguém o persegue, engana, difama, droga ocultamente, ou impede o desenvolvimento de sua carreira profissional) e o somático (que acha que existem insetos ou parasitas internos, ou que exala um odor, sem qualquer base na realidade).

Não se trata de uma crença momentânea (que todos podemos ter), que se corrige com evidências em contrário e com o tempo, mas uma crença falsa e persistente que ninguém dissuade, mantida por um tempo dilatado, como meses, e que afeta o comportamento e o relacionamento do portador de transtorno delirante.

Por que estou falando de uma doença mental em um blog sobre espiritismo? 

Por que no caso apresentado pelos psiquiatras, a paciente M. de 51 anos, compartilhou com sua mãe de 81 anos, que se considerava médium, mas que aparentemente não frequentava nenhuma instituição espírita, diversas crenças, pelo menos questionáveis. 

A primeira é que lhe tinha sido revelado que se ela viajasse com o marido para a Europa, ela morreria. M. cancelou a viagem. 

Dezesseis anos antes da revelação, M. teve uma psicose puerperal (pós parto) e foi tratada de forma medicamentosa, e a mãe, naquela época, falou que havia maus presságios com relação ao bebê. M. passou a crer que se tratava de um espírito ruim e chegou a tentar matá-lo.

M. foi tratada pelos psiquiatras com um medicamento antipsicótico e foi orientada a se afastar da mãe durante o tratamento. Passados 14 dias os sintomas desapareceram, e seis meses depois o medicamento foi retirado gradualmente.

Dois anos depois, o marido informou que a paciente continuou sem sintomas e passou a se relacionar com a mãe de forma menos frequente.

Este caso traz a discussão da questão da mediunidade e doença mental e o cuidado que se deve ter com informações consideradas obtidas pela via mediúnica. 

Os psiquiatras não avaliaram a mãe, mas supõe-na psicótica, se considerarmos o diagnóstico que fizeram a partir do relato da filha, e talvez tenha influenciado o seu não envolvimento com nenhuma instituição religiosa.

Supondo que a mãe fosse realmente médium, que não fosse psicótica e que ela soubesse do quadro de psicose puerperal que a filha apresentou, ela deveria ter tido cuidado com o relato de suas percepções. Uma criança com experiências ruins no passado, vem para ser amada, cuidada e educada, segundo o pensamento espírita. O cuidado e dedicação dos pais é, com certeza, uma fonte importante de experiências para que ela reavalie os impulsos que traz do passado.

Este caso mostra que mediunidade, para ser praticada para o bem-estar das pessoas, demanda estudo e reflexão ética, sensatez e humildade.

Este caso também ilustra a importância de quem orienta pessoas, em um centro espírita, ter pelo menos noções de psicopatologia. 

Supondo que a mãe de M. fosse realmente psicótica (independente de ser ou não médium), não se deveria incentivar o desenvolvimento da mediunidade, mas ela chegaria à casa espírita com uma série de relatos de percepções espirituais, que na verdade seriam delírios. Conhecê-la, por exemplo, em um curso sobre mediunidade, evitaria que ela viesse a gerar falas delirantes em uma reunião mediúnica, prejudicando os objetivos do grupo. É importante saber que existem delírios e alucinações e que estes não podem ser reduzidos a percepções espirituais, e que as pessoas que os têm necessitam de tratamento psiquiátrico.