1.2.22

SE O ESPIRITISMO É FILOSOFIA, QUE FILOSOFIA É O ESPIRITISMO? COM A PALAVRA, DEOLINDO AMORIM

 


Capa antiga do livro Allan Kardec, de Deolindo Amorim

Vejamos abaixo a avaliação que Deolindo Amorim faz do pensamento de Allan Kardec, em um livro que hoje está esgotado: Allan Kardec: o homem, a época, o meio, as influências e a missão, publicado pelo Instituto Maria em 1981. É um livro que se originou de uma palestra do jornalista do "Jornal do Commercio" e sociólogo  baiano sobre o fundador do espiritismo em Juiz de Fora. Nesse trecho ele faz uma análise filosófica do pensamento de Kardec, identificando influências. É um texto muito denso, porque a análise que ele faz demanda o conhecimento de coisas como humanismo, racionalismo, universalismo, empirismo, religião, idealismo transcendental, entre outras questões, e por muitos anos o ensino de filosofia foi negligenciado em nossas escolas brasileiras.


"Há nele (Allan Kardec), bem conjugadas na estrutura do seu pensamento, três linhas de pensamento, bem definidas: humanismo, racionalismo e universalismo.

Se, realmente, encareceu a necessidade da prova dos fatos, e ele próprio julgou indispensável a experiência no campo fenomênico, não foi, contudo, um experimentalista radical, fechado no círculo exclusivo dos fenômenos, pois a visão global lhe permitia encarar a comunicação dos espíritos também pelo prisma filosófico e pelas suas consequências; se deu muita ênfase à razão, se acentuou bem a importância do raciocínio claro, não foi um racionalista ortodoxo, entronizado na supremacia intelectual, indiferente a outros aspectos da vida; se reconheceu o valor da fé, como necessidade do espírito, não chegou à beatice nem aprovou atitudes contemplativas, mas preconizou claramente a "fé raciocinada" em contraposição à fé cega ou passiva" (p. 31)




Acho que o livro foi esquecido por muitos intelectuais espíritas que escrevem sobre o assunto, hoje. O que Deolindo entrevê é um posicionamento singular do ponto de vista filosófico e teológico. Kardec emprega a razão, mas não é racionalista, observa os fatos, mas não é empirista radical, reconhece a fé, mas não é místico, propõe uma reunião de espíritas em torno dos ideais espíritas, mas não um conjunto de ritos, mitos, hierarquia e outros elementos exteriores. Propõe a fé, mas combate o dogma religioso ou teológico. Analisou os fatos produzidos pelos médiuns, mas também seu discurso, influenciado pelos espíritos, de forma racional, mas intersubjetiva, e finalmente, passou a vida buscando a essência do que ensinavam os espíritos, diferenciando das opiniões pessoais, com o auxílio da razão e do estudo do trabalho de diversos médiuns.

Ele curiosamente não fala diretamente do positivismo, talvez pela flagrante contradição entre a teoria dos três estados de Comte e a concepção racional de Deus, bem como a metafísica desenvolvida em diálogo com os espíritos. Mas ao distinguir o trabalho de Kardec do experimentalismo radical, ele aponta um ponto importante na diferenciação entre espiritismo e positivismo.