Mostrando postagens com marcador HLD Rivail. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador HLD Rivail. Mostrar todas as postagens

24.10.19

QUE SUGESTÕES DEU RIVAIL PARA A MELHORIA DA EDUCAÇÃO NA FRANÇA?

O longa narra a trajetória do escritor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), responsável por publicar o pentateuco espírita (Foto: Divulgação)

HLD Rivail escreveu em 1828 um livro chamado “Plano proposto para a melhoria da educação pública” na França. Como ele havia estudado no Instituto Pestalozzi, na Suíça, ele apresentava aos franceses algumas das diferenças do método de ensino-aprendizagem de sua escola para as praticadas pelas escolas francesas, muito influenciadas ainda pela educação clássica das escolas religiosas do século 18.

O livro, hoje, é raro, mas foi obtido, traduzido ao português e publicado pelo site dos “Autores Espíritas Clássicos” em sua base de dados. Não consegui obtê-lo na Gallica em seu original francês, o que prejudica este texto, porque não sabemos ao certo quais foram as escolhas feitas pelo tradutor para determinadas palavras técnicas muito específicas ao ensino da época.

Educação Pública

A primeira coisa que chama a atenção é ele ter-se preocupado mais com a educação pública  e não apenas com a dos filhos das elites. Ele, neste ponto, alinha-se com o projeto de educação da revolução francesa, que desejava uma educação pública, gratuita e universal (para todos os cidadãos, pelo menos a educação fundamental).

Ensino de línguas contemporâneas e não clássicas

Outra questão que Rivail tratou de forma enérgica foi a da diminuição da importância dos estudos do grego e do latim no ensino fundamental. Ao que parece, o estudo dessas línguas era considerado mais importante que o estudo da própria língua pátria e das línguas contemporâneas. O instituteur francês se queixa dos anos de estudos dedicados às línguas mortas (p. 23), em detrimento do ensino de outros conhecimentos que poderiam fazer com que o aluno entendesse melhor o mundo em que se encontrava e seus fenômenos. Talvez por isso tivesse escrito um livro de aritmética para o ensino fundamental e um livro de gramática francesa.

Pedagogia como ciência e profissão de prestígio

Um terceiro ponto sobre o livro é o que parece indicar que as escolas eram uma espécie de herdeiras da educação eclesiástica. Parece que os educadores apenas repetem as práticas a que foram submetidos quando eram alunos. Rivail se preocupa com que se desenvolva a pedagogia como uma ciência da educação, semelhante à medicina e ao direito, que exigiam formação de quem quisesse exercer a profissão. Fico pensando se muitos professores do equivalente à nossa educação fundamental na França de Rivail não eram apenas pessoas ligadas ao clero, e isso, com talvez alguma autorização do Estado, não seriam considerados suficientes para o exercício da docência.

Ao tratar desse ponto, Kardec adverte a sociedade francesa sobre a desvalorização do professor:

“...os educadores são em geral considerados como primeiros criados e na educação pública são vistos como sucessores das amas de leite. Pensai que eles vos substituem; que eles exercem junto aos vossos filhos, não funções baixas e servis, mas aquelas que deveríeis preencher vós mesmos.”

Uma época contra o ensino de base eclesiástica

O Trivium medieval se transformou em studia humanitatis (ou humanidades) antes de Rivail. Nele se estudavam a gramática e a retórica (e não a lógica ou filosofia). O estudo primário das humanidades formava o que se considerava ser o coração da educação liberal. No passado, as atividades hoje chamadas técnicas seriam atribuição dos escravos e os cidadãos gregos e romanos se preparariam para a vida pública, que lhes era reservada e interdita às mulheres, servos e escravos.

Essa influência das sociedades grega e romana, somadas à influência da Igreja, eram muito marcantes no antigo regime francês. Os revolucionários opuseram-se à chamada formação liberal e implantaram leis e normas em busca da criação de uma formação profissional, que deu ênfase, no ensino superior às faculdades de medicina e direito, e às Escolas Politécnicas, como Escola Politécnica de Paris, que dirigiu Albert de Rochas.

Educação sem punição e sem competição

Uma das influências de Pestalozzi nos escritos de Rivail, que talvez remonte à Rousseau, diz respeito a uma educação que não se fundasse nos castigos e punições de alunos. Rivail escreve contra o detestável hábito da palmatória (símbolo dos castigos físicos) e dos exercícios forçados como punição (escrever uma frase inúmeras vezes, por exemplo). Ele entende que a influência moral do professor, sua desaprovação explícita, pode agir como forma de coibir os excessos que os alunos venham a cometer.

Rivail critica a promoção da competitividade entre os alunos como forma de incentivar o ensino. Ele percebe que apenas os alunos que se destacam nas atividades em que se compete são incentivados a se desenvolverem. Os que têm dificuldades não se sentem interessados em competir, já que sabem que o resultado dificilmente será de sucesso. O Instituto Pestalozzi usava uma pedagogia da colaboração (mutualismo?) na qual os alunos mais avançados, tratados como “tu” e não com a formalidade do vós, auxiliariam na condição de monitores os alunos mais jovens ou em um estado anterior de aprendizagem.

Intuição como instrumento da educação

O ensino aos moldes do que ele viveu no Instituto Pestalozzi, basear-se-ia na intuição, aqui vista como a condução das atividades de ensino de tal forma que os alunos pudessem dar sentido ao que viam e viviam. Sob esse princípio, muito se poderia explicar do campo da biologia e da geologia em um passeio nas florestas. A educação seria muito mais tolerável se, em vez de basear-se exclusivamente na memorização de conteúdos isolados, pudesse se transformar em um meio para a compreensão dos fenômenos naturais.

Uma educação que desenvolve o conhecimento, o caráter e o corpo

Já no século 19, Rivail se preocupava com o escopo da educação. Ele a concebia como o desenvolvimento harmônico das diversas faculdades do ser. Por isso, ele parece criticar a ênfase da docência no mero ensino de conteúdos cognitivos, como a matemática e a gramática, para também abranger um desenvolvimento físico, através de exercícios e talvez de atividades como a esgrima, praticada no Instituto Pestalozzi, e da educação moral, que ele credita às impressões recebidas (p. 3), ou seja, ao convívio entre professor e aluno.

Rivail foi um homem que trouxe sua experiência no Instituto Pestalozzi para a França, não se importando com as tradições e os costumes. Nascido em uma família católica e educado em uma instituição protestante, aprendeu a confiar mais na sua própria experiência de vida que nos livros. 

Conviveu com as contradições e saiu em defesa do que considerava ser o melhor para a educação na França. Sua experiência como educador o preparou para a tarefa que se propôs a fazer: estudar os fenômenos mediúnicos a partir de sua própria observação, elaborar uma teoria desses fenômenos e defendê-la da crítica mal fundamentada.

O futuro mostrou que Rivail estava certo na maioria das ideias pedagógicas que defendeu, em uma época na qual podiam soar como mero modismo ao cidadão francês comum.

Fonte bibliográfica

Rivail, HLD. Plano proposto para a melhoria da educação pública. Paris: Dentu, 1928.

12.10.19

RIVAIL: MEMBRO DA SOCIEDADE FRANCESA DE ESTATÍSTICA UNIVERSAL


Imagem obtida em http://www.autoresespiritasclassicos.com/Allan%20Kardec/1/O%20professor%20Rivail%20e%20Allan%20Kardec.htm


Em meio aos documentos de HLD Rivail, encontra-se o diploma acima de membro da Sociedade Francesa de Estatística Universal. Esta instituição, dividida em seções ou comissões, estuda a estatística associada a outras áreas do conhecimento. 

Em seus estatutos se vê a estatística ligada a:

- Topografia
- Produções naturais (das minas e do solo)
- Da população
- Da agricultura
- Da indústria
- Do comércio
- Das ciências (instrução geral, línguas, literatura e belas-artes)
- Das religiões e cultos
- Dos poderes legislativo, judiciário, administrativos, das contribuições e finanças, das forças armadas e da diplomacia

Esta sociedade aproxima-se mais de um IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que de uma associação de estatísticos. Segundo os estatutos da sociedade,  ele foi apresentado por dois membros e aceito em reunião geral. No diploma ele é qualificado como “Chefe de Instituição”, semelhante ao nosso “Diretor de Escola”. 

Os participantes pagavam uma anuidade de 30 francos, o que é uma das fontes de manutenção da Sociedade. Os associados tinham acesso à biblioteca e podiam adquirir os livros da instituição a preços mais baixos. 

Há a possibilidade de Rivail ter participado das comissões sobre as ciências, especialmente da instrução geral. Os encontros eram mensais.

Fonte: Estatutos da Sociedade Francesa de Estatística Universal na Biblioteca Nacional da França

10.10.19

KARDEC, O FILME: NA SALA DE AULA


Uma charge de época sobre a Lei Falloux

Kardec, o filme, começa com uma aula de Rivail em uma sala só de meninos, possivelmente em 1850. São crianças que aparentam, pela idade, estar no ensino primário francês. Kardec faz um discurso simpático e afetivo. A aula é interrompida por um padre que inicia a “hora do catecismo”. Depois Kardec se indigna com a interferência da igreja no ensino.

# Fato: o ensino primário na França em torno dos anos 1850 não aceitava escolas mistas.

#Ficção: na época de 1850, Rivail era diretor do Liceu Polímático [1] . Os Liceus eram escolas de ensino secundário, segundo a lei de 1808 [2] que criou a Universidade Imperial e que tinha sob sua gestão as seguintes instituições :

Academias, que poderiam ter outras instituições sob seu controle e eram regionais. 

Faculdades: instituições de ensino superior, geralmente de medicina, direito, letras, filosofia, etc.

Escolas secundárias (Liceus), onde se estudavam línguas antigas, história, retórica, lógica (filosofia) e elementos das ciências

Escolas secundárias comunitárias (Colégios), nas quais se estudam línguas antigas e primeiros fundamentos das ciências

Instituições ou Institutos (Institutions), escolas administradas por instituteurs (um tipo de professor) particulares, semelhantes aos colégios. 

Pensionatos (pensionats) pertencentes a professores particulares (mâitres) e dedicados a estudos inferiores às instituições

Escolas Primárias (petites écoles ou écoles primaires) nas quais se aprende a ler, escrever e se obtém as primeiras noções de cálculo.

# Ficção: O padre interrompe a aula de Kardec para ensinar catecismo

Desde a reforma de Napoleão, em 1808, a moral cristã é objeto de ensino aos alunos das escolas primárias e secundárias na França. Em 1850, que parece ser o período indicado pelo filme, é aprovada a Lei Falloux. Falloux eram um conde católico que ocupou o cargo de Ministro da Instrução Pública e encaminhou uma lei que reformava o ensino francês. Ele tinha ideias como “Deus na educação. O papa à frente da igreja. A igreja à frente da civilização””. Todavia, sua reforma é bem mais modesta, e sofreu a oposição de intelectuais como Victor Hugo, que dizia “A igreja na casa dela. O estado na casa dele”.

O programa aprovado pela Lei Falloux inclui o respeito pelas hierarquias sociais, e prevê a presença de bispos nos conselhos superior e secundários. A lei que a antecedia, a Lei Guizot, de 1833, propunha originalmente a presença de curas ou pastores nas comissões locais, teve esse artigo vetado, e elas ficaram exclusivamente sob o controle de representantes do estado.

A lei Falloux trata de um controle maior sobre os Instituteurs (professores, diretores de institutos), que pleiteavam melhores salários ao estado. 

Falloux defende, na verdade, a liberdade de ensino proposta na constituição  e abre espaço para o funcionamento livre das escolas confessionais, particulares e mantidas por associações. É uma ação de desestatização parcial do ensino e de possibilidade de oferta a partir da livre iniciativa [3].

Um retrocesso da lei é a autorização de ensino para ministros de culto, pessoas com certificado de estágio e, para as freiras, uma carta de obediência ao bispo. Antes somente pessoas com formação normal ou diploma de bacharel (bachelier) poderiam ser professores [3].

A presença dos bispos nos conselhos permite que, na prática, eles possam transferir professores e que mediante um relatório, o prefeito possa demiti-los.

O século 19 foi marcado pela disputa entre o ensino laico, obrigatório e universal e o ensino religioso, com avanços e retrocessos ao longo do século. 

Não se trata, portanto, de se colocar padres nas escolas primárias e secundárias laicas, nem de uma invenção do ensino da moral cristã, que já existia desde Napoleão no ensino francês. A cena é ficcional, mesmo porque Kardec era o diretor do Liceu Polimático até 1850.

Referências

[1] Chibeni, Silvio. Quadro dos principais fatos referentes a Allan Kardec e às origens do Espiritismo. Disponível em  www.autoresespiritasclassicos.com/Allan%20Kardec/5/Quadro%20dos%20principais%20fatos%20referentes%20a%20Allan%20Kardec%20e%20às%20origens%20do%20Espiritismo.htm. Acesso em 10/10/2019
[2] Artigo 5 da lei que criou a Universidade Imperial, e que à época era responsável pela regulação e controle do ensino na França, do primário ao superior.
[3]  Loi Falloux. Disponível em: https://howlingpixel.com/i-fr/Loi_Falloux Acesso em 10/10/2019