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11.10.23

O ESPIRITISMO É UMA FÉ RACIOCINADA?



Jáder Sampaio

Uma palestra estava sendo feita em uma sociedade espírita da região sudeste, e o expositor tratava de um tema à luz do pensamento de André Luiz, espírito que se manifestou principalmente a partir do lápis que se encontrava nas mãos de um médium extraordinário: Francisco Cândido Xavier e de seu colega e amigo Waldo Vieira.

Um dos participantes, estudioso paulista do espiritismo, perguntou-lhe: 

- O que Allan Kardec diz sobre isso?

O expositor, com franqueza, respondeu:

- Lamento, mas não me preparei para abordar a posição de Allan Kardec, vim apresentar a visão de André Luiz.

A história chegou aos meus ouvidos, e não tenho como afirmar que se deu exatamente assim, porque, afinal, diz a sabedoria popular que “quem conta um conto, aumenta um ponto”. Mesmo que ela não fosse exatamente assim, fica um reflexão: Se Kardec desenvolveu os alicerces do pensamento espírita, como o expositor não conhecia pelo menos suas ideias básicas, porque estudou o tema exclusivamente a partir da visão de um autor que erigiu suas paredes sobre o pensamento e as propostas de Allan Kardec? Por que ele não se sentiu seguro para responder em poucas palavras o que pensa o fundador do espiritismo e o que são ideias do espírito cuja contribuição estava sendo estudada?

Pessoalmente, não vejo nenhum problema em estudar com detalhes um autor espiritual que foi reconhecido por estudiosos do espiritismo, mas estamos abandonando as bases do pensamento espírita? 

Convido o leitor a examinar o risco do misticismo que é sempre real quando os assuntos são de ordem metafísica. Kardec abordou Deus, a vida espiritual e as informações que os espíritos davam sobre a vida após a morte com uma forte base racional. Na medida em que a razão é abandonada e prevalece a autoridade de um espírito, nos colocamos diante do que o professor Herculano Pires denunciava, que era a redução do espiritismo a um autor espiritual ou a um médium. Não teríamos assim, a doutrina dos espíritos, mas a doutrina de um espírito/médium só, perdendo o que distingue o espiritismo de outras designações religiosas e ficando bem próximos do culto de um espírito, problema que os espíritos que escreviam por Chico Xavier, tantas vezes nos advertiram.

"Quando a razão sai pela porta, ideias como a dos "reptilianos" entram pelo centro espírita". Mas essa é outra história.


5.7.23

O CARÁTER DO CONHECIMENTO ESPÍRITA

 



Allan Kardec trabalhou ao longo de sua obra com diversas formas de produção do conhecimentos, de diversos tipos, como bom intelectual e polímata que era. Para a Revista Espírita de julho a setembro de 2023, sugerimos um texto que aborda quando o codificador trabalhou com a filosofia e suas técnicas, a ciência natural, a ciência do espírito ou ciência humana e com conhecimentos de cujo religioso, nos quais empregou técnicas de hermenêutica com as novas possibilidades que os estudos espíritas trouxeram para a compreensão do universo e dos fenômenos espirituais.

A revista é gratuita e pode ser acessada para leitura em telas (notebook, tablets, smartphones, etc.) no seguinte endereço: 

https://cei-spiritistcouncil.com/revue-spirite/ É o número 12, mas os demais números da revista estão disponíveis gratuitamente nessa página.


O lançamento da revista, contendo falas rápidas dos autores dos diversos artigos pode ser vista pelo YouTube em: 

https://cei-spiritistcouncil.com/lancamento-revue-spirite-n12/



3.7.23

QUE TIPOS DE CONHECIMENTO COMPÕEM A OBRA DE ALLAN KARDEC?

 


Atendemos ao convite do conhecido Instituto de Cultura Espírita do Brasil, com sede no Rio de Janeiro – RJ, para tratar do artigo publicado no último Enlihpe e intitulado “Allan Kardec entre Comte e Dilthey, ou porque o espiritismo não é apenas Ciência Natural”.

https://www.youtube.com/watch?v=z1UrQai9iag

Nesse artigo buscamos mostrar como Kardec fazia ciência, e que influências pode ter sofrido ao longo de seu trabalho. Comte, apesar de não ser um filósofo reconhecido, foi muito influente na França com o seu positivismo. Hoje o termo perdeu sua precisão e é comum empregá-lo em tom crítico para quem teoriza apenas com induções e observações a partir de dados. Dilthey surgiu depois de Kardec, mas reflete um movimento dos que entenderam que havia ciências com método distinto do geralmente empregado nas ciências naturais (Física, Química, Biologia, principalmente). Comte também propôs que a sociologia fosse uma ciência que emprega as técnicas positivistas, mas não acenou com uma integração às três ciências da natureza, sendo às vezes conhecido como fundador ou precursor da sociologia como ciência.

Dilthey foi o primeiro filósofo reconhecido a propor uma epistemologia (área da filosofia que estuda o conhecimento científico) para o que chamou de ciência do espírito, ciências humanas e de ciências humanas e sociais. a partir do trabalho dele, houve uma fértil disseminação de suas ideias, em conjunto ou isoladas, por áreas do conhecimento como o direito, a sociologia, a história, a antropologia, a psicologia (que já usava métodos de ciências naturais desde Wundt).

Observamos que Kardec propôs técnicas como o “controle universal do ensino dos espíritos” que não fazem parte do rol das técnicas de pesquisa em ciências humanas, mas que tem correspondentes muito semelhantes na na hermenêutica de Schleiemacher, epistemologia de Dilthey, e na Fenomenologia de Edmund Husserl.

No estudo do ICEB, dividimos o artigo em blocos, e discutimos dois deles com a Dra Nadja, Prof. Dra. em Filosofia e diretora do ICEB que tem feito esforços imensos para dar continuidade à instituição com qualidade. 

Vimos o conteúdo do texto até Comte, e falaremos desse autor na próxima oportunidade.

Gostaria muito que os leitores do Espiritismo Comentado assistissem e comentassem o conteúdo, o que certamente nos despertará para a questão que é muito ampla e complexa. O artigo do estudo está no livro “Coerência doutrinária na pesquisa espírita”, que pode ser adquirido via Kindle (Amazon.com) ou na livraria do Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro, para entrega via correios.

https://ccdpe.org.br/produto/coerencia-doutrinaria-na-pesquisa-espirita/

Quem desejar o texto anterior, publicado no livro “O espiritismo, as ciências e a filosofia”, também fruto de um Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo, que se encontra em promoção no CCDPE-ECM.

https://ccdpe.org.br/produto/o-espiritismo-as-ciencias-e-a-filosofia/


11.3.23

PROJETO CONCERNENTE AO ESPIRITISMO





Meu amigo, o Dr. Alexandre Caroli, reviu e me avisou da publicação desse manuscrito de Kardec. Ele é relativamente recém-conhecido, porque ficou no papel durante mais de um século, escrito à mão, não publicado e o Projeto Allan Kardec, de diversas instituições, mas divulgado pela Universidade Federal de Juiz de Fora, deu luz ao texto manuscrito, em francês e em português.

Ele deixa clara a concepção cristã-espírita da humanidade como irmandade, sem distinção. Marcamos a frase em que isso é explicitado. 

Essa concepção, contudo, não é nova. Encontra-se em diversos momentos da obra de Kardec, sobretudo na Lei de Igualdade, que fazendo parte das Leis Morais, é um dos pilares do edifício ético do espiritismo. Não é mera opinião de Rivail-Kardec, mas parte dos princípios filosóficos de seu pensamento.

Segue abaixo parte do texto do "Projeto Concernente ao Espiritismo" e o endereço na internet em que pode ser acessado por qualquer internauta.

"Qualquer um que conheça os princípios da doutrina e os felizes resultados que ela produz a cada dia verá, na sua propagação e na união dos seus adeptos, a melhor garantia da ordem social, visto que ela tem por lema: Fora da caridade não há salvação, e por guia estas palavras do Cristo: Amai-vos uns aos outros; perdoai os vossos inimigos; não façais aos outros o que não quereríeis que vos fosse feito [e fazei o que gostaríeis que vos fosse feito]; que ela proclama que todos os homens são irmãos, sem distinção de nacionalidades, de seitas, de castas, de raças nem de cores; que ela os ensina a se contentar com o que têm e a suportar com coragem as vicissitudes da vida; que, finalmente, com a caridade, os homens viverão em paz, ao passo que, com o egoísmo, terão inveja uns dos outros, desconfiança e estarão sempre em luta." Allan Kardec, quarta página do manuscrito (os grifos são nossos)


https://projetokardec.ufjf.br/item-pt?id=229

Abaixo o texto que a Federação Espírita Brasileira fez, em esclarecimento às acusações feitas através do Ministério Público Federal, que questionou se o espiritismo defendia o racismo. Um texto que se volta ao pensamento kardequiano para responder à ação e que gerou um acordo, permitindo a publicação de Kardec, com a inserção desse texto explicativo, a partir de cerca de 2015.

https://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Nota-explicativa-O-livro-dos-esp%C3%ADritos-1.pdf


 

20.4.22

ESPIRITISMO E ESPIRITUALISMO: CONCEITOS, ORIGENS E SIGNIFICADOS


BUSTO DE KARDEC


A autora Françoise Parot escreveu um artigo na Revista de História das Ciências (francesa), tomo 57, n.1, p. 33-63, 2004, no qual ela analisa o surgimento do espiritismo na França. 

Uma curiosidade é que Parot afirma que a palavra espiritismo foi dicionarizada na França em 1860, no Dicionário Francês Ilustrado e na Enciclopédia Universal, que penso ser a publicada por Maurice Lachâtre, como conhecemos aqui. 

Outro ponto conhecido que a psicóloga destaca é que o uso do termo espiritualismo era bem difundido à época, como "uma reunião de todos os que desejavam se diferenciar de um materialismo concebido como um apego às coisas materiais e no sentido mais filosófico de convicção na existência única da matéria" (p. 36)

Ela explica que o espiritualismo era um movimento popular na Inglaterra desde 1840 e que criou muitos "clubes, associações, sociedades e congressos". Os espiritualistas procuravam mostrar uma independência dos fenômenos espirituais.

Ela busca "O livro dos Espíritos" que Kardec criou o termo "espiritismo" para substituir o espiritualismo porque além de acreditar em algo além da matéria (espiritualista), os espíritas aceitam também os Espíritos, em seu retorno e manifestação. 

Desta forma, fica clara a afirmação do Prof. Humberto Schubert de que o espiritismo é um ramo do espiritualismo, e que a criação do termo espiritismo, com esse sentido, é obra de Kardec na França.

1.2.22

SE O ESPIRITISMO É FILOSOFIA, QUE FILOSOFIA É O ESPIRITISMO? COM A PALAVRA, DEOLINDO AMORIM

 


Capa antiga do livro Allan Kardec, de Deolindo Amorim

Vejamos abaixo a avaliação que Deolindo Amorim faz do pensamento de Allan Kardec, em um livro que hoje está esgotado: Allan Kardec: o homem, a época, o meio, as influências e a missão, publicado pelo Instituto Maria em 1981. É um livro que se originou de uma palestra do jornalista do "Jornal do Commercio" e sociólogo  baiano sobre o fundador do espiritismo em Juiz de Fora. Nesse trecho ele faz uma análise filosófica do pensamento de Kardec, identificando influências. É um texto muito denso, porque a análise que ele faz demanda o conhecimento de coisas como humanismo, racionalismo, universalismo, empirismo, religião, idealismo transcendental, entre outras questões, e por muitos anos o ensino de filosofia foi negligenciado em nossas escolas brasileiras.


"Há nele (Allan Kardec), bem conjugadas na estrutura do seu pensamento, três linhas de pensamento, bem definidas: humanismo, racionalismo e universalismo.

Se, realmente, encareceu a necessidade da prova dos fatos, e ele próprio julgou indispensável a experiência no campo fenomênico, não foi, contudo, um experimentalista radical, fechado no círculo exclusivo dos fenômenos, pois a visão global lhe permitia encarar a comunicação dos espíritos também pelo prisma filosófico e pelas suas consequências; se deu muita ênfase à razão, se acentuou bem a importância do raciocínio claro, não foi um racionalista ortodoxo, entronizado na supremacia intelectual, indiferente a outros aspectos da vida; se reconheceu o valor da fé, como necessidade do espírito, não chegou à beatice nem aprovou atitudes contemplativas, mas preconizou claramente a "fé raciocinada" em contraposição à fé cega ou passiva" (p. 31)




Acho que o livro foi esquecido por muitos intelectuais espíritas que escrevem sobre o assunto, hoje. O que Deolindo entrevê é um posicionamento singular do ponto de vista filosófico e teológico. Kardec emprega a razão, mas não é racionalista, observa os fatos, mas não é empirista radical, reconhece a fé, mas não é místico, propõe uma reunião de espíritas em torno dos ideais espíritas, mas não um conjunto de ritos, mitos, hierarquia e outros elementos exteriores. Propõe a fé, mas combate o dogma religioso ou teológico. Analisou os fatos produzidos pelos médiuns, mas também seu discurso, influenciado pelos espíritos, de forma racional, mas intersubjetiva, e finalmente, passou a vida buscando a essência do que ensinavam os espíritos, diferenciando das opiniões pessoais, com o auxílio da razão e do estudo do trabalho de diversos médiuns.

Ele curiosamente não fala diretamente do positivismo, talvez pela flagrante contradição entre a teoria dos três estados de Comte e a concepção racional de Deus, bem como a metafísica desenvolvida em diálogo com os espíritos. Mas ao distinguir o trabalho de Kardec do experimentalismo radical, ele aponta um ponto importante na diferenciação entre espiritismo e positivismo. 

10.10.21

ALLAN KARDEC ADVOGA UMA CERTEZA INSTINTIVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS?



Jáder Sampaio


Vi recentemente uma palestra em um centro espírita intitulada "Fé: a certeza instintiva da existência de Deus", em uma semana de comemoração do nascimento de Allan Kardec.

Em Kardec, a expressão “certeza instintiva” seria vista como um paradoxo, uma contradição em si, porque ele advoga a certeza como fruto da razão e o instinto como uma “inteligência sem raciocínio”. Uma certeza instintiva, seria, em tese, uma certeza que não se obtém através do raciocínio, mas que se nasce com ela, uma espécie de crença inata, e que, por isso, não é fruto da razão.

É por isso que não se encontra em nenhum dos escritos publicados de Kardec a expressão “certeza instintiva”, mas se encontra duas vezes “crença instintiva” e se encontra "sentimento instintivo". 

O instinto é uma palavra usada em filosofia e em psicologia para explicar o comportamento animal, principalmente o comportamento que não foi fruto de aprendizagem. As fêmeas dos mamíferos, quando têm seus filhotes, devoram suas placentas, os lambem até limpá-los e os amamentam. Pelo menos as de ratos, cães e gatos fazem uma espécie de ninhos, que têm papel de proteger os filhotes de predadores e de facilitar seu aquecimento. Esses comportamentos não foram aprendidos, e um mamífero não “sabe” porque age assim, mas todos eles agem da mesma forma, conforme as condições oferecidas pelo ambiente em que se encontram. Isso é instinto, uma “compulsão” à ação sem qualquer raciocínio, que um ser humano pode até explicar e mostrar sua finalidade, sua utilidade, seu papel na sobrevivência, mas que os animais fazem automaticamente, sem certamente pensar: “estou grávida, o que devo fazer?”

A razão é um termo ou expressão que se confunde com a história da filosofia. Ela é empregada, de uma forma clássica, para explicitar um conjunto de operações mentais lógicas e consistentes, realizadas pelos seres humanos, que substituíram com vantagem uma forma mágica de conhecimento, mítica, na qual se contavam histórias para explicar, por exemplo, como o homem aprendeu a utilizar o fogo (na cultura grega Prometeu roubou esse segredo dos deuses). A razão exige argumentos, provas, raciocínios segundo regras, na busca da verdade. É uma operação essencialmente consciente, que afeta o domínio afetivo do qual participa a fé, a crença. O ser humano não é essencialmente racional, então ele pode se mover por crenças racionais ou irracionais. 

De volta a Kardec, ele advoga uma fé raciocinada, ou seja, do domínio da razão, capaz de diálogo com quem quer que apresente contra-argumentos dentro das regras da lógica (ou das diversas lógicas aceitas pelo grande guarda-chuva que chamamos de filosofia). O ser humano deve crer com a anuência de sua razão e não porque outros homens também creem. De uma certa forma, Kardec é um filósofo, nesse ponto, semelhante a Kant, que convida a humanidade a acordar do seu “sono dogmático”, ou seja, das ideias compartilhadas por sua família, comunidade religiosa, comunidade política, por seus amigos, mas que não são sustentadas pela razão do próprio sujeito.

A fé, portanto, é passível de crítica, e a crítica não é mal vista, mas entendida como a identificação de um obstáculo para a explicação racional. Quando a crítica é acolhida como ato de agressão, de mera desconformidade, estamos no domínio da fé em dogmas, que Kardec denomina como fé cega, em seu O evangelho segundo o espiritismo. 

Todavia, me dirão, Kardec advoga que há uma crença em Deus partilhada pelas diversas culturas do mundo, até mesmo de povos que apenas recentemente haviam entrado em contato com a cultura ocidental e a cultura oriental. Seria um sentimento instintivo de Deus, como bem colocado na pergunta 6 de “O livro dos espíritos”. Os espíritos usam esse conceito como base de um dos argumentos que sustenta a existência de Deus. Seria algo assim: se todos os povos, incluídos os primitivos (os que mesmo em nossa época mantém suas crenças e costumes bem próximos dos de dezenas de séculos atrás) têm um sentimento instintivo de Deus e o manifestam em sua cultura, e se o ateísmo e o agnosticismo são fruto da aprendizagem, da formulação humana de uma incerteza da existência de Deus, é mais provável que Deus exista. Esse não é um argumento final, nem um argumento único em Allan Kardec, mas se soma à explicação de sua defesa da existência de um Deus transcendente.

Perceba o leitor que sentimento instintivo, crença instintiva e ideias inatas, todas essas expressões usadas por Allan Kardec, não são o mesmo que certeza instintiva. Se é instintivo, é irracional, e o que é do domínio do irracional não gera certeza, a não ser em uma perspectiva que Kardec critica e denuncia como fazendo parte da “fé cega”, e Kant denuncia como um estado de “sono dogmático”, atitudes que o espiritismo reconhece existirem, mas evita ao máximo que estejam na fundamentação de suas afirmações.

Entendo que os expositores às vezes façam afirmações de boa vontade, sem intenção de conflito nem de rigor filosófico, mas é necessário evitarmos a confusão de palavras ao máximo, sob a pena de sermos mal entendidos e de levar as pessoas que estão aprendendo o espiritismo a uma visão contrária à de Kardec.

21.6.21

O ESPIRITISMO É UMA RELIGIÃO? OPINIÃO DE FLAMMARION.


Flammarion publicou um livro chamado "Les forces naturelles inconnues" (As forças naturais desconhecidas) no qual ele se recorda do seu contato com Allan Kardec e da frequência às reuniões da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, sobre a qual ele destaca o fato do mestre francês não se interessar por mesas girantes ou fenômenos físicos. 

Flammarion se lembra de uma mesa grande, onde médiuns escreventes psicografavam. Ele afirma que "Os ensinos dos Espíritos pareciam-lhe [a Kardec] formar a base de uma nova doutrina, de uma espécie de religião".

No famoso discurso no túmulo de Kardec, ele afirma que "o espiritismo é uma ciência da qual só se conhece o ABC", recusando o convite para presidir a Sociedade Parisiense de estudos espíritas. Não é preciso dizer que para Flammarion, o conceito de ciência se reduzia ao que propunha o positivismo, o que se constatará nos livros que ele publicou a partir da observação de fenômenos supostamente espirituais e psicológicos, e das conclusões que tirou deles.

Posteriormente, um biógrafo de Flammarion vai dizer que ele se afastou dos discípulos de Kardec, mas não se afastou dos fenômenos espirituais, e ele voltaria à cena após a virada do século para apresentar suas observações e defender a existência e sobrevivência da alma.

13.5.21

O QUE É MONOMANIA, TERMO PSIQUIÁTRICO EMPREGADO POR ALLAN KARDEC?

Esquirol (1772-1840)


Esquirol foi um médico francês nascido em Tolouse, na França, que dedicou sua vida e carreira ao estudo das doenças mentais. Possivelmente suas ideias ainda eram influentes na época em que Allan Kardec publicava suas obras, e sua classificação das doenças mentais deve lançar luz a alguns termos, hoje em desuso, usados pelo fundador do espiritismo.

Uma das classificações de Esquirol para a doença mental, usado diversas vezes por Kardec eram as monomanias. Pacheco (2003, p. 154) identificou quatro grandes categorias psicopatológicas em Esquirol:

1. Idiotia

2. Demência (aguda ou crônica)

3. Mania

4. Monomanias

A mania se distingue das monomanias por ser um delírio (falsa crença) total com exaltação. Afeta todas as funções mentais: inteligência, percepção, volição e atenção, por exemplo. A monomania afetaria apenas uma das funções mentais, mantendo as demais íntegras. Pacheco (2003) afirma que haveria um delírio parcial, que poderia ter uma forma alegre ou triste. 

Esquirol identificou monomanias que poderiam levar o sujeito a cometer atos anti-sociais, como o assassinato, sem motivo aparente.

Kardec escreveu sobre monomanias algumas vezes na Revista Espírita.

Em junho de 1858 ele relata o caso do Sr. Morrison, um milionário inglês que se acreditava pobre, a quem era permitido trabalhar nos jardins de suas propriedades, remunerando-o com seu próprio dinheiro por tal. Ele foi evocado por Kardec e possivelmente comunicou-se através da mediunidade de Ermance Dufaux. Ele se mostrava ainda perturbado mentalmente após a morte, ao que concordou o espírito São Luís. Kardec identifica ao final da comunicação traços de melancolia na fala do espírito. Trata-se de monomania devido a um delírio que não o impedia de realizar outras atividades e que preservava sua inteligência, percepção e atenção.

Em julho de 1866 ele relata um caso de uma criança, filha de operários de seda, que desde os dezoito meses acendia fósforos e sentia prazer em ver as chamas. Aos dois anos ele incendiou o sofá da sala e à época com quatro anos, respondia as reprimendas dos pais com ameaças de incêndio. Trata-se de ato anti-social que aparece na infância, por essa razão, é tratado à época como monomania. Kardec discute as possíveis explicações e indaga dois espíritos sobre a condição da criança. Eles lhe respondem que a criança traz o instinto de encarnações passadas e que ele se manifesta tão precocemente para que os pais fiquem atentos e tudo o façam para corrigi-lo.

Pesquisar o significado de termos técnicos empregados no século 19, na França, se torna muito importante para uma compreensão clara do que escreve Allan Kardec, principalmente para quem faz pesquisas no grande universo de textos que é a Revista Espírita, à época em que ele foi editor.

Fontes Bibliográficas

Pacheco, Maria Vera Pompêo de Camargo. Esquirol e o surgimento da psiquiatria contemporânea. Revista Latinoamericana de Psicopatologia  Fundamental, vol. VI, n. 2, 2003, p. 152-157.



24.1.21

DELANNE FALA DE KARDEC APÓS ANALISAR NOVOS FENÔMENOS E AVANÇOS DA CIÊNCIA

 

Gabriel Delanne

“Rendamos justiça ao espírito eminente de Allan Kardec, que nos tem instruído, que nos tem indicado a boa direção, mostrando, com uma segurança maravilhosa, o caminho que nós devemos seguir. Nosso dever é o de render homenagens para este iniciador e, ao passar pelo crivo da razão e da experiência seus ensinos, saibamos lhe pagar o justo tributo de admiração que lhe é de direito, e reconhecer que ele tem o seu lugar no panteão dos benfeitores da humanidade.”

Gabriel Delanne, Revista Científica e Moral do Espiritismo, 1896, p. 209 e 210. 

Homenagem escrita após o término do artigo “Os raios X e a dupla vista dos sonâmbulos e dos médiuns, na referida revista.


27.11.20

LIDERANÇAS DO ESPIRITISMO NA FRANÇA E NO BRASIL

 


Mais uma pergunta da entrevista feita pela aluna da PUC MINAS.


03- Quais são os fundadores e principais líderes do espiritismo?


Resposta de Jáder Sampaio


"A pessoa que teve um papel central na elaboração do espiritismo foi o professor H.L.D. Rivail, que adotou o pseudônimo de Allan Kardec para a obra espírita em geral. Ele era tratado pelos espíritas franceses como mestre, e pelos espíritas brasileiros como codificador, por ter realizado estudos com diversos médiuns, analisado as comunicações de diversos espíritos e escrito seus livros, além da publicação da Revue Spirite, que publicava os estudos de espíritas da França e de diversos países.

Na França, após o falecimento de Allan Kardec, outros autores se tornaram importantes para o movimento espírita, como Léon Denis, Gabriel Delanne e o astrônomo Camille Flammarion. 

A Europa passou por diversas dificuldades que afetaram o movimento espírita em geral. Regimes autoritários, como o de Franco, o de Salazar ou o da Hungria na época da cortina de Ferro proibiram a prática do espiritismo e desapropriaram imóveis. O espiritismo francês passou pelo que foi chamado de “processo dos espíritas” em decorrência de um médium que praticava fraudes, o que afetou a imagem no país de Napoleão.

As universidades francesas recusaram-se a aceitar os trabalhos de observação realizados pelos espíritas, e alguns autores europeus oriundos da psiquiatria, principalmente, tentaram explicar os fenômenos espirituais pela via da psicopatologia. As exigências feitas para o espiritismo, e depois para a metapsíquica francesa (uma corrente de pesquisas que aceita a existência de fenômenos como a telepatia, mas põe em suspenso a existência de médiuns) não foram feitas para outras áreas do conhecimento, e o espiritismo francês, após as duas guerras, ficou limitado a uma minoria e preocupado com a aceitação pela comunidade acadêmica.

No Brasil há um grande número de lideranças, expositores, autores e médiuns espíritas conhecidos, mas destacarei dois: Adolpho Bezerra de Menezes (médico e político nascido no Ceará, mas que se tornou espírita no Rio de Janeiro) e Chico Xavier (funcionário público, conhecido por sua mediunidade prolífica e pelo trabalho com as pessoas em vulnerabilidade social)."

29.10.20

KARDEC E O ENSINO MORAL DE BASE CRISTÃ



Principais cidades visitadas por Kardec em 1862

Com as cartas de Kardec talvez possamos ter uma noção mais próxima de algumas decisões que ele tomou quando adotou o pseudônimo e o encargo de estruturar os ensinos dos espíritos.

Depois de ler e reler durante anos a obra dele, há mais de uma década me chamou a atenção o texto publicado na Revista Espírita em dezembro de 1863 (Período de luta), no qual ele propõe uma sequência de períodos para o espiritismo, que ele se encontra no período de luta e que ele entrará no período religioso. Em abril do ano seguinte Kardec publica “O evangelho segundo o espiritismo”, sua obra mais influente e mais vendida no Brasil.

Um dos fatores para essa decisão parece-me ser o chamado “auto de fé” de Barcelona. Mais do que divulgar a doutrina na Espanha, ele tem um significado simbólico. Até a queima dos livros espíritas em praça pública, a linha de pensamento de Kardec era a de que o espiritismo não seria uma religião, que cada espírita teria a sua, e que, como o conhecimento espírita era uma ciência e uma filosofia, ele contribuiria com o avanço das religiões e sua relação com o mundo das ciências, muito debilitada na França de sua época. A partir do auto de fé ele percebe que o caminho dos espíritas não seria o da aceitação pelos núcleos religiosos então estabelecidos.

Hoje penso que há mais um fator a se considerar. As viagens espíritas que ele fez nos anos anteriores ao texto Período de luta.

O cristianismo na França do século 19 foi muito fustigado pelo iluminismo e pelas ciências, por consequência, pela literatura, mas continuava sendo uma espécie de referência moral que regia as relações sociais e influenciava as leis. A educação, tão cara a Kardec, tinha em sua tessitura uma enormidade de instituições cristãs, que não conseguiram ser substituídas pelo ensino leigo, senão no final do século 19, quando se criou o ensino público leigo.

Bem ou mal, os professores religiosos trabalhavam a moral cristã com seus alunos. Seja qual for sua orientação pedagógica, eles seriam uma “segunda linha” a mostrar às crianças e jovens uma série de valores. Na época de Kardec, as ideias do ensino leigo avançavam, e aos poucos, a ética e a moral eram condenadas ao interior das igrejas e ao seio da família.

Em 1860-1862, Kardec, que já se correspondia com espíritas de diversos lugares da França e do mundo ocidental, aceita os convites para fazer viagens de divulgação do espiritismo. Os leitores de suas obras queriam conhecê-lo e ouvir orientações para seus núcleos recém-formados. 

Se me permitem fazer uma hipótese, penso que esse contato pessoal de Kardec com os grupos, e a hostilidade das religiões cristãs (umas mais, outras menos) com o espiritismo, fez com que ele pensasse em formalizar melhor a questão da ética e da moral. Se as igrejas não acolhiam os espíritas em seu seio, através dos mecanismos de estigmatização dos livros espíritas e dos que se aproximavam de seus núcleos, seria importante que os núcleos espíritas desenvolvessem também um ensino moral, derivado da ética cristã e das reflexões feitas a partir das consequências dos atos praticados em vida após a morte, obtidos pacientemente com a análise dos relatos dos espíritos. 

Penso que o contato direto com os espíritas de toda a França, a percepção mais próxima de suas dificuldades, suas lutas, e talvez até de sua intimidade familiar influenciou o professor a entalhar um de seus mais luminosos brilhantes. Ele se deteve no ensino moral de Jesus, comentado à luz dos ensinos espíritas, e consolidou nas sociedades espíritas uma preocupação com a vida terrena, que não mais poderia ser delegada apenas à família, às igrejas e às escolas. Depois disso, os espíritas se preocupariam muito mais com a caridade e com a fraternidade, pensariam em instituições para acolher as pessoas vulneráveis e em outras ações sociais para o socorro do que hoje chamamos pessoas em situação de vulnerabilidade. O espiritismo refletiria ainda mais detidamente as relações entre as pessoas encarnadas, os deveres de família e muitos outros temas ligados à vida cotidiana. O espiritismo deixa de privilegiar a elaboração intelectual e científica dos fenômenos e dos ensinos espirituais, e dá atenção destacada ao convite de Cárita, que passeava pelas periferias de Paris e convocava as pessoas ao trabalho voluntário contra a fome, o frio e a ignorância.

Em fevereiro de 1862, Kardec comunica (Revista Espírita) que havia feito uma subscrição em favor dos operários de Lyon que passavam por alguma "aflição". Enviou 500 francos e publicou uma mensagem do espírito Cárita de agradecimento aos espíritas franceses que apoiaram a iniciativa.

É apenas, como diria o escriba, uma “hipótese de trabalho”. Quem sabe a correspondência nova que está sendo trazida à luz nos traga mais elementos para refletir sobre ela?


6.10.20

NOVAS PESQUISAS SOBRE ALLAN KARDEC

 

Mapa obtido no CSI do Espiritismo mostrando para onde se mudaram os principais médiuns que trabalharam com Allan Kardec na elaboração das obras básicas e na Revista Espírita.


No último sábado, 03 de outubro, fizemos uma palestra para a TV Célia Xavier sobre as novas pesquisas realizadas em torno de Kardec. Seu principal objetivo foi apresentar os pesquisadores que vieram à cena nos últimos anos e onde se pode ler sobre eles.

Inicialmente discutimos um tema polêmico: afinal, por que realizar uma busca nos cartórios, arquivos e bibliotecas por novas informações sobre Kardec, sua família e seus colaboradores? Defendemos cinco objetivos diferentes. (Estão no vídeo)




https://www.youtube.com/watch?v=NqNUL1w_9fA

No conteúdo, pinçamos algumas informações novas sobre a família de Allan Kardec, encontradas por Charles Kempf, Carlos Seth Bastos e pelos estudiosos da correspondência de Allan Kardec, na FEAL (Fundação Espírita Allan Kardec) e no NUPES (Núcleo de Pesquisas sobre Espiritualidade e Saúde da Universidade Federal de Juiz de Fora).

Alguns dados que modificam a percepção que tínhamos das médiuns que trabalharam com Kardec foram repassados rapidamente. Esse tipo de estudo não tem impacto  na compreensão da doutrina, mas no entendimento que temos sobre as pessoas que trabalharam em sua elaboração. De forma geral, as percebemos mais humanas, especialmente os médiuns, o que torna o papel de Kardec ainda mais importante.

Outra coisa que tratamos foram as publicações do período pós-Kardec na França, em que se destacam os livros de Adriano Calsone (Em nome de Kardec, e, Madame Kardec) e Simoni Privato (O legado de Allan Kardec).

Nos estudos comparativos das edições das obras de Kardec, além dos comentários do tradutor Evandro Noleto Bezerra nas novas publicações das obras básicas, temos o trabalho de Luiz Jorge de Lira Neto, publicado no livro “O espiritismo da França ao Brasil”, que analisa as modificações das doze primeiras edições de O livro dos espíritos, período em que Kardec ainda estava encarnado. Marco Milani vem publicando os resultados dos estudos comparativos entre as primeiras e a quinta edição de A Gênese no periódico Dirigente Espírita.

Como tive que saltar a conclusão do Marco em função do tempo, segue aqui:

“ ... análises comparativas já realizadas permitem afirmar que, sob o aspecto da coerência doutrinária e clareza do texto, a 4ª edição de A Gênese mostra-se mais adequada do que a 5ª edição em diferentes passagens, fazendo com que o estudo comparativo seja fortemente indicado a todo adepto espírita.” Marco Milani, Dirigente Espírita, set./out. 2020, p. 9.

https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2020/09/DE179-C.pdf

Os últimos blocos saem do papel e entram por outras mídias adentro. Primeiro temos as Cartas de Allan Kardec e outros documentos, que têm sido transcritos (eles são escritos originalmente à mão), traduzidos e digitalizados em francês e português, texto e imagem. Dos lugares em que podem ser lidos temos:

https://projetokardec.ufjf.br/   (50 cartas, até o momento)

https://kardec.blog.br/csi-do-espiritismo/ (pesquisas em cartórios, arquivos e bibliotecas)

https://www.allankardec.online/ (Museu on-line do espiritismo, com jornais, livros, revistas da época de Kardec e as sínteses do CSI do Espiritismo)

https://www.facebook.com/allankardec.online/ (Divulgação no facebook do Museu Allan Kardec On-line)

Finalmente, falo do documentário “Em busca de Kardec”, cujo roteiro foi feito pelo seu apresentador, Karim Akadiri Soumaila e por Dora Incontri. Ele dá uma panorâmica sobre os estudiosos de Kardec na França e no Brasil, bem como do espiritismo e dos fenômenos espirituais em geral. Infelizmente, ele havia sido disponibilizado no YouTube, no link abaixo, mas foi retirado.

https://www.youtube.com/playlist?list=PLDk-SVhCDZTN5Zhp0qqx8NrDgh4E6DqcH

 

"Não extingais o Espírito.

Não desprezeis as profecias.

Examinai tudo. Retende o bem." (Paulo)

1 Tessalonicenses 5:19-21

2.9.20

PUBLICADOS OS PRIMEIROS MANUSCRITOS DE ALLAN KARDEC EM PORTAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

 



O Projeto Allan Kardec lançou ontem os cinquenta primeiros manuscritos (cartas e anotações) de Allan Kardec. É uma parceria entre a Fundação Espírita André Luiz (FEAL) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

As imagens dos documentos, suas transcrições (em alguns casos) e suas traduções para a língua portuguesa estão disponíveis ao público. 

As que foram disponibilizadas são do arquivo Canuto Abreu. 

Já li algumas, e elas nos mostram mais a pessoa de Kardec, interagindo com interessados no espiritismo de uma forma geral, até mesmo com espíritos. A primeira impressão foi de uma pessoa gentil e cuidadosa com os que o procuravam, com uma formalidade mínima, mas com franqueza na escolha das palavras.

Comecemos a leitura e as análises!

http://projetokardec.ufjf.br/?fbclid=IwAR3dqFyVu1wq7KhrWlpnR1NVj1QYHYzPQ_hJA-WBi0Y5E2CTj1V7GzFUFSg

21.7.20

INICIATIVAS BRASILEIRAS E FRANCESAS DE PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA ESPÍRITA





Depois do programa Conversa com Bial, diversos amigos, todos trabalhadores espíritas, vêm entrando em contato para ouvir a opinião do Espiritismo Comentado sobre a entrevista que o Bial fez com Dora Incontri e com Marcel Souto Maior.


Em nossa opinião, a entrevista como um todo projetou uma imagem racional e favorável do espiritismo para a população brasileira, muito diferente da imagem que ficou com o caso de João de Deus, que, mesmo não sendo espírita, era confundido como tal por se apresentar como médium. Na mentalidade de grande parte dos brasileiros “é tudo a mesma coisa”, e a multiplicidade de experiências religiosas não vem acompanhada com uma clareza na distinção de princípios, proposições e práticas.

Houve um sensacionalismo na mídia de divulgação do programa, feita pela própria emissora, ao falar de descobertas novas e atribui-las à Dora. Ao longo da entrevista, vê-se que ela não se colocou nesse lugar.

Um exemplo do sensacionalismo da mídia global, para quem quiser conferir: 


A entrevista foi muito rica em informações então vamos nos deter nos dois pontos mais questionados: as novas informações sobre a história do espiritismo e, especificamente, a família de Allan Kardec.

Dora Incontri fez menção a algumas descobertas já tornadas públicas por instituições que estão trabalhando com a conservação, transcrição e tradução da correspondência de Kardec e com os documentos copiados por Canuto Abreu na França no período entre guerras, que estava guardado e acesso vetado pelos seus herdeiros.

Além dessas duas iniciativas há uma grande pesquisa que vem sendo feita via internet. Ela se baseia no acesso digital aos arquivos, documentos e coleções europeias das mais diferentes instituições, como cartórios, bibliotecas e órgãos governamentais.

Achei curioso como um grande número de pessoas desconhece o trabalho que vem sendo feito na preservação da memória do espiritismo. As cartas de Kardec compradas dos descendentes de Leymarie e o acervo de Canuto Abreu, especialmente esse último, é quase uma novela com diversos capítulos. Paulo Henrique de Figueiredo nos explica em seu livro “Autonomia: a história jamais contada do espiritismo”, que o acervo de Canuto Abreu (documentos escritos à mão ou datilografados) estão sob os cuidados da Fundação Espírita André Luiz, em São Paulo.

Imagem do C.S.I: Imagens e Registros


Com relação às pesquisas pela internet, gostaria de destacar o Carlos Seth Bastos e seu C.S.I. (Codification, Séances, Investigation): Imagens e Registros Históricos do Espiritismo, pelas contribuições que vêm dando nessa frente de trabalho. O Carlos vem publicando seus achados em três espaços:

https://www.allankardec.online - clicar no canto inferior direito, imagem CSI

Uma das ilustrações que se encontra em allankardec.online

Outro espaço virtual em que se tem publicado documentos digitalizados referentes a Allan Kardec e sua época é o AllanKardec.online. Seu acervo tem por base a Librairie Leymarie e aquisições em outras livrarias especializadas. Seu curador se chama Adair Ribeiro. Eles trabalham em conjunto com o Carlos, citado acima, e o Charles Kempf (veja abaixo). O endereço digital já foi disponibilizado acima:


Há também uma página do Facebook:


As informações da família de Kardec, como a filha Louise e o pai, foram publicadas inicialmente por um espírita francês. Charles Kempf, em outubro de 2018, divulgou em português os achados referentes à correspondência pessoal de Rivail com Amélie que citam a menina Louise, possivelmente desencarnada enquanto os pais adotivos estavam vivos. Ele pode ser lido em http://ismaelgobbo.blogspot.com/2018/10/artigo-inedito-por-charles-kempf.html

Foi também o Charles quem publicou sobre o pai de Allan Kardec. O texto em português pode ser lido no site da Federação Espírita do Paraná com os endereços eletrônicos das fontes: http://www.feparana.com.br/topico/?topico=2255No entanto, posteriormente esta informação foi revisada, pois descobriu-se seu paradeiro, conforme explicado por Carlos Seth em https://www.facebook.com/HistoriaDoEspiritismo/posts/407144190049369

Pessoalmente, não há como negar que uma história de perdas de pessoas queridas pode vir a afetar os interesses de uma pessoa, mas acho ainda especulativo associar as desencarnações ao interesse pelos fenômenos espíritas. Principalmente porque conhecemos a grande maioria dos trabalhos públicos de Kardec, que são extensos, e ele sempre defende os interesses de cientista ante os fenômenos espirituais que estudou.

A posição de Dora contra a idealização de médiuns é muito correta e sensata. Nosso trabalho, como estudiosos do espiritismo, é sempre conhecer bem a doutrina e as afirmações dos espíritos, verificar onde se baseiam, confrontar diferenças e concluir na defesa do que está devidamente fundamentado, argumentado, lógico, venha de quem vier. Isso me fez recordar Sócrates, condenado à morte pela defesa racional de suas ideias, que desagradavam as elites gregas.

29.6.20

UM DIÁLOGO SOBRE CIÊNCIA E ESPIRITISMO





Quatro professores universitários com formações diferentes tratam da questão científica do espiritismo. Afinal, o que era considerado ciência na época de Kardec?  O espiritismo pode ser considerado ciência? Qual era a influência do positivismo na época de Allan Kardec? Por que Allan Kardec afirmou que o espiritismo e a ciência caminham lado a lado? Existem pesquisas sobre temas espíritas em curso?


Um diálogo entre Sílvio Chibeni, Marco Milani, Alexandre Fontes da Fonseca e Jáder Sampaio a partir de um convite da União das Sociedades Espíritas de São Paulo - Regional Campinas.


A partir dessas questões e das posições dos convidados, inicia-se um diálogo com os participantes do evento, que lançam luz em diversos pontos de ligação da ciência e das ciências com o espiritismo. 

Confiram!

27.4.20

JAPHET, ROUSTAING E KARDEC



A atriz Julia Konrad caracterizada como Madame Japhet


Recebi um comentário imensamente interessante, que possibilita muitas análises, feito pelo leitor Paulo Sérgio Fonseca Antunes. Ele se refere à publicação “Curiosidades: Allan Kardec e Madame Japhet”. https://espiritismocomentado.blogspot.com/2019/05/curiosidades-allan-kardec-e-madame.html

É o que está abaixo:

Fala-se que o nome Allan Kardec foi revelado ao Professor Rivail pelo espírito Zéfiro (Zephir), em reunião mediúnica na residência das irmãs Baudin, utilizando-se para isto a cesta com um lápis (roque). Na ocasião, o Professor tomou conhecimento de que Allan Kardec foi o nome dele em uma milenar reencarnação entre os druidas. Sabe-se que a primeira edição de O livro dos Espíritos continha pouco mais de 400 perguntas, e que na segunda edição passou a ter mais de 1000 perguntas, e que, a família Baudin saiu de Paris ainda no segundo semestre de 1857, o que, provavelmente, deixou a outra médium (sonâmbula profissional) sobrecarregada. Médiuns profissionais existem até nos dias de hoje. Enquanto a codificação do Espiritismo ainda não havia acontecido, quem fazia ideia de que isto seria utilizar erradamente este dom? Ao que parece, a Mademoiselle Ruth Celline Japhet colaborou gratuitamente sim no trabalho de Allan Kardec, mas, é possível que desejasse ter seu nome divulgado no livro para fazer um marketing pessoal. Fala-se que após o desencarne do Mestre de Lyon (1869), Jean Baptiste Roustaing em conluio ganancioso com Pierre Gaetan Leymarie destruíram a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, criada por Allan Kardec em janeiro de 1858. Sendo assim, não é de se estranhar que a médium Ruth Celline Japhet, com quem Roustaing operava profissionalmente a mediunidade há mais de dez anos, tivesse atitudes mais nobres. Fala-se que Chico Xavier foi reencarnação de Ruth Celine Japhet, a qual, teria desencarnado nos anos 1880. Considero pouco provável essa afirmação, pois, acho que um espírito não mudaria tanto sua maneira de ser, tendo menos de 30 anos apenas entre duas reencarnações.

Vou discorrer sobre as muitas questões em forma de itens:

1. “Fala-se...” Essa foi a primeira observação que fiz. Para se fazer história, ou mesmo apenas memória, é preciso conhecer a fonte, de preferência a fonte primária. Isso porque cada autor conta a história de um jeito, e tem uma lógica e um conjunto de fontes como base para construção do seu discurso. Tudo o que o Paulo falou, é mais ou menos verdade, mas foi tirado de autores muito diferentes, então ficou uma espécie de “samba do crioulo doido” (perdoem a expressão, não sei se ainda é politicamente correta, mas não tem nenhuma intenção racista ao ser usada).

2. Eu citei como fonte no artigo que originou as dúvidas, um jornal inglês e um texto atribuído a Alexander Aksakof. Todos sabemos que Aksakof não é nenhum especialista em Allan Kardec, e que os lamentos da Madame Japhet criaram uma espécie de “resistência” ou “preconceito” dele com relação ao fundador do espiritismo. Coisas de ser humano!

3. O nome de Allan Kardec foi revelado pelo espírito Zéfiro na casa das Baudin, usando um lápis (roque).

Eu procurei em Obras Póstumas e não encontrei essas informações, embora lá Kardec fale das Baudin e de Zéfiro.

Quem atribui o nome de Roc (e não roque) ao “lápis de pedra com que os espíritos rabiscavam em uma ardósia comum” (p. 98-99) foi Canuto Abreu, no livro “O livro dos espíritos e sua tradição histórica e literária”. Como o título já o disse, o livro não é exclusivamente histórico e Canuto escreveu do que ouviu falar, sem os rigores da metodologia da história oral, ou seja, ele aceita que algumas coisas são imaginárias, lendas, que passaram a ser contadas e recontadas no meio espírita francês, que ele conheceu no início do século 20. Não dá para citar como se fosse uma fonte histórica, portanto. Nesse livro também não encontrei menção à origem do nome de Kardec, apenas uma menção à sua reencarnação no meio dos druidas (p. 99).
Consultei, então um belo trabalho de Eugênio Lara (https://questaoespirita.blogspot.com/2013/08/sobre-o-pseudonimo-de-denizard-rivail.html ) que mostra diversas fontes, mas admitindo a tradição oral e a falta de documentação clara do próprio Kardec. Quem sabe a publicação das cartas de Kardec esclareça essa questão.


Primeira edição de "O livro dos espíritos"

4. A primeira edição de “O Livro dos Espíritos” tinha 400 perguntas e a segunda tinha “mais de mil perguntas”.

Tenho duas traduções da primeira edição de O Livro dos Espíritos. A de Canuto Abreu e a de Evandro Noleto Bezerra. Ambas têm 501 perguntas, fora os elementos pré-textuais e o epílogo.

A edição atualmente publicada de “O livro dos espíritos” tem 1019 perguntas, os elementos pré-textuais e uma conclusão (Não mais epílogo). Consultei duas traduções atuais, a de Evandro Noleto Bezerra (Kindle) e a comemorativa de Guillon Ribeiro.

Sobre as mudanças realizadas por Allan Kardec em “O Livro dos espíritos”, enquanto estava encarnado se pode ler o “O livro dos espíritos: uma análise comparativa entre a 1ª., a 2ª e até a 16ª edições”, de Luis Jorge Lira Neto, no livro “O espiritismo da França ao Brasil: estudos escolhidos.”, publicado pela USE-SP e pela LIHPE.

5. "a família Baudin saiu de Paris ainda no segundo semestre de 1857, o que, provavelmente, deixou a outra médium (sonâmbula profissional) sobrecarregada”

Essa é a menos provável de todas as afirmações até agora. Kardec fala em Obras Póstumas que as duas Baudin se casaram no fim do ano após a publicação de “O Livro dos Espíritos” e que “a família se dispersou” (p. 271). 

Quem auxiliou bastante na revisão de “O Livro dos Espíritos” foi a Mme. Japhet, como publiquei no texto do EC em questão https://espiritismocomentado.blogspot.com/2019/05/curiosidades-allan-kardec-e-madame.html segundo o próprio Allan Kardec. Japhet era sonâmbula profissional, mas trabalhou voluntariamente no livro, e nunca lhe faltaram médiuns. Na página 270 de “Obras póstumas”, 17ª edição, AK fala no concurso de “mais de dez médiuns” no trabalho. Na fundação da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, Kardec cita Ermance Dufaux como médium principal (Obras Póstumas, página 295) e uma frequência no local de “15 a 20 pessoas”, ocasionalmente de até 30 pessoas.

6. "Médiuns profissionais existem até nos dias de hoje. Enquanto a codificação do Espiritismo ainda não havia acontecido, quem fazia ideia de que isto seria utilizar erradamente este dom?"

 Com base nas fontes citadas, cabem dois comentários. Primeiro, já citado, que Kardec agradeceu a colaboração voluntária de Mme. Japhet. Outro estudo, que foge ao escopo desse comentário é distinguir e comparar o sonambulismo, em prática em Paris antes do espiritismo, fruto do movimento que o magnetismo animal de Mesmer provocou, da prática mediúnica, talvez existente em Paris sob a influência dos trabalhos de Emmanuel Swedenborg.

7.       Ao que parece, a Mademoiselle Ruth Celline Japhet colaborou gratuitamente sim no trabalho de Allan Kardec, mas, é possível que desejasse ter seu nome divulgado no livro para fazer um marketing pessoal.

Concordo. Acho bem possível.

Rue de Valois, local da primeira sede da SPEE

8.       Fala-se que após o desencarne do Mestre de Lyon (1869), Jean Baptiste Roustaing em conluio ganancioso com Pierre Gaetan Leymarie destruíram a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, criada por Allan Kardec em janeiro de 1858.

Dois autores recentes têm promovido uma releitura da história e da imagem que tínhamos de Pierre-Gaetan Leymarie: Simoni Privato e Adriano Calsone. Eles publicaram respectivamente “O legado de Allan Kardec” e “Em nome de Kardec”.

A ideia de um conluio entre Roustaing e Leymarie não tem base historiográfica. Após a saída da prisão Leymarie se aproximou de diversas instituições não-espíritas: a sociedade teosófica (Privato, p. 223, Calsone p. 55), da pneumatologia universal (Privato, p. 224) e do roustainguismo através de Jean Guérin, divulgador de Roustaing, que ofereceu dinheiro para que a “Sociedade Científica de Estudos Psicológicos”, dirigida por Leymarie instituísse um concurso literário espiritualista (Privato, p. 239). Havia, da parte de Guérin, o interesse de divulgar o roustainguismo, e Leymarie administrava uma empresa em situação econômica frágil.

Não vejo Leymarie, nem como o herói, construído a partir de sua possivelmente injusta prisão em nome do espiritismo, nem como um vilão, que sempre desejou enriquecer a partir do espiritismo, mas como homem frágil, com bons e maus momentos, que tornou-se administrador da Sociedade Anônima, continuadora da obra de Kardec, em 1871. (Privato, cap. 10 e 11). Percebo Leymarie como um sucessor da obra de Kardec sem a formação do mestre, sem conhecimento científico e filosófico. Incapaz de perceber a superioridade da ontologia, da ética e da epistemologia kardequianas, ele foi se encantando com outras doutrinas que surgiam posteriormente, tinham apelo espiritualista e se consideravam superiores. Ele foi permitindo uma espécie de “canto de sereia”, em que era cooptado com o oferecimento de honrarias, cargos e posições institucionais. E foi acreditando que as novas contribuições que chegavam deveriam ser incluídas na Livraria e na Revista Espírita, e que dariam um novo fôlego aos negócios e um avanço à doutrina espírita, o que, na verdade, era retrocesso, porque ela perderia seu caráter racional e empírico, tornando-se um movimento cada vez mais místico e ocultista. A reação às suas decisões infelizes se deu através de espíritas conhecedores de Kardec e capazes de valorizar o caráter filosófico e científico do espiritismo, dentre os quais se destacam Léon Denis e Gabriel Dellane.

Quanto à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, o que foi relatado também não é justo. Ela foi transformada em Sociedade Anônima da Caixa Geral do Espiritismo, dando prosseguimento ao Projeto de Allan Kardec de 1868, na casa de Amelie, sua viúva. Esta sociedade foi constituída para dar continuidade à Revista Espírita e “publicar os livros de Allan Kardec e outras obras sobre espiritismo” (Privato, p. 132-133), com administradores remunerados (Privato, p. 138). Cabe informar que Leymarie não era membro das diretorias, nem do conselho supervisor, não tendo sido liderança na mudança da feição da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. De instituição associativa, ela foi transformada em instituição associativa e comercial para que os livros e revistas espíritas pudessem ser editados e comercializados e render recursos para a mesma, dispensando-se a intermediação das editoras até então parceiras.

9.       Sendo assim, não é de se estranhar que a médium Ruth Celline Japhet, com quem Roustaing operava profissionalmente a mediunidade há mais de dez anos, tivesse atitudes mais nobres.

Aqui há um grande equívoco. Japhet não tinha qualquer ligação com J.B.Roustaing. Era uma sonâmbula levada ao transe pelo magnetizador Roustan. Os nomes se parecem, mas são pessoas totalmente distintas, que viviam em lugares distintos.

Arnaldo Rocha


10 "Fala-se que Chico Xavier foi reencarnação de Ruth Celine Japhet, a qual, teria desencarnado nos anos 1880. Considero pouco provável essa afirmação, pois, acho que um espírito não mudaria tanto sua maneira de ser, tendo menos de 30 anos apenas entre duas reencarnações."


Quem afirma que Chico foi a reencarnação de Japhet foi Arnaldo Rocha, viúvo de Meimei (Irma de Castro Rocha) e amigo próximo de Chico Xavier por décadas. A avaliação de Japhet pelo autor foi apressada, em função da confusão Roustan-Roustaing e da questão financeira indevidamente analisada na história. Embora a afirmação de vidas passadas demande sempre evidências sólidas para que não seja mera especulação, fica aberta a possibilidade das duas pessoas serem o mesmo espírito.

Concluindo:

Achei muito corajoso e interessante o Paulo Sérgio compartilhar conosco o que ouviu falar e o que concluiu a partir disso. Todavia, na minha opinião, a questão da história do espiritismo precisa ser discutida a partir da análise de fontes e de autores, o risco de se ficar construindo hipóteses em cima de “ouvir falar” é criar versões sem sustentação e totalmente afastadas do que já se conhece.

Não tenho a pretensão de ter uma “versão verdadeira” da história, mas apenas uma análise fundamentada, que para ser alterada (e somos todos falíveis) precisa ser contraposta com novas fontes primárias, novos autores, ou pelo menos um conhecimento produzido com os cuidados que a história oral propõe.

Não tive fôlego para citar os trabalhos que o Carlos Seth e outros estudiosos estão publicando atualmente, com base em análise de periódicos franceses e livros da época, coisa que ficou mais fácil com a digitalização e a internet.