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3.5.20

REVISÃO DO CRISTIANISMO: A HERANÇA MÁGICA

Capa antiga do livro "Revisão do Cristianismo"


Herculano Pires não escolheu arbitrariamente o título de seu livro. Na história, o revisionismo é um “reexame crítico de fatos históricos presumidos e da historiografia existente.” Ele pode surgir do uso de novas fontes (por exemplo, o conhecimento do cristianismo primitivo após a descoberta de novos documentos em Qmram e Nag Hammadi), novas perspectivas ou visões (por exemplo, a história da escravidão da ótica dos escravos), pela mudança do zeitgeist (em um tempo diferente o historiador pode valorizar o que era considerado pouco importante por gerações passadas, por exemplo, a questão de gênero na história) ou mesmo pelo surgimento de novos conhecimentos científicos (o surgimento da técnica de datação a partir do carbono 14 alterou, por exemplo, muito do que se afirmava sobre história natural e sobre objetos atribuídos a personalidades históricas). Ele se propõe a fazer revisões do conteúdo e das formas que o cristianismo assumiu com o passar da história. 

No capítulo 3 do livro Revisão do Cristianismo, ele busca rever o que entende ser uma herança dos tempos da magia no cristianismo. Por magia não se entendam as bruxas da idade média, ou os textos de Papus no século 19, mas uma prática de sociedades ditas primitivas. Ele mesmo a descreve como o uso de palavras, objetos e ritos com base na crença de que atuem de forma misteriosa na matéria. A magia pressupõe um poder oculto às pessoas, mas conhecido e dominado por iniciados. Herculano explica assim o emprego de palavras, ritos e objetos mágicos: “A magia das palavra socorria a escassez do saber.” (p. 14)

A representação do mago em cartas de Tarô. Há semelhanças entre o mago e o padre na missa.

Na revisão do cristianismo uma das propostas de Herculano é retirar todos os elementos mágicos de suas palavras e práticas. Ele entende que a proposta de Jesus de Nazaré para a religião é completamente espiritual, nada exterior e nada mágica.

Onde se veria magia mesclada à prática cristã? O autor dá vários exemplos: 

- Na analogia entre o sangue do cristo e o sangue redentor dos sacrifícios de animais realizados pelo judaísmo de sua época;

- no uso de objetos considerados sagrados, como cruzes, medalhas, escapulários, bentinhos, rosários, fitas, velas, véus, paramentos, cálices e outros; (p. 14)

- no batismo, como rito de passagem, e no emprego de água e sal (mesmo simbólico) na criança;

- Em outros ritos de passagem que foram introduzidos sob a forma de cerimônias, como o matrimônio religioso (que não existia nem na cultura judaica), a crisma e a extrema-unção com seus óleos;

- na hóstia consagrada, que se supõe transubstanciada (ou mesmo consubstanciada, se entendido como união mágica entre a farinha de trigo e o corpo de Cristo) ou transformada no corpo de Jesus de Nazaré, que o crente ingere;

- e quando um padre diz a um crente: “Seus pecados estão perdoados”.

Diversas outros exemplos, da ordem do ritual, das promessas de curas e dos objetos sagrados merecem ser revistos, para que o cristianismo seja visto como algo espiritual, próprio ao sujeito, e não algo mágico, concepção que teria sido construída aos poucos, após o cristianismo primitivo, com a finalidade de fazer com que uma população de mentalidade mágica e mítica aceitasse o cristianismo como identidade.

Parece algo básico, mas ainda nos dias de hoje, no meio espírita, algumas pessoas vindas de outras tradições religiosas ou espiritualistas, que não refletiram a diferença entre magia e espiritualidade, desejam realizar sincretismos, que as façam relembrar ou reviver experiências vividas algures, como uma casa espírita que fazia um momento eucarístico com pão e vinho, aos moldes da prática católica, como relatou meu pai em viagens feitas ao interior mineiro para a divulgação do espiritismo.