2.10.14

OS INIMIGOS INVISÍVEIS DO VOLUNTÁRIO ESPÍRITA





Tenho ouvido muitas pessoas dizerem que com a modernidade acabou com o tempo para o voluntariado espírita. Permitam-me discordar desta explicação, porque o voluntariado nunca esteve tão em moda. A Copa do Mundo e as Olimpíadas do Rio de Janeiro atrairão milhares de voluntários, mesmo que todos saibam o quanto estes eventos arrecadam com publicidade. Quando motivados pela aprendizagem, muitos alunos não se importam em fazer estágios voluntários, certos da importância da experiência que irão adquirir em sua formação.

Outra contradição está dentro do próprio movimento espírita: somos todos voluntários. Dirigimos as casas voluntariamente, dirigimos reuniões voluntariamente, participamos de eventos para arrecadação de fundos voluntariamente (na verdade, até pagamos para participar), aplicamos passes voluntariamente, organizamos cursos e seminários voluntariamente... Nossa história na casa espírita é voluntária, ou seja, fazemos porque temos vontade.

Quando pensamos nos esvaziamentos de diversas atividades das casas, fico pensando qual é a sua razão. Nem sempre as pessoas têm coragem de dizer verdadeiramente por que se afastam de uma atividade voluntária. Evitando conflitos, dão respostas socialmente aceitas, como a famosa “estou sem tempo”. Ouvindo esta frase, o coordenador da equipe a repassa ao dirigente e este começa a teorizar: as pessoas estão sem tempo.

Acho que o voluntariado tem outros inimigos invisíveis, menos discutidos. Um deles é o desencanto. Uma pessoa procura uma atividade imaginando que será o que ela não é. Quantas pessoas pensam que trabalhar com crianças é apenas a alegria de brincar? Quando se apercebem que pode envolver cuidados, lidar com problemas, responsabilidades, exigências... perdem o entusiasmo.

E a rotina? Os grupos vão se preocupando apenas com as tarefas e se esquecem de outras coisas como o encontro, o relacionamento, as comemorações das realizações, a amizade. O voluntário sente-se como um mero trabalhador, com os ônus do trabalho, sem os bônus do encontro.

Outra coisa esquecida é o desenvolvimento do voluntariado, geralmente associado com a rotina. As pessoas não aprendem nada depois de algum tempo. Não conversam sobre o trabalho que fazem e alternativas para aperfeiçoamento. Não participam de cursos, de seminários. Não visitam outros trabalhos semelhantes para ver como realizar melhor. Não são incentivados a apresentar seu trabalho em espaços onde ele seria valorizado e discutido.

Em meio a tanto incentivo à disciplina (necessária, claro), às vezes se esquece do desejo. O que faz as pessoas felizes? Eu preciso ir a uma atividade porque me constranjo a tal ou há algo parecido como a hora de sair com o namorado (a) no trabalho voluntário que faço? Existe alegria no trabalho?

Como se dão as relações no trabalho voluntário? Elas são sempre marcadas pela crítica, muitas vezes imaturas e mal fundamentadas, calcada em estereótipos, ou são relações ricas de afeição e respeito?

Os colegas e coordenadores valorizam o trabalho realizado? Mostram os resultados do que se faz? Partilham as informações e percepções que mostram casos reais de crescimento das pessoas que são auxiliadas pelo trabalho?

Nas dificuldades há apoio? O voluntário tem a quem recorrer, às vezes apenas para desabafar, outras para ouvir quem já passou pelo problema que hora enfrenta? Alguém está disponível nas horas de dificuldades, ou o atendimento fraterno é apenas para o público externo que procura o centro espírita?

E você, que me lê, como voluntário? Como trata seus colegas, coordenadores e público? Que ambiente você cria com suas ações? O que pode melhorar?


Antes de pensar nestas e em outras questões que nos ocorrerão, é difícil aceitar a ideia que a pressa dos tempos modernos faz com que não seja possível contar com voluntários para o que quer que seja. É sempre possível aperfeiçoar o que se faz.

3 comentários:

  1. Ótimas reflexões, Jáder!
    Acrescento a elas as repetições de posturas dogmáticas no âmbito da casa espírita, que parece estarem aumentando.
    Em um grupo do WhatsApp de amigos do tempo da mocidade espírita, que a distância geográfica determinou novos caminhos e descaminhos do movimento espírita (conforme o perfil de cada um), tenho percebido muita insatisfação: (i) respostas prontas; (ii) falta de contextualização dos textos espíritas (raça negra, papel da mulher na sociedade, homossexualidade etc.); (iii) incompreensão dos grupos de estudo como espaços de aprendizado e não de catequisação; entre outras situações.
    Isso também afasta as pessoas, que estão cansadas de falta de diálogo e de opções de pensamento.
    Não sei se isso está inserido em uma das suas abordagens deste ótimo post ou se você concorda com elas.
    Abraços!
    Ricardo.
    P.S.: registrarei esses comentários no Facebook, que costuma gerar mais opiniões.

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  2. Ricardo, no grupo de voluntários espíritas que entrevistei para a tese, ou eles vieram ao trabalho por receber um convite pessoal, ou por assistir a um convite coletivo em reunião de estudos. De uma forma geral, as casas que conheço (exceção de uma, que foi estudada pelo Dr. Yuri Gaspar) conta com voluntários que já são espíritas e frequentadores das reuniões.

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  3. Você tinha dupla razão, Ricardo. Já foram feitos oito comentários no Face...

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