30.1.19

KARDEC, A ALMA DO MUNDO E O PANTEÍSMO



Como bom pedagogo, ao escrever seus livros para o grande público, Allan Kardec discutiu com os espíritos muitos tópicos da filosofia antiga e de sua época, sem ficar citando os autores. Alguns conceitos, hoje esquecidos, deviam ser muito conhecidos no meio intelectual francês do século XIX, e vez por outra, ao pesquisar as origens, esbarro em algum filósofo importante.

Em sua primeira publicação espírita, Kardec apresenta rapidamente o conceito de “alma do mundo” – “âme du monde” (O Livro dos Espíritos, questão 144), afastando a ideia de que os planetas são seres viventes, como pensava, por exemplo, Orígenes, em seu “Tratado sobre os princípios”, no século III.

O dicionarista Ferrater Mora explica que o conceito de “alma do mundo” está em Platão, como uma “mescla harmoniosa pelo demiurgo das ideias e da matéria”. É bem possível que Kardec tenha usado o termo platônico para questionar aos Espíritos, uma vez que ele considera Platão e Sócrates como precursores do cristianismo e do espiritismo.

No capítulo XI de A Gênese, Kardec refere-se a um conceito semelhante, o de “alma do universo” (A Gênese, capítulo XI, parágrafo 28), em francês, “âme de l’univers”.

Heráclito fala de uma “alma do universo”, que é um “todo homogêneo” para onde volta a alma humana após a morte, perdendo sua individualidade e tornando-se homogênea.

Baruch Spinoza (século XVII) entendia Deus como sendo a “alma do universo”, no sentido que era o “mecanismo imanente da natureza”, ou seja, Deus é a natureza. Trata-se de uma concepção panteísta.

Allan Kardec, contudo, deixa claro que o espiritismo não é panteísta em seu texto “As cinco alternativas da humanidade”, publicado em Obras Póstumas. É um texto que não se encontra na Revista Espírita, no período em que Kardec foi seu editor, deve ser, portanto, um texto do final de vida.

Spinoza é considerado o “monista por excelência”, porque entende que tudo é uma única substância: Deus, o universo e o ser humano. Kardec, contudo, posiciona-se como dualista ou trinitário (trindade universal), uma vez que entende que há dois princípios ou substâncias, o material e o espiritual, e “acima de tudo Deus”, cuja natureza (essência, substância) diferiria do espírito e da matéria. (O Livro dos Espíritos, questão 27)

O monismo de Spinoza pode ser lido em seu livro "Ética demonstrada à maneira dos geômetras". Na proposição XVI encontra-se a concepção de Deus como infinito, que resultaria na concepção de Deus como um intelecto infinito e causa primeira. (corolários I e III). 

Há uma conexão entre o racionalismo de Descartes, Spinoza e a metafísica de Allan Kardec. 



8 comentários:

  1. Perfeito! O problema do monismo envolve uma imensa confusão conceitual, com muitos desdobramentos. É importante não confundir (no sentido de identificar) monismo e panteísmo, assim como é preciso considerar que o que os espíritos atacam nas respostas é a versão mais dura e radical do panteísmo, que poderíamos chamar de "panteísmo crasso". No entanto, há formas complexas e inclusivas de panteísmo, com amplo espaço para diferenças individuais e relacionamentos entre Deus e as criaturas, o que parece não estar em contradição com a doutrina do espíritos. Aliás, textos de autores espirituais muitas vezes fazem alusão à ideia paulina de um "tudo em Deus", em "quem nos movemos e existimos".

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  2. O texto não condiz com a realidade acerca do Espiritismo. Kardec refutou a ideia do panteísmo, inclusive fazendo perguntas aos Espíritos superiores sobre o tema. Não existe "metafísica de Kardec", até mesmo porque o Espiritismo não é obra do pedagogo, mas o conjunto dos ensinamentos dos Espíritos superiores, ou seja, a tradução dos ensinamentos universais e divinos. Quanto ao texto em OBRAS PÓSTUMAS, o próprio nome diz, foi publicado após a morte do Codificador, o que demonstra não ser possível verificar a sua procedência. Quanto à "trindade universal", outra inverdade atribuí-la à KARDEC, pois ela se encerra na resposta que os Espíritos deram ao pedagogo sobre o princípio de tudo o que existe, ou seja, Deus, Espírito e matéria. Por fim, a expressão "alma do mundo" foi relativo à uma pergunta que Kardec fez aos Espíritos, porque esse termo já circulava. A resposta dos Espíritos foi muito esclarecedora, pois desmistificou a grande falácia sobre o termo, restabelecendo a verdade. Se esse blog se propõe a comentar acerca do Espiritismo, seria prudente e mais honesto estudar a doutrina em profundidade, pois ao invés de informar, desinforma e dificulta mais ainda a divulgação do Espiritismo codificado.

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    1. Prezado,

      Agradeço seus comentários. Sugiro reler o texto em um momento de mais tranquilidade e se quiser conversar sobre ele, estou à disposição.

      Um abraço

      Jáder Sampaio

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    2. Ora, como não seria "possível verificar a... procedência" das obras póstumas, se se pode consultar Alan Kardec ainda que depois de morto?

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Como os Seres Humanos complicam as coisas ! Spinosa foi claro em defender que nós precisamos nos desgarrar das amarrias que as religiões impõem... Muito papo nos comentários... Deus, antes de tudo é simples, preconiza a simplicidade e a gente complica... Não fosse assim, o matuto que conhece o mundo pela ferramenta da simplicidade, seria um ser humano de baixa evolução... No texto original de Spinosa, Deus praticamente só pede uma contra partida : "Respeite seu próximo e não faça ao outro o que não queira para você !" E dá uma dica valiosa : "Preste atenção na sua vida, que seu estado de alerta seja seu guia !". Finalizando, sob o risco de ficar entendiante e insuportável, muitas vezes é melhor deixar os livros de lado e sair para viver a vida, observar a natureza, as pessoas, as culturas... Crer em Deus é pertencimento, somos um fragmento dele... É só a minha opinião !

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  5. Prezado Lourenço, favor indicar as fontes do que você está atribuindo a Spinoza para podermos ler. Um dos objetivos do Espiritismo Comentado, uma vez que Kardec que apresenta como filósofo e apresenta o espiritismo como filosofia espiritualista, é estudar o espiritismo sob esta perspectiva. Estudar filosofia não é mera erudição, nem "complicação" das coisas, é uma busca por uma compreensão mais clara das ideias apresentadas por um autor dessa área. Creio que muitos dos leitores do Espiritismo Comentado desejam estudar o espiritismo, e você tem todo o direito de querer fazer apologia a uma vida de observação de natureza e cultura, mas as pessoas têm interesses diferentes, e, sendo lícitos, é não apenas uma alternativa de vida, mas um direito. Quanto ao Humberto Schubert, você não deve conhecê-lo, não é mesmo? Quanto a sermos um fragmento de Deus, essa é uma posição panteísta, que não é o entendimento Kardequiano.

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    1. https://blogs.correiobraziliense.com.br/consultoriosentimental/deus-spinoza-e-einstein/

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