27.9.20

O TEXTO EVANGÉLICO CONTÉM MITOS?



Ontem fizemos uma exposição sintética do livro “Revisão do cristianismo” a convite da Fundação Maria Virgínia e Herculano Pires (https://www.youtube.com/watch?v=eIB1YtN75gg). Dentre as muitas coisas que Herculano convida a rever no cristianismo, um grande conjunto delas tem um impacto muito grande sobre o nosso entendimento dos ensinamentos do mestre galileu: os mitos.

Influenciado pelo convite Kardequiano de analisar racional e historicamente os evangelhos e documentos dos primeiros cristãos, Herculano mergulhou nas reflexões que os autores do final do século 19 e início do século 20 fizeram a partir de uma mudança de atitude na pesquisa da história do cristianismo. Em vez de fazer uma história atrelada à teologia, autores como Guignebert trabalharam na desvinculação das duas e na construção de uma história baseada na historiografia da época, nas descobertas arqueológicas, na limitada documentação ainda existente, e na comparação do cristianismo com outras religiões, ou seja, concebendo-o como uma religião e não como a religião.

Na medida em que o cristianismo deixa de ser contado como uma “vinda de Deus à Terra” e passa a ser visto como um movimento dos homens, algumas ideias até então interditas ao historiador do cristianismo começam a ser percebidas.

Uma delas é bem simples: os evangelhos não foram feitos a partir do registro exato do que disse Jesus e de sua preservação para o futuro. Os discípulos de Jesus o conheceram e ouviram o que ele ensinava. Com a morte e a percepção de Jesus após a desencarnação, os discípulos entenderam que a mensagem dele deveria ser divulgada, e começaram a ensinar, primeiro aos judeus e depois a todos os que se interessassem, o que eles se recordavam ou entenderam que havia sido ensinado.

Dos evangelistas que eram alfabetizados, talvez Mateus tenha feito anotações de suas memórias, sob a forma de logia, frases ou pequenos períodos encadeados. Hoje os historiadores propõem que o evangelho de Marcos teria vindo da tradição de Pedro, ou seja, João Marcos, ou os hagiógrafos que escreveram o texto desse evangelho, teriam ouvido e escrito os ensinamentos cristãos cuja tradição remonta ao pescador de Cafarnaum. 

Além de não serem registros históricos, de serem textos posteriores às cartas de Paulo, e de serem registros de ensinos orais dos discípulos, concluídos anos ou décadas após o episódio do Gólgota, é bem possível que estejam entremeados com mitos judaicos ou pagãos, é o que reflete Herculano Pires ao longo do seu livro.

O mito não é, em si, uma falsidade, uma irrealidade, como nos explica o filósofo paulistano, mas uma proto-explicação ou explicação não racional, que se origina no interior da alma humana. Enxergar Jesus como o messias, o “ungido”, aquele que veio salvar o povo hebreu da escravidão e associá-lo aos sinais entrevistos na leitura e interpretação dos profetas, seria uma primeira “tentação” dos apóstolos ou dos que participaram da redação dos textos que posteriormente foram escolhidos para compor o Novo Testamento. 

Herculano não se propõe a separar o mito da narrativa nos evangelhos, mas faz algumas análises. Ele entende que boa parte da natividade pode ser mítica, porque apresenta eventos improváveis e que “ajustam” a figura de Jesus à do messias. O nascimento em Belém, por exemplo, o “censo” que exigiria que os habitantes saíssem de suas cidades para as cidades onde nasceram, a declaração de morte das crianças por Herodes, a estrela de Belém que guia os Reis magos e a fuga para o Egito fazem parte dessa mitologia tardia inserida nos evangelhos. Herculano busca mitologemas semelhantes em outras religiões da época para mostrar que é possível que tenha havido uma interpolação de mitos e histórias sagradas na história de Jesus para que ele pudesse ser considerado o messias dos Judeus ou um Deus para os gregos ou romanos. A partir do século quarto, muitos elementos do paganismo irão ser empregados pelas comunidades cristãs para que seus concidadãos aceitem mais facilmente o prestígio do cristianismo junto ao Imperador Constantino, até tornar-se religião oficial do império romano, décadas depois.

Não seria demérito que Jesus tivesse nascido em Nazaré, filho de Maria e José, com irmãos e tivesse vivido no lar de um carpinteiro. Mais humano, ele se torna mais extraordinário aos nossos olhos, porque nessas condições desfavoráveis ele se torna capaz de interlocução com os estudiosos de sua cultura e de sua época, e é capaz de elaborar uma proposta de ser humano, de vida e de sociedade completamente diferente daquilo que existia e que se vivia em seu tempo. Cercado por socidades que "naturalizaram" a instituição da escravidão, por exemplo, Jesus propõe tratarmos a todos como pessoas, filhos do pai. É uma concepção além do tempo e do lugar em que Jesus viveu, além das escrituras judaicas e, incomodamente possível.

Essa abordagem racional e histórica não nos leva a desvalorizar os evangelhos, as cartas dos apóstolos e os documentos que os cristãos produziram nos primeiros séculos, mas exige uma leitura crítica, um olhar histórico, capaz de entender que o texto, quando se aproxima do mito, não é um conjunto de “verdades ocultas” cujas alegorias devem ser descobertas pelo leitor, mas uma expressão vívida dos ensinos de Jesus, a par com o desejo de reconhecimento do mestre pela sociedade da época por seus apóstolos e discípulos.

A proposta de Herculano é intelectualmente corajosa, porque é revisionista não só do cristianismo das igrejas, mas por propor aos espíritas uma atitude mais racional no que tange ao estudo dos evangelhos. Concordando ou não com Herculano Pires, o livro merece ser estudado, debatido e entendido por nós sem a pretensão de verdade absoluta, mas com a pretensão de rigor e honestidade intelectuais.


25.9.20

A MEDIUNIDADE NO LABORATÓRIO

 


Publicamos na revista Reformador de setembro de 2020 uma síntese breve de alguns resultados obtidos pela pesquisa recente da mediunidade, realizada pelos pesquisadores do Windbridge Institute, nos Estados Unidos.

Durante anos a pesquisa dos fenômenos de efeitos intelectuais, como os denomina Allan Kardec em O Livro dos Médiuns, esteve parada em função das escolhas feitas pela comunidade de pesquisadores. Muitos, como Rhine, optaram por interromper a pesquisa de fenômenos de efeitos físicos, por entenderem que sempre que um médium era pego em fraude, os demais resultados obtidos eram postos em questão, inviabilizando o avanço do conhecimento. O pesquisador resolveu estudar fenômenos mais simples, como a telepatia, empregando cartas e o método experimental, capaz de identificar probabilisticamente a obtenção de resultados superiores por determinados grupos de pessoas.

Muitas críticas e explicações alternativas foram levantadas por céticos, na explicação dos fenômenos mediúnicos:

1) Leitura a frio (cold reading), segundo a qual o médium percebia reações faciais mínimas dos seus consulentes, o que possibilitaria o direcionamento dos conteúdos das mensagens.

2) Fraude: ou seja, os médiuns “fabricariam” suas mensagens com a finalidade de manter seu “negócio” (nos países de língua anglo-saxã a mediunidade pode ser paga) ou sua reputação de médium.

3) Tendência dos consulentes a acreditarem em conteúdos genéricos escritos por médiuns. A fragilidade emocional da perda de entes queridos e do luto tornaria mais frágeis as análises dos familiares que desejam “ter notícias” de seus afetos, então eles tomariam como elementos de identificação dos seus familiares falecidos, frases e expressões genéricas.

Uma pesquisadora em especial, a Dra. Julie Beischel, com PhD em Farmacologia e Toxicologia pela Universidade do Arizona, após conhecer o trabalho de médiuns por razões pessoais, resolveu estudá-los, controlando todas essas possibilidades levantadas pelos críticos.

Beischel, então, montou experimentos com médiuns nos quais o consulente não tem acesso ao médium, e vice-versa. A pessoa que deseja uma mensagem repassa algumas informações para o pesquisador que chamaremos número 1. Ele repassa as informações para o pesquisador número 2. Os médiuns, previamente selecionados (certificados) por serem capazes de obter informações precisas sobre pessoas desencarnadas, só têm contato com o pesquisador número 3, que lhes repassa mínimas informações de duas ou mais pessoas. Esse pesquisador pede ao médium que identifique características objetivas, se possível, do respondente. Entre elas temos: aparência física, personalidade, hobbies, causa da morte e o que ele deseja dizer ao parente, por exemplo.

O médium, portanto, sem ter como identificar o espírito, e sem ter acesso ao familiar, psicografa e entrega seus resultados ao pesquisador número 3. Ele terá psicografado em uma sessão as mensagens de duas pessoas com o perfil semelhante. O pesquisador entrega seus resultados ao pesquisador 2, que irá dividir as mensagens em conjuntos de frases, cada uma contendo uma informação. Então ele entrega inicialmente essas mensagens “divididas” ao pesquisador 1, que as entregará ao consulente para avaliação. 

Nessa fase da pesquisa, o consulente recebe duas mensagens. Uma atribuída pelo médium ao seu parente falecido e outra de algum espírito com perfil semelhante. Ele deve olhar frase a frase e identificar se a informação apresentada é verdadeira ou não. Ao final, tem-se uma pontuação para a mensagem do parente (que o consulente não sabe quem é) e para a mensagem do chamariz (o outro espírito com dados gerais semelhantes). Essa estratégia faz com que se evite a “tendência a acreditar”, porque os consulentes avaliam as mensagens sem saber qual delas foi atribuída ao seu parente.

O pesquisador 1, entrega então as duas avaliações para o pesquisador 2, que sabe qual mensagem é a do parente desencarnado. Ele verifica então o percentual de respostas certas, compara com o da mensagem chamariz e analisa com um teste estatístico se a diferença de pontuação sugere ou não que sejam espíritos diferentes. Com uma probabilidade de pelo menos 1 em 100 (mas geralmente maior), ele então conclui pela autenticidade ou não da mensagem atribuída ao parente desencarnado.

Dra. Beischel tem obtido muitos resultados favoráveis à mediunidade. Os médiuns não acertam 100% das informações, mas as diferenças entre a mensagem do parente e a mensagem chamariz têm sido favoráveis ao primeiro, ou seja, sugerem que os médiuns são capazes de obter informações verdadeiras e estatisticamente superiores às das mensagens chamariz.

Esse é apenas um dos diversos resultados que a pesquisadora tem conseguido, estudando mediunidade com o método experimental. Mais informações podem ser obtidas no artigo que escrevemos para o Reformador de setembro de 2020, nas páginas 50 a 53. Hoje a revista da Federação Espírita Brasileira pode ser assinada e acessada em computadores, notebooks, ipads e até smartphones. Importante que nós, espíritas, possamos acompanhar trabalhos de pesquisadores como Julie. Parte de suas pesquisas foi publicada em um livro escrito para o grande público com o nome Among mediuns, e pode ser comprado em inglês por pouco mais de dez reais nos sites da Amazon.

Outras publicações dos mesmos pesquisadores podem ser lidas no EC:


22.9.20

ELAINE A. R. VALE: UMA VIDA DE DEDICAÇÃO AO ESPIRITISMO EM MINAS E NO PARÁ

 


Clique na imagem acima e acesse a entrevista no YouTube


Lembro de Elaine ainda muito jovem no movimento espírita. Papai fazia algum dos seus estudos em um evento da região oeste de Minas Gerais e eu havia ido junto com ele. Lembro-me da quase xará de Elaine, a Eliane de Divinópolis conversando comigo sobre os autores de livros espíritas. Eliane me convidou para uma palestra e, de imediato, Elaine me convidou para ir a Pains-MG.

Foi uma palestra no Messe de Luz, com o Breno implicando porque eu havia escolhido um terno jeans e tinha deixado o cinto em Belo Horizonte. Lembro como hoje de falar de "O Livro dos Espíritos" e de discutir com os presentes sobre Deus, o espírito e a matéria. Lembro de acordar no outro dia bem cedo para poder pegar o ônibus que ia para Belo Horizonte. Eu estava acostumado a acordar às seis e tive que acordar ainda de noite para não perder a condução.

Depois foi um encontro regional sobre mediunidade, que tive o prazer de ir com a Telma Núbia, ainda encarnada. Conversamos sobre a prática e a teoria da mediunidade com os espíritas da região, e apresentamos algumas das analogias dos mecanismos da mediunidade apresentada por André Luiz em seu livro com o mesmo nome.


Elaine no C.E. Renascer, em Marabá - Pará

Após a Elaine, veio a Clícia, sua filha, e a relação com o movimento espírita da região oeste continuou nos mantendo na estrada, tratando de evangelização infantil, de sonhos, de mediunidade e de muitos outros temas.

Passados todos esses anos, tenho acompanhado à distância a Elaine e sua luta pela saúde. Toda a contribuição dela na região oeste não foi o suficiente. Ela mudou-se com a família para o sul do Pará e lá continuou seu trabalho de divulgação e estudo do espiritismo. Vejo as gerações novas surgindo no espiritismo, e sua história ficava apenas entre os muitos espíritas que a acompanharam em seu desejo de levar a quem fosse possível a doutrina de Allan Kardec, Bezerra de Menezes e Chico Xavier. Uma história de vida como essa não devia ser esquecida. Alguém deveria contá-la aos que hoje frequentam os centros espíritas que ela fundou, os que tiveram familiares acolhidos por ela, os que nasceram em família espírita porque os pais aceitaram seu convite de estudo e trabalho, os que tiveram parentes da roça trazidos às cidades "Deus sabe como" para serem ouvidos e cuidados da forma possível.

Então fizemos esse programa, com a Clícia, que hoje está em Arcos-MG, o Élcio Farnese, que hoje está em Uberlândia, o Mário Lúcio que está em Patos de Minas e a Marluce, de Uberaba, mas que está em Marabá, no Pará. Todos trabalharam com Elaine e têm algo a dizer sobre ela. Têm "causos" para contar. Têm eventos engraçados, outros admiráveis, outros curiosos. Têm o que agradecer e o que lembrar. Espero que vocês gostem.

15.9.20

SAMUEL MAGALHÃES NO ESQUINA DO CÉLIA: ESPIRITISMO, MEDIUNIDADE E MEMÓRIA

 


“Esquina do Célia” é um programa mensal de “bate-papo” sobre temas doutrinários, que acontece no segundo sábado do mês. Em julho entrevistamos Luciano Klein, historiado, sobre suas pesquisas acerca de Bezerra de Menezes. https://www.youtube.com/watch?v=sUgHTF-0cRg&t=58s

Em agosto entrevistamos Izabel Vitusso, jornalista, sobre os livros e a vida de Dolores Bacelar, que tem seus livros publicados pelo Correio Fraterno. https://www.youtube.com/watch?v=9sGLKpFZWjs&t=41s

Agora em setembro, entrevistamos Samuel Magalhães, contador que trabalha voluntariamente na preservação da memória do movimento espírita. Samuel fala de sua iniciação no espiritismo, que é surpreendente, e da criação dos Centros de Documentação em quatro estados.

Ele dá detalhes da pesquisa e da elaboração de seus livros “Charles Richet: o apóstolo da ciência e o espiritismo”, e “Anna Prado: a mulher que falava com os mortos”. Os dois trabalhos se mostram ligados ao espiritismo no norte do Brasil (Pará e Amazonas), que tinha canal direto com a Europa no século 19, em decorrência das riquezas decorrentes do ciclo da borracha e de sua infraestrutura portuária e de transporte fluvial.

Samuel fala da trajetória da construção do conhecimento, seu encontro com familiares das pessoas estudadas, documentos, mudanças de concepções pré-existentes (Anna Prado é do Amazonas e não do Pará) e novas informações (a desencarnação de Anna Prado). O livro sobre Richet foi considerado por Gabriel Richet a melhor biografia já escrita sobre seu avô, Nobel de medicina, um dos fundadores da metapsíquica, esperantista e estudioso de fenômenos espíritas com Gabriel Delanne. O livro hoje se encontra na biblioteca da Universidade de Paris.

Assista a entrevista no YouTube com o seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=6HEBuEwuaQE

Ou acesse YouTube – TV Célia Xavier – Esquina do Célia e escolha a entrevista




4.9.20

VOLUNTÁRIOS ESPÍRITAS SÃO ASSUNTO DE TESES DEFENDIDAS EM UNIVERSIDADE!

 



Nesses livros, os voluntários de centros espíritas são estudados. O que motiva os voluntários espíritas? Qual é a relação entre trabalho voluntário e fé? Quais são os valores do espiritismo? O que dizem os antropólogos sobre o espiritismo? O trabalho voluntário pode ser fonte de prazer e sofrimento, como o trabalho profissional? Essas e outras questões são discutidas nos dois livros.

2.9.20

PUBLICADOS OS PRIMEIROS MANUSCRITOS DE ALLAN KARDEC EM PORTAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

 



O Projeto Allan Kardec lançou ontem os cinquenta primeiros manuscritos (cartas e anotações) de Allan Kardec. É uma parceria entre a Fundação Espírita André Luiz (FEAL) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

As imagens dos documentos, suas transcrições (em alguns casos) e suas traduções para a língua portuguesa estão disponíveis ao público. 

As que foram disponibilizadas são do arquivo Canuto Abreu. 

Já li algumas, e elas nos mostram mais a pessoa de Kardec, interagindo com interessados no espiritismo de uma forma geral, até mesmo com espíritos. A primeira impressão foi de uma pessoa gentil e cuidadosa com os que o procuravam, com uma formalidade mínima, mas com franqueza na escolha das palavras.

Comecemos a leitura e as análises!

http://projetokardec.ufjf.br/?fbclid=IwAR3dqFyVu1wq7KhrWlpnR1NVj1QYHYzPQ_hJA-WBi0Y5E2CTj1V7GzFUFSg

29.8.20

A ESCRAVIDÃO QUE NÃO VEMOS NO DIA A DIA

 

Um tema que marcou profundamente a cultura brasileira e que podemos entender como uma “doença da sociedade” a ser tratada é a questão da escravidão. Como costuma acontecer, hoje nossa legislação proíbe o trabalho escravo, que vez por outra ainda sobrevive em rincões do país continental, mas a instituição da escravidão ainda está nas nossas mentes e é passada entre gerações.

Estou publicando esse texto no Espiritismo Comentado em homenagem a Bezerra de Menezes, que enquanto encarnado trabalhou pela abolição da escravatura, uma abolição que incluísse os escravos brasileiros na sociedade, e que após desencarnado continuou escrevendo sobre o tema. É uma questão muito cara ao cristianismo e ao espiritismo.

O Brasil é o país das Américas sem o “sonho americano”. Para a grande maioria dos brasileiros, o trabalho ainda não é a via promotora da ascensão e da independência do trabalhador. Um efetivo imenso de trabalhadores em nosso país recebe um salário tão ínfimo, e agora tão despido de garantias sociais, que não lhes permite manter uma família com um ou dois filhos, e quiçá até a si mesmo. O que causaria espanto nos países europeus ou na América do Norte, continua sendo visto como “natural” por um número majoritário dos brasileiros.

Ainda hoje há um grande efetivo de trabalhadores que são incapazes de se sustentar com seu próprio trabalho, legal e registrado e vivem em situação semelhante à vida nas senzalas. Com alimentação precária, sem instalações sanitárias mínimas, sem o direito à intimidade em função da precariedade do espaço, com acesso precário ao atendimento médico e dentário, muitos sem possibilidade de educação dos filhos ou acesso a instituições escolares tão aviltadas que são incapazes de assegurar a mínima formação cultural e profissional, sem direito efetivo à segurança e vivendo em relações de extrema violência. 

A lei áurea data de 1888, mas a mentalidade escravagista, que acha natural que um trabalhador não se possa sustentar, não tenha capacidade de estudar, deva se contentar com um “bom patrão”, manteve diferenças absurdas em nossas leis, como uma espécie de trabalhador de “segunda linha”, os domésticos, que apenas em 2015 obtiveram direito a Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, adicional noturno, seguro-desemprego, entre outros direitos já assegurados a outras categorias de trabalhadores.

Uma grande massa de pessoas prefere as ruas das grandes cidades, lavando e “cuidando” de carros, vendendo objetos ou mesmo mendigando para viver e, talvez, recebam mais dinheiro que aqueles que trabalham.

Não bastasse esse país surreal, para não falar da criminalidade organizada e sua capacidade de recrutar jovens recém saídos da infância para as instituições do tráfico de entorpecentes e alucinantes, do furto e do roubo violento, ainda subsistem famílias e pequenas comunidades, em aglomerações sem acesso por estradas asfaltadas, em terras áridas ou improdutivas, em condições tão piores que as periferias e as ruas das grandes cidades, que alimentam continuamente os fluxos migratórios em busca, se bem sucedidos, da vida nas favelas ou nas ruas, que significa para eles algum avanço social. Esses têm ainda filhos sem acesso a postos de saúde, sem escolas, sem nada. Vivem sob o signo da esperança do socorro divino, quando têm o consolo de uma religião.

Enquanto tudo isso for visto como “normal” ou “natural” pelo brasileiro comum e, consequentemente, por seus representantes nos diversos órgãos de estado, continuaremos sendo escravagistas, mesmo depois da assinatura da lei áurea. Defenderemos a liberdade com as palavras, mas remuneraremos os que trabalham com valores tão mesquinhos que não assegurarão o mínimo: habitação, saúde, alimentação, educação e cultura. Enquanto não percebermos que toda pessoa humana tem direito a uma dignidade mínima e a viver com essa dignidade a partir de seu próprio trabalho, o tempo vai passar e continuaremos reproduzindo no Brasil a essência da antiga sociedade de senhores e escravos, considerada equivocadamente um mal do qual não se pode ficar livre em curto prazo, porque “as coisas sempre foram assim”. 

21.8.20

O QUE SÃO QUESTÕES FILOSÓFICAS? A VIDA.

 


O prof. Humberto Schubert fala do "lugar da filosofia".

O desconhecimento da filosofia pela grande maioria da população brasileira faz com que se misturem questões filosóficas com científicas e as pessoas considerem determinadas posições de cientistas como se fossem verdades.

Uma dessas confusões, por exemplo, é a resposta da questão "o que é a vida?", que implica na resposta de "quando a vida começa" e de "quando a vida termina".

A vida é um conceito filosófico, não científico, com implicações seríssimas para o dia-a-dia de todos nós. Vi, por exemplo, um argumento muito falacioso, ser tomado como "verdade científica", muito recentemente.

Um médico me disse que o critério utilizado para o "fim da vida" pela medicina é a morte encefálica. Então, argumentou, falaciosamente, que o funcionamento cerebral é a demarcação do fim da vida. Logo, conclui, a formação do cérebro deve ser usada como o critério do "início da vida", e ela se dá a partir de três meses (afirmou ele, eu não sei).

Uma jovem me disse que "cabe à ciência" e não à religião estabelecer o início da vida.

Pois bem, em uma ótica filosófica, há muitos erros de argumentação em todas as afirmações.

O estabelecimento da morte pela medicina, é um conceito operacional. A "morte" para os intensivistas é estabelecida a partir dos recursos técnicos disponíveis. Se não houver possibilidade de recuperação, considera-se a pessoa morta. Isso se tornou muito importante com o avanço da medicina e o desenvolvimento da tecnologia de medicina intensiva. Antes os médicos consideravam a parada cardiorrespiratória como o "critério" de morte. Eles assim o faziam, não porque o coração e os pulmões fossem considerados como órgãos da vida, mas porque sua parada denotava o fim dos recursos da medicina. Com o tempo, a medicina aprendeu a ressuscitar e manter as funções cardíacas e pulmonares, através de aparelhos. E constatou algo ainda pior: ela poderia manter um corpo funcionando mecanicamente por muito tempo, e se os aparelhos fossem desligados, toda a vida orgânica cessaria. Surgiu então um novo desafio: até quando o corpo pode ser considerado "vivo"? E mudou-se o critério graças às novas tecnologias, da seguinte forma: quando o encéfalo "parar de funcionar", estabelece-se a "morte encefálica", porque esse organismo não sobrevive sem o auxílio de equipamentos, e não há recursos para que volte a funcionar de forma autônoma e consciente. Se houver um avanço na medicina e surgirem recursos para a recuperação de algumas funções encefálicas que hoje não são recuperáveis, esse conceito irá mudar novamente.

Então, a medicina ou as ciências não definem o que é vida, nem o que é morte. Esse é um trabalho filosófico. Significa dizer que na filosofia de orientação materialista, definir-se-á vida com base no organismo, porque o filósofo materialista "definiu" vida a partir do funcionamento da matéria. Um filósofo espiritualista tem uma visão muito diferente, porque, por exemplo, aceita o conceito de alma. Um filósofo cético radical vai considerar impossível a definição de vida, porque o conhecimento não é possível. Não importa o quanto as ciências avancem, a concepção de vida e morte é uma questão filosófica, e não científica. Não é possível esperar de um cientista a solução de questões como "o que é a vida", de forma imparcial. Se ele tentar responder, o fará com base em uma posição filosófica, que não necessariamente é a única, nem a verdadeira.

Isso nos mostra como é importante saber discutir a questão ciência-religião, que o prof. Humberto apresenta muito rapidamente na apresentação acima. Além dessas duas formas de conhecimento, há o conhecimento filosófico. Isso é muito importante no momento de pandemia em que passamos, no qual perguntas legitimamente científicas, como "há um tratamento eficaz para o vírus da COVID", sai da esfera das ciências, e se torna dogma político. As pessoas escolhem um determinado medicamento, não com base nas evidências, mas na confiança que têm em um determinado líder, que se baseia em vozes não consensuais (mas minoritárias) no campo das ciências.

Outra conclusão que podemos tirar da questão acima, tratada de forma superficial, de "o que é a vida", é que se aplicarmos o mesmo critério da medicina intensiva para estabelecer um critério para o aborto, o início da vida é a fecundação. Parece paradoxal, mas não é. Se o critério para o estabelecimento da morte, é a "ausência de recursos para o restabelecimento do funcionamento do organismo humano", o mesmo critério aplicado à vida seria o ponto a partir do qual o organismo se desenvolve naturalmente, torna-se viável, desde que não haja algum impedimento técnico. Esse ponto, é o da fecundação do óvulo pelo espermatozóide. 

Em uma abordagem filosófica, o argumento da formação inicial do encéfalo, como critério do surgimento da vida é falacioso. E isso traz muitas implicações éticas com as quais até mesmo os médicos não querem tratar, como, por exemplo, os óvulos que foram fertilizados "in vitro". Seriam eles seres de direito? Pode-se fertilizar e descartar os que não forem inseminados artificialmente? A concepção da vida a partir da fertilização dos óvulos incomoda a muitos interesses, não é mesmo?

18.8.20

MEMÓRIA E CARINHO

 


Anésia e Pedro Machado (Foto de Gabriele Machado)


Temos um conflito de propósitos no meio espírita que precisa ser bem refletido. De um lado, atitudes contra o orgulho e a bajulação, capazes de fazer "inchar o ego" de uma pessoa, fazê-la acreditar ser melhor do que realmente é. De outro, temos a importância do reconhecimento, do afeto e da memória. 

Estava lendo uma área da fronteira entre psicologia e sociologia, chamada psicologia do trabalho, para um evento da ABRAPE (Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas). Christophe Dejours, um de seus autores franaceses bem conhecido, teorizou sobre a importância do reconhecimento para se ter um trabalho prazeroso, reconhecimento pelos pares, pela coordenação, por aqueles que se beneficiam com o trabalho de alguma forma. Há muitos anos temos trabalhado pela preservação da memória do movimento espírita. A professora Míriam Hermeto nos lembra que:

"... todo grupo social tem o direito de produzir cultura e de se apropriar da cultura que ele próprio produz e daquela em que está inserido. Mas, muitas vezes, não se conhece a existência destes direitos e tampouco se reconhece a sua importância." (Motta, 2003).

Associando as duas coisas, com a finalidade de não esquecer as pessoas que fizeram nossa casa e nossa história, a TV Célia Xavier criou o programa "Papo das 10", que iniciou-se no último domingo às dez horas da manhã. No primeiro programa, Najla levou Pedro e Anésia Machado, que estão conosco na Associação Espírita Célia Xavier há muitas décadas. O programa trouxe muito afeto, mostrou como eles criaram uma tessitura de amigos, de companheiros de trabalhos, de memórias, envolvendo diversas cidades e grupos espíritas, ao redor do seu trabalho voluntário. Com certeza, o programa emociona a quem os conhece e a quem é trabalhador no Célia Xavier, de forma especial, mas todos poderão ver como é importante mostrar o afeto na telinha e lembrar juntos os caminhos por onde se passou.

Confira abaixo a entrevista deles.

16.8.20

A CURIOSA LIGAÇÃO DE UMA MÉDIUM DE PERNAMBUCO COM UMA INSTITUIÇÃO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO-SP

 


Crianças pequenas sendo educadas (principalmente cuidadas) no Lar da Criança Emmanuel


Sábado passado foi noite de "Esquina do Célia", um programa de entrevistas da TV Célia Xavier. A convidada da noite foi a dinâmica Izabel Vitusso, da editora e jornal Correio Fraterno, e atual presidente do Lar da Criança Emmanuel. O assunto da noite foi a mediunidade de Dolores Bacelar.


O trabalho com as crianças, inicialmente um orfanato, atraiu Dolores Bacelar ao Lar da Criança Emmanuel, nos anos 1980. Ela se interessou tanto pela iniciativa, que doou os direitos autorais de toda a sua obra psicografada para eles.

Dolores era médium mecânica e iniciou sua educação mediúnica na Federação Espírita Brasileira, no Rio de Janeiro, cidade em que foi morar logo após o casamento, onde o marido havia conseguido um emprego.

O primeiro livro, atribuído ao espírito Alfredo (que depois se descobriu tratar-se do Visconde de Taunay) foi "A Mansão Renoir", um romance espírita de muita visibilidade.

Izabel nos conta na entrevista a vida da discreta médium, alguns eventos mediúnicos e cada um de seus livros publicados pelo Correio Fraterno. Poesias, contos e romances são algumas de suas produções.

Meu autor preferido usa o pseudônimo de "Um Jardineiro", e nos parece ser Rabindranath Tagore, que recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 1913. Na entrevista conversamos sobre as características do autor bengali no texto psicografado pela médium. Uma das características que permanece após a morte é a tentativa de mostrar as semelhanças das diferentes tradições religiosas do ocidente e do oriente.

Não vou falar muito mais para não dar spoiler. Deixo com vocês uma foto bem elegante da médium com seu marido. 


Hoje o Lar da Criança Emmanuel atende a duzentas crianças em dois grandes projetos, mas os recursos públicos, como acontece na maioria dos casos, cobre apenas parte dos custos. No site do lar, os paulistas e paulistanos podem ajudar destinando os recursos da Nota Fiscal Paulista para o Lar.

Quem estiver mais interessado em ajudar, pode doar um teclado para as aulas de musicalização que estão fazendo com as crianças maiores. 

11.8.20

AQUELA DA PASSAGEM AÉREA ERRADA QUE VIROU CENTENAS DE ATIVIDADES!



Há uns treze anos participei de um congresso no Paraná e os organizadores compraram uma passagem Maringá - São Paulo, que chegava de manhã e partia para Belo Horizonte à tarde. Em vez de ficar horas a fio no aeroporto, resolvi fazer uma limonada do limão e entrei em contato com a Izabel Vitusso, do Correio Fraterno. Ela gentilmente se dispôs a me levar ao Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo para conhecer.

Chegando em São Paulo, mudança de planos. Izabel me levou no Lar da Criança Emmanuel, em São Bernardo do Campo, antes de irmos ao CCDPE-ECM. Fiquei conhecendo também, por dentro, o Correio Fraterno. Como não perco a oportunidade de fazer uma boa matéria, e na época tinha fôlego de sobra, fotografei e colhi as informações que se transformaram na matéria sobre a creche que saiu dia 02/10/2007 - https://espiritismocomentado.blogspot.com/search?q=Tia+Lol%C3%B4 

Depois, Izabel levou-me para conhecer o CCDPE-ECM. Fiquei conhecendo pessoalmente a Júlia Nezu, e, no almoço, fui convidado a ajudar a reativar o Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo.

Desde então, tem sido uma troca muito intensa entre o Correio, o CCDPE-ECM e o Espiritismo Comentado. O quarto Enlihpe já está na sua décima sexta versão, suspensa pela pandemia. O Correio Fraterno, então, nem se fala.

Por todas essas histórias e mais uma, que será contada ao longo da entrevista com Izabel é que a convidamos com muita alegria para falar dos livros da médium Dolores Bacelar, que são editados pelo Correio. Dolores já está no plano espiritual, mas sua imensa discrição fez com que ela ficasse pouco conhecida enquanto estava encarnada, apesar da qualidade literária e doutrinária de seus livros, que vez por outra aparecem no EC. 


Quem é o espírito "Um jardineiro", que tem dois livros psicografados?

Dolores tem o seu "Parnaso de Além Túmulo"?

Um romance de judeus, assírios e persas?

Contos de diversos autores brasileiros desencarnados?

Confiram no próximo sábado.

27.7.20

AMÁLIA DOMINGO SOLER: UMA MULHER MUITO A FRENTE DE SEU TEMPO




No afã de ler novos romances, os grandes autores espíritas vão ficando esquecidos pelo público espírita em geral. A história do espiritismo na Espanha é um capítulo especial, e deveria ser conhecido por todos.

Talvez a "pedra preciosa" da coroa do espiritismo espanhol seja Amália Domingo Soler. Uma mulher solteira, em uma sociedade na qual se desejava que ela casasse ou se tornasse freira, intelectual (mesmo que sem acesso à escolaridade formal), pobre, mas imensamente dedicada. Hoje, Amália é reconhecida como grande escritora espanhola de sua época, e há teses acadêmicas dedicadas a ela, como escritora e mulher.

Ainda hoje, o livro "Memórias do Padre Germano", ditado psicofonicamente pelo médium Eudaldo Pagés e escrito por ela, inicialmente em forma de contos, depois em forma de romance, é um dos mais impressionantes livros da literatura espírita.

O que ela escreveu? Como era o espiritismo na Espanha do século 19? Com quem debateu em sua época? Como se tornou uma mulher tão iminente em uma sociedade católica e masculina? Como lutou com a cegueira? Como se tornou um ponto de conexão entre o espiritismo na península ibérica e o nascente movimento espírita latino-americano? Ela era membro da maçonaria, mesmo sendo mulher?

Essas e muitas outras perguntas foram respondidas por Débora Zambalde Vitorino, tradutora dos textos ainda inéditos em português por Amália. São mais de dez anos recuperando material em língua espanhola, estudando, traduzindo, escrevendo e falando sobre Amália. Uma aula de erudição e recuperação da memória da jovem Sevilhana, cuja admiração pelos europeus superou o século, a cultura e até mesmo a religião. 

Assista abaixo a entrevista:




Segue abaixo o link para os anais do Congresso Espírita Internacional de 1888, na Espanha, citado no programa acima: 

21.7.20

INICIATIVAS BRASILEIRAS E FRANCESAS DE PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA ESPÍRITA





Depois do programa Conversa com Bial, diversos amigos, todos trabalhadores espíritas, vêm entrando em contato para ouvir a opinião do Espiritismo Comentado sobre a entrevista que o Bial fez com Dora Incontri e com Marcel Souto Maior.


Em nossa opinião, a entrevista como um todo projetou uma imagem racional e favorável do espiritismo para a população brasileira, muito diferente da imagem que ficou com o caso de João de Deus, que, mesmo não sendo espírita, era confundido como tal por se apresentar como médium. Na mentalidade de grande parte dos brasileiros “é tudo a mesma coisa”, e a multiplicidade de experiências religiosas não vem acompanhada com uma clareza na distinção de princípios, proposições e práticas.

Houve um sensacionalismo na mídia de divulgação do programa, feita pela própria emissora, ao falar de descobertas novas e atribui-las à Dora. Ao longo da entrevista, vê-se que ela não se colocou nesse lugar.

Um exemplo do sensacionalismo da mídia global, para quem quiser conferir: 


A entrevista foi muito rica em informações então vamos nos deter nos dois pontos mais questionados: as novas informações sobre a história do espiritismo e, especificamente, a família de Allan Kardec.

Dora Incontri fez menção a algumas descobertas já tornadas públicas por instituições que estão trabalhando com a conservação, transcrição e tradução da correspondência de Kardec e com os documentos copiados por Canuto Abreu na França no período entre guerras, que estava guardado e acesso vetado pelos seus herdeiros.

Além dessas duas iniciativas há uma grande pesquisa que vem sendo feita via internet. Ela se baseia no acesso digital aos arquivos, documentos e coleções europeias das mais diferentes instituições, como cartórios, bibliotecas e órgãos governamentais.

Achei curioso como um grande número de pessoas desconhece o trabalho que vem sendo feito na preservação da memória do espiritismo. As cartas de Kardec compradas dos descendentes de Leymarie e o acervo de Canuto Abreu, especialmente esse último, é quase uma novela com diversos capítulos. Paulo Henrique de Figueiredo nos explica em seu livro “Autonomia: a história jamais contada do espiritismo”, que o acervo de Canuto Abreu (documentos escritos à mão ou datilografados) estão sob os cuidados da Fundação Espírita André Luiz, em São Paulo.

Imagem do C.S.I: Imagens e Registros


Com relação às pesquisas pela internet, gostaria de destacar o Carlos Seth Bastos e seu C.S.I. (Codification, Séances, Investigation): Imagens e Registros Históricos do Espiritismo, pelas contribuições que vêm dando nessa frente de trabalho. O Carlos vem publicando seus achados em três espaços:

https://www.allankardec.online - clicar no canto inferior direito, imagem CSI

Uma das ilustrações que se encontra em allankardec.online

Outro espaço virtual em que se tem publicado documentos digitalizados referentes a Allan Kardec e sua época é o AllanKardec.online. Seu acervo tem por base a Librairie Leymarie e aquisições em outras livrarias especializadas. Seu curador se chama Adair Ribeiro. Eles trabalham em conjunto com o Carlos, citado acima, e o Charles Kempf (veja abaixo). O endereço digital já foi disponibilizado acima:


Há também uma página do Facebook:


As informações da família de Kardec, como a filha Louise e o pai, foram publicadas inicialmente por um espírita francês. Charles Kempf, em outubro de 2018, divulgou em português os achados referentes à correspondência pessoal de Rivail com Amélie que citam a menina Louise, possivelmente desencarnada enquanto os pais adotivos estavam vivos. Ele pode ser lido em http://ismaelgobbo.blogspot.com/2018/10/artigo-inedito-por-charles-kempf.html

Foi também o Charles quem publicou sobre o pai de Allan Kardec. O texto em português pode ser lido no site da Federação Espírita do Paraná com os endereços eletrônicos das fontes: http://www.feparana.com.br/topico/?topico=2255No entanto, posteriormente esta informação foi revisada, pois descobriu-se seu paradeiro, conforme explicado por Carlos Seth em https://www.facebook.com/HistoriaDoEspiritismo/posts/407144190049369

Pessoalmente, não há como negar que uma história de perdas de pessoas queridas pode vir a afetar os interesses de uma pessoa, mas acho ainda especulativo associar as desencarnações ao interesse pelos fenômenos espíritas. Principalmente porque conhecemos a grande maioria dos trabalhos públicos de Kardec, que são extensos, e ele sempre defende os interesses de cientista ante os fenômenos espirituais que estudou.

A posição de Dora contra a idealização de médiuns é muito correta e sensata. Nosso trabalho, como estudiosos do espiritismo, é sempre conhecer bem a doutrina e as afirmações dos espíritos, verificar onde se baseiam, confrontar diferenças e concluir na defesa do que está devidamente fundamentado, argumentado, lógico, venha de quem vier. Isso me fez recordar Sócrates, condenado à morte pela defesa racional de suas ideias, que desagradavam as elites gregas.

13.7.20

BEZERRA DE MENEZES NA "ESQUINA DO CÉLIA"


Livro do entrevistado sobre Bezerra de Menezes



No último sábado iniciamos o programa "Esquina do Célia". O nome estranho é bem conhecido dos membros e egressos da mocidade da associação, porque a sede da AECX é um sobrado que fica na esquina das ruas Chopin e Cel. Pedro Jorge. Após o término da mocidade, queríamos ficar conversando, mas o responsável pela casa tinha que fechar as portas. Então ficávamos conversando na esquina à luz da iluminação pública.

Nosso primeiro convidado foi o professor Luciano Klein Filho, historiador, que se encontra presidente da Federação Espírita do Estado do Ceará. Ele tem estudado seu conterrâneo, Bezerra de Menezes, há muitos e muitos anos, e já está com um novo livro sobre o médico cearense quase pronto. 

Conversamos sobre a vida, as esposas, a abolição, a ação política, a construção de um movimento espírita articulado, a medicina, o espiritismo, as publicações nos jornais públicos e, como diz Luciano, o xodó de Bezerra de Menezes que é "A loucura sob novo prisma". 

Luciano nos traz uma releitura e uma nova visão de Bezerra, mais humanizada e menos santificada. Ele nos mostra as escolhas do homem, o sofrimento da perda dos filhos, as relações de amizade e conflito de ideias com Torteroli e muitas outras informações que uma pessoa que leu as biografias disponíveis (incluindo a organizada pelo próprio Luciano) possivelmente desconhece.

Trazer o sotaque cearense às terras de Minas, numa conversa rica de informações, reflexões e propostas, muito nos enriqueceu. Deixo abaixo o link de incorporação da entrevista que passou muito rápido, lamentando a qualidade do sinal da operadora Vivo, que quadriculou a minha imagem e metalizou a voz, em alguns momentos da entrevista, apesar da conexão via cabo.


10.7.20

PEQUENAS EDITORAS, GRANDES AUTORES



Livro do espírito Alfredo psicografado por Dolores Bacelar

Em tempos de pandemia, quem está em isolamento social talvez tenha mais tempo para ler. E nós, espíritas, via de regra gostamos de ler bons autores espíritas. Cada um tem suas preferências de estilo literário, tema e até mesmo autor, mas em matéria de espiritismo, temos grandes autores, principalmente encarnados, que publicaram grande parte de sua obra em editoras menores, antes de terem acesso a selos de maior circulação no meio espírita, como a Federação Espírita Brasileira, por exemplo.

Nas últimas décadas surgiram muitas editoras, menores, mas algumas muito boas. Quando comecei a ler livros espíritas, aos 13 anos de idade, havia cinco grandes selos na nossa livraria espírita: a Federação Espírita Brasileira - FEB, a Livraria Allan Kardec Editora - LAKE, o Instituto de Difusão Espírita - IDE, O CLARIM e Correio Fraterno. Aos poucos, diversas novas editoras foram surgindo e gostaria de falar nesta matéria de alguns autores e editoras.

Uma médium pouco conhecida no meio espírita, hoje, mas com trabalhos literariamente muito importantes e doutrinariamente qualificados é Dolores Bacelar. Eu já havia lido praticamente tudo o que tive acesso dela, quando vi sua foto pela primeira vez, próximo à sua desencarnação. Já comentei aqui no Espiritismo Comentado um ou outro de seus livros: romances, páginas soltas, contos... Quem a publica é a Correio Fraterno, editora batalhadora situada na cidade de São Bernardo do Campo, São Paulo. 

De Raymundo Espelho, para conhecer Herculano Pires

Um gigante do pensamento filosófico espírita em São Paulo, com incursões pelos mais diferentes temas e áreas de conhecimento, é José Herculano Pires. Jornalista, ele nos deixou mais de oitenta títulos de livros espíritas, alguns muito conhecidos e outros nem tanto. Sua formação em filosofia influenciou muito seu estilo próprio de articular pensadores e pesquisadores contemporâneos seus a sua amada doutrina espírita. Ele foi um dos polemistas que agiu na defesa do pensamento kardequiano, penso que em decorrência da própria filosofia que valoriza a compreensão clara dos conceitos e afirmações dos autores inovadores de novas escolas. Hoje, a família de Herculano assumiu a Fundação Maria Virgínia e José Herculano Pires, que mantém a editora Paideia, uma das “artes” do autor ainda vivo.

Hermínio escreve sobre a médium Regina

Outro autor que nunca canso de divulgar é Hermínio Correia de Miranda. O “escriba”, como é conhecido na intimidade, fez um resgate importante de autores espíritas e espiritualistas das línguas inglesa e francesa, escreveu trabalhos originais em matéria de espiritismo, tratando de questões interessantes, como o autismo e o transtorno de dissociação de identidade. Hermínio mostrou suas próprias observações e fez incursões extremamente originais na história do cristianismo. Ele publicou por diversas editoras, mas a que ainda tem o maior número de seus títulos é a Lachâtre, fundada em Niterói e, agora, no estado de São Paulo.

Um dos livros mais conhecidos de Cairbar

Cairbar Schutel é um autor do início do século 20 que escreveu um grande número de livros entre os quais se destaca o estudo do evangelho à luz do espiritismo e diversos temas doutrinários, comuns a sua época. Ele estabeleceu-se em Matão, no interior de São Paulo, onde fundou o Jornal “O Clarim” (1905) e a “Revista Internacional de Espiritismo” (1925). 

Um dos últimos livros ditados por Irmão X (Humberto de Campos)

Quando o assunto é Chico Xavier, a maior editora de seus livros ainda é a Federação Espírita Brasileira, mas ele teve trabalhos específicos publicados por editoras menores. A editora do Grupo Espírita Emmanuel - GEEM, por exemplo, tem em seu catálogo um grande número de livros psicografados por Chico nos anos 70 e 80, tornando públicas as cartas que ele recebia para familiares em situação de luto. São cerca de 90 livros ditados médium mineiro em seu catálogo. Outra editora com uma linha de publicações muito interessante é Vinha de Luz, que vem recuperando textos não publicados do Chico, mostrando mais da história do médium em Pedro Leopoldo e trazendo a público o que estava condenado a ficar em gavetas ou em prateleiras de museus. Outra editora pequena é a Cultura Espírita União - CEU, que tem um número razoável de livros de Chico Xavier, psicografados nas últimas décadas de seu trabalho como médium.



Eduardo Carvalho Monteiro é outro autor interessante, com uma proposta diferenciada. Ele se interessou bastante pela história do movimento espírita, mesmo não sendo historiador por profissão. Empenhou-se na obtenção de livros e documentos que formaram a base do que hoje é chamado Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro (CCDPE-ECM). Boa parte de sua obra e pesquisas se acham publicadas pela editora do CCDPE-ECM. Os títulos de seus livros são encontrados em http://ccdpe.org.br/sobre-o-ccdpe/eduardo-carvalho-monteiro/


Um livro de reflexões sobre a teoria e a prática da mediunidade

Raul Teixeira é mais um médium e divulgador importante da atualidade. Algumas dezenas de livros em torno da sua obra se encontram sendo vendidos pela editora Fráter. Seus livros ditados pelo espírito Camilo têm por foco as reflexões sobre a vida à luz do espiritismo. Família, educação, prática da mediunidade e juventude são alguns de seus temas pela mediunidade do médium fluminense.

Por que estou divulgando as pequenas editoras espíritas? Por causa de coisas que a modernidade e o comércio fazem. Hoje temos distribuidoras espíritas, que adquirem os livros das diversas editoras e facilitam o pedido para as livrarias espíritas. Como têm finalidade comercial, escolhem os livros mais vendáveis, e deixam de adquirir livros com menor apelo comercial, o que tem por consequência a ausência dos livros desses e de outros grandes autores nas prateleiras das livrarias espíritas. Sem acesso aos livros, os autores vão ficando esquecidos, ou pior, desconhecidos.

Nessa época que vivemos, a compra de livros não se faz mais indo presencialmente ao centro espírita e escolhendo um dos livros. Então gostaria de recomendar aos que compram pela internet para dar uma olhadinha nos sites dessas editoras espíritas. Vale a pena  escolher alguns desses autores para ler e conhecer. 

Instituto Lachâtre – https://www.lachatre.com.br/loja/
CCDPE-ECM – http://ccdpe.org.br/

Agradeço a todos os que leram o artigo antes da publicação e me ajudaram a torná-lo melhor! Ajudem a divulgar.

7.7.20

"MEMÓRIAS DE UM SUICIDA" E YVONNE PEREIRA


LIVRARIA YVONNE: MEMÓRIAS DE UM SUICIDA | Fraternidade Espírita ...

A TV Célia Xavier, conjuntamente com a reunião de pais das tardes de sábado produziram uma live, na qual o prof. Sandro Márcio nos entrevistou sobre a médium Yvonne Pereira e, principalmente, seu livro "Memórias de um suicida". Depois veio a conversa com o público. Confiram! Se gostarem, não se esqueçam de avaliar.


Um errinho: o escritor português para quem Camilo Castelo Branco escreveu após sua desencarnação chama-se Silva Pinto, e não, Souza Pinto. É a idade...