Allan Kardec publicou em 1863 o trabalho intitulado "Período de Luta" no qual ele fez uma avaliação do progresso do movimento espírita, à época. Em outras publicações ele havia identificado períodos por que passava o movimento espírita, mas neste texto quase desconhecido pelo movimento espírita atual, ele tece considerações que merecem uma análise.
Kardec identifica o primeiro período do espiritismo como sendo o da curiosidade. Podemos identificar na biografia de Rivail, especialmente os relatos autobiográficos que compõem o livro "Obras Póstumas", um convite recebido por ele de Fortier para que conhecesse as mesas girantes. Recusado em princípio, mas intrigado com as características do fenômeno, o professor procura grupos familiares onde as experimentações eram feitas. Após observar, ele se convence que havia inteligências incorpóreas por detrás dos movimentos, e dispõe-se a dialogar com elas. É difícil traçar datas, mas esse período deve cobrir os anos de 1853 a 1855-56.
O segundo período é intitulado filosófico. Ele parece cobrir essencialmente as pesquisas e os diálogos que teve com os espíritos. Satisfeito com as demonstrações de sua existência, o pesquisador decidiu discutir grandes temas da filosofia com seus interlocutores desencarnados. A existência de Deus, a origem do homem, a criação do universo, o mito adâmico, o mundo dos espíritos, as condições dos espíritos, a felicidade, as ideias inatas, as leis do universo, o futuro, entre outros, foram seus objetos de questionamento. Um estudioso da filosofia identifica as raízes de muitas das questões que comporiam O Livro dos Espíritos em obras de autores que vão de Sócrates e Platão a Descartes, os empiristas ingleses, os racionalistas alemães, etc. Se fôssemos identificar este período na biografia de Rivail/Allan Kardec, ele envolveria a preparação de seu primeiro livro espírita (1856/1857), suas primeiras publicações até O Livro dos Médiuns (1861), a fundação da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (1859) e da Revista Espírita (1858).
O terceiro período foi identificado por Allan Kardec como o período de luta. Nele identificamos incidentes como o que aconteceu em Barcelona, envolvendo a queima de livros encomendados por Maurice Lachâtre, por ordem de autoridade eclesiástica (1861). Daí para a frente, a igreja católica inseriu os livros de Kardec no Index Prohibitorum e abriu campanha contra o espiritismo. Nas páginas da Revista Espírita se pode acompanhar os debates com os opositores das ideias espíritas, que estão em diferentes lugares das sociedades europeias. Quando escreveu o texto que citamos Kardec afirma: "Estamos, pois, plenamente no período de lutas, mas ele não terminou."
O quarto período previsto pelo druida reencarnado seria o período religioso. Não há nenhuma explicação no texto, mas nota-se que ele envolveu os anos subsequentes da obra de Kardec. "O evangelho Segundo o espiritismo" (1864) e "O céu e o inferno, ou a justiça divina segundo o espiritismo" (1865) são trabalhos que se voltam ao cristianismo. Se no evangelho, Kardec privilegia a questão moral, o mesmo não se dá em O céu e o inferno, no qual se discute racionalmente a teologia católica, em comparação às crenças clássicas (greco-romanas). Kardec tenta apontar a superioridade da concepção da justiça divina no pensamento espírita, e suas origens nas declarações dos espíritos, que ele transcreve na segunda parte, mostrando seres em diversas condições evolutivas e focalizando seus atos e consequências. Mesmo no corpo de "A gênese, os milagres e as predições segundo o espiritismo" (1867), livro considerado científico pela articulação entre o debate proposto pelo codificador entre a gênese moisaica e as teorias de formação da terra, além das comunicações sobre o tema obtidas na Sociedade, ele se volta a questões evangélicas, como os milagres do Cristo e as predições, reinterpretados ante as descobertas e contribuições da ciência espírita. Note-se que são temas evitados por Kardec em "O evangelho segundo o espiritismo", e dissertados amplamente neste livro. Veja que apesar de refutar o caráter institucional da religião para o movimento espírita, que desejava fosse racional e democrático, ele não nega um caráter religioso do espiritismo.
O quinto período previsto por Kardec seria um período intermediário, sobre o qual ele não consegue fazer antecipações. É, possivelmente, o que vivemos agora. O movimento não continuou seu crescimento exponencial como desejava o prof. Rivail, as guerras mundiais e as instituições políticas tomaram a cena na Europa, o espírito cético e materialista fez diversas objeções ao progresso dos estudos espíritas nas universidades e centros de pesquisa, apesar de não tê-los conseguido interromper. O movimento espírita teve grande aceitação no Brasil, onde conta com milhões de adeptos, e agora volta-se a uma nova empreitada voltada à internacionalização. As ideias espíritas, como a imortalidade e a reencarnação, estão mais presentes nas sociedades ocidentais.
O sexto período igualmente antevisto e proposto no texto é o período da renovação social, que teria início no século XX, mas que ainda se acha em construção. Kardec escreve que a "geração que surge, imbuída das ideias novas, estará em toda a sua força e preparará o caminho da que deve inaugurar a vitória definitiva da união, da paz e da fraternidade entre os homens, confundidos numa mesma crença, pela prática da lei evangélica". Ainda não vivemos este momento histórico, mas muitos avanços se fizeram na questão dos direitos humanos, nas concepções de justiça e se não vivemos ainda o desejo de Rivail, estamos mais próximos dele que estávamos no século XIX.
O espiritismo concebido por Kardec não ficou circunscrito às ciências ou às filosofias, mas foi visto como uma força de mudança social a partir da transformação ética dos homens. Este é um ponto que gerou discussões no meio espírita de sua época e que deve ser recordado e pensado pelas casas espíritas.