13 manuscritos descobertos em Nag Hammadi - Egito, 1945
O Novo Testamento é um livro cujos evangelhos são baseados em narrativas originalmente feitas em aramaico, que era a língua semítica falada em regiões como a Galileia e a Judeia, escritas anos depois, a partir de recordações, anotações em entrevistas, em grego koiné (ou helenístico, mais próximo da língua popular falada no oriente), atualizado para um grego mais erudito depois do cristianismo ser “protegido” por Constantino em 312 e traduzido no final do século IV para o latim por São Jerônimo, a pedido do bispo de Roma, Dâmaso.
Embora seja visto como a “palavra de Deus” por boa parte da comunidade cristã atual, ou então como inspirados (supervisionados pelo Espírito Santo) é entendido pelos espíritas em geral como o registro das experiências dos primeiros cristãos e de sua memória dos ensinos e vida de Jesus de Nazaré, considerado o Cristo.
Os livros que o compõem foram fruto de escolha de um conjunto ainda maior, do qual grande parte foi destruída por ser considerada herege (contrária aos dogmas eclesiásticos) ou apócrifa (sem autoridade canônica). Os dogmas da Igreja Católica, contudo, foram sendo construídos ao longo da história, sendo parte deles fruto de decisões tomadas por sínodos e concílios, séculos após os ensinamentos de Jesus. Alguns dos livros hoje considerados apócrifos foram muito utilizados pela comunidade cristã primitiva, regionalmente ou amplamente. Alguns autores anatematizados foram heróis intelectuais de gerações de cristãos, até terem seus trabalhos questionados e queimados, por diversos motivos, mas principalmente pelo cristianismo ter se tornado religião de imperadores de Roma.
Entendendo-se, então, desta forma mais histórica e crítica, o estudo sério do cristianismo merece de seus estudiosos a atenção aos caminhos que foram traçados e abandonados, e aos textos que, por razão dogmática e talvez arbitrária, foram abandonados.
Não é um estudo fácil, porque alguns hereges, como os gnósticos, são acusados de “inventar” textos intuitivamente e dar-lhes valor igual aos textos que teriam sido redigidos tendo por fonte a memória dos apóstolos, suas cartas e experiência (como é o caso do Apocalipse), considerada origem segura por católicos e protestantes. Os textos que não foram apoiados por nenhum dos pais da igreja são considerados pseudepígrafos (imaginários), e os que contam com a simpatia de algum dos autores da patrística são considerados apócrifos. Ainda em nossos dias há comunidades católicas que têm seu Novo Testamento com algum livro considerado apócrifo, como é o caso de “O pastor”, de Hermas, de do livro de “Atos de Paulo” que fazem parte do Novo Testamento da Igreja Ortodoxa da Etiópia. Esta bíblia também a primeira epístola de Clemente.
No meio espírita, Hermínio Corrêa de Miranda fez pesquisas em fontes secundárias sobre os escritos gnósticos e, posteriormente, o catarismo ou heresia albingense. Uma de suas fontes principais para a gnose é a escritora Elaine Pagels, que teve seu livro “Os evangelhos gnósticos” publicado em português.
Ela trata de fragmentos de textos do antigo e novo testamento que foram encontrados em Nag Hammadi, no Egito, por um pastor, em 1945. Os textos escritos em pergaminho e peles foram encontrados em uma caverna, numa região muito seca e quente, que os conservou durante quase dois milênios. O conjunto dos textos recuperados é chamado de Biblioteca de Nag Hammadi ou evangelhos gnósticos e ficou durante muitos anos sendo montada como um quebra cabeças e traduzida.
Entre os escritos considerados pseudepígrafos, temos o Apocalipse Gnóstico de Paulo, que é o Códice V da Biblioteca de Nag Hammadi. Este documento faz parte da tradição setiana dos gnósticos. Ele é visto como falsificação (forgery) ou fruto de imaginação pelos estudiosos católicos e protestantes. Diz-se que os setianos combinam os evangelhos com um tipo de platonismo.
Neste livro, Paulo é guiado da montanha de Jericó por um menininho pelos dez céus, com a finalidade de chegar aos doze apóstolos. Ao passar pelo quarto céu, Paulo vê anjos parecidos com deuses, trazendo uma alma da terra e açoitando-a. Ela se queixa do castigo e pede testemunhas que provem que ela cometeu pecado, ao aduaneiro, uma espécie de cobrador de “pedágio” para a entrada. São trazidas três testemunhas, que depõem contra a alma, acusando-a de ira, raiva, inveja, desejo (concupiscência?) e obscuridade (ignorância?).
A alma “abaixa a vista, angustiada” e é derrubada para “um corpo que foi preparado para ela”.
Este texto, sem dúvida, trata da reencarnação, mesmo sendo considerado falso, por não ser aceito que foi escrito ou ditado por Paulo de Tarso.
Não há dúvida que este texto gnóstico trata da reencarnação, ou, pelo menos, da volta de uma alma a um corpo “feito para ela” como punição por ter cometido pecados e não estar pronta para ser aceita em um estágio superior nos céus, o que não é aceito pelo espiritismo, senão, como uma alegoria.
Talvez a ideia da reencarnação tenha sido levada aos gnósticos a partir do platonismo de que são acusados de mesclar com o cristianismo, contudo, não há como afirmar com certeza que eles seriam os primeiros cristãos a tratar da questão da reencarnação. Mesmo sendo considerados hereges, os gnósticos são uma das muitas seitas cristãs que se formou nos primeiros séculos, com uma teologia talvez singular, mas articulada a escritos cristãos que comporiam no futuro o cânone.