Sonho de uma noite de verão, de Edward Hughes
Cada vez mais espíritas iniciam-se no estudo do Espiritismo através de obras contemporâneas. Em Minas Gerais, André Luiz é um autor muito discutido nas casas espíritas, dado o prestígio da mediunidade, vida e obra de Chico Xavier.
Não obstante, muitos núcleos têm perdido o hábito de estudar os livros de Kardec e dos espíritas do século XIX, que tiveram o interesse de desenvolver uma teoria espírita mais ampla, em diálogo com os espíritos.
Um dos resultados inesperados, são os equívocos que a geração sem Kardec vai cometendo, de boa fé, por falta de conhecimento do corpo teórico do Espiritismo. Um dos casos ilustrativos desta situação é a visão que se tem dos sonhos.
Ao longo de sua obra, algumas vezes André Luiz narra e explica sonhos de personagens que tinham percepções do mundo espiritual, que passavam por alguma vivência com outros espíritos, e o ex-médico mostra as deformações de conteúdo entre a percepção espiritual do espírito do sonhador e as imagens oníricas, as quais ele recordaria após despertar.
Isto levou muitos espíritas dedicados a reduzirem os sonhos às vivências do espírito encarnado temporariamente liberto do corpo.
O Sonho, de Pablo Picasso
Embora Allan Kardec aceitasse esta possibilidade, ele propõe um quadro muito mais amplo.
Em "O Livro dos Espíritos", no capítulo intitulado "Da Emancipação da Alma", Kardec conclui que muitas podem ser as causas das imagens oníricas percebidas pela pessoa que dorme. Irei apenas listar e citar as origens dos sonhos propostas pelo codificador:
1) A recordação do passado (questão 402)
2) A recordação de encarnações anteriores (comentário da questão 402)
3) A previsão do futuro (questão 402)
4) O pressentimento do momento da morte (questão 410)
5) A comunicação com espíritos desse mundo (questão 402)
6) A comunicação com espíritos encarnados (questão 404)
7) A comunicação com espíritos de outros mundos (questão 402 e comentários)
8) A percepção do que se passa em outros lugares, para onde a alma se transporta (questão 404)
9) A representação de preocupações do estado de vigília, efeito da imaginação (questão 405)
Não satisfeito com a abordagem do tema, Allan Kardec o retoma em "A Gênese". Neste novo texto ele adicionaria: a percepção de "criações fluídicas do pensamento" do próprio sonhador, causadas possivelmente pela "exaltação das crenças, por lembranças retrospectivas, por gostos, desejos, paixões, temor, remorsos, pelas preocupações habituais, pelas necessidades do corpo ou por um embaraço nas funções do organismo; finalmente, por outros espíritos, com objetivo benévolo ou malévolo, conforme sua natureza." (páginas 292 a 293 da edição de 1973)
Como se pode ver, Kardec propõe causas orgânicas, psicológicas, parapsicológicas e espirituais dos sonhos, três décadas antes de Freud escrever "A Interpretação dos Sonhos".