24.1.18

AFINAL DE CONTAS O QUE É A LIHPE E O QUE É O 14o. ENLIHPE?


Entrevista com a Coordenação Geral do 14o. ENLIHPE



Pergunta: A LIHPE é um grupo de pesquisadores espíritas ou inclui pessoas não espíritas com pesquisas sobre espiritismo?

Coordenação Geral: A Liga de Pesquisadores do Espiritismo – LIHPE, foi criada por Eduardo Carvalho Monteiro (SP) para aproximar pessoas interessadas na preservação da memória do espiritismo, em forma de rede. Depois o grupo ampliou a esfera de interesses para as mais diferentes áreas do conhecimento com algum  interesse comum com o espiritismo. 

Como foi criada por membros do movimento espírita, atraiu muitos espíritas inicialmente. Depois vieram pessoas do meio acadêmico interessadas no espiritismo, mas não necessariamente espíritas. Posteriormente publicamos trabalhos exclusivamente acadêmicos, tratando do espiritismo como movimento, da história de pessoas ligadas ao meio espírita, e de reflexões sobre o serviço social espírita. 

Acho que a resposta mais honesta é que estamos na fronteira entre o meio espírita e a universidade. Isso às vezes não é favorável, porque alguém da Universidade fica receoso de publicar seu trabalho em nossas formas de publicação e não ter reconhecimento acadêmico, ou um estudioso espírita fica receoso de submeter seu trabalho a um evento nosso e ele não atender aos critérios de pesquisa formal. Isso, contudo, não nos fez ainda migrar para um ou outro espaço institucional e permanecer apenas lá.


Pergunta: O que é o Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo – ENLIHPE?

Coordenação Geral: Como o contato dos membros da LIHPE era apenas pela internet, o próprio Eduardo sugeriu que organizássemos um encontro presencial de tempos em tempos. Ele próprio já havia organizado os dois primeiros, em Brasília e no interior paulista. O terceiro foi em Belo Horizonte, e depois dele Eduardo desencarnou. Com um espaço de alguns anos, voltamos a realizar o evento na instituição que ele fundou em São Paulo, o Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo). Os dois últimos encontros foram na União das Sociedades Espíritas de São Paulo – USE.

Como os encontros são abertos, temos três grupos de participantes: os membros da LIHPE, espíritas interessados no tipo de debate que a LIHPE faz e pessoas do meio acadêmico interessadas no espiritismo. Já tivemos um doutorando italiano participando dos eventos e diversos graduandos e mestrandos querendo fazer doutorado que foram buscar ideias no ENLIHPE.


Pergunta: De que maneira os trabalhos da LIHPE têm contribuído com o avanço da dimensão científica do espiritismo?

Coordenação Geral: As publicações da LIHPE têm contribuído de diversas formas para a construção do conhecimento espírita. Allan Kardec não construiu uma doutrina dogmática e estática, mas propôs uma base teórica para o estudo dos espíritos desencarnados e suas relações com os homens. 

Cabe destacar, antes da resposta, que não há uma posição coletiva da LIHPE ante questões em geral. Eles são de responsabilidade dos seus autores, então, falando honestamente, o que vamos fazer é destacar algumas das contribuições dadas pelos autores que publicaram nos espaços da LIHPE.

Alguns trabalhos fizeram um levantamento da produção científica sobre o espiritismo no Brasil e constataram quase duas centenas de teses e dissertações defendidas há mais de dez anos. Já está na hora de refazer esta pesquisa para fins de comparação.

Temos analisado alguns conceitos e sistemas de pensamento que têm sido divulgado no meio espírita com feição científica ou filosófica, mas que são incoerentes com o pensamento espírita e até com as áreas de conhecimento a que se referem. Elas não visam a destruição de sistemas de pensamento, como, por exemplo, a física “espiritualista” de Amit  Goswani, mas indicar seus pontos frágeis na própria física e suas contradições com o espiritismo. Esta análise está no quarto livro da série, intitulado: O espiritismo visto pelas áreas de conhecimento atuais.

Temos discutido a construção do pensamento espírita, sua metodologia e técnicas de pesquisa, assim como sua interlocução com os avanços científicos e a contemporaneidade. Isso está ligado à comunicação e debate de conhecimento produzido no meio acadêmico sobre o espiritismo.

Temos interagido muito, e conhecido pesquisadores de todo o Brasil, espíritas ou não, que produzem sobre o espiritismo. A LIHPE divulgou, por exemplo, a chamada de trabalhos para o tema do Encontro Nacional de História das Religiões, facilitando a captação de trabalhos ligados ao espiritismo. O trabalho em rede facilita também que alunos de graduação e mestrado conheçam pesquisadores e que pesquisadores conheçam novas pesquisas que saíram em outras áreas do conhecimento que não a sua.

Como há estudiosos da administração na LIHPE, fizemos discussões sobre a administração das instituições espíritas, como organizações do “terceiro setor” e da aplicabilidade ou não de técnicas de gestão próprias de empresas ou do estado.

Com o formato de submissão aberta, criamos um espaço de análise e sugestões para os estudiosos de boa vontade, sem formação acadêmica em pesquisa, que fazem revisões de literatura, discutem questões próprias do espiritismo e fazem pesquisas de observação ou experimental. Nem sempre eles ficam felizes com as análises críticas, mas é assim que o conhecimento se sustenta e avança.

O diálogo direto entre espíritas, acadêmicos e espíritas e pesquisadores não espíritas tem sido, talvez, a marca dos encontros da LIHPE. Temas debatidos nos eventos têm sido objeto de publicações na imprensa espírita e têm gerado novas questões de pesquisa nas universidades.


Pergunta: Quem não é pesquisador pode participar dos encontros da LIHPE?

Coordenação Geral: Pode participar livremente, perguntar e interagir. Pode também  apresentar trabalhos, se estes forem aprovados pela comissão avaliadora. O que se pede é que os trabalhos tenham a forma estabelecida para artigos, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, e que trate um problema de pesquisa com referencial teórico, problema de pesquisa, método, resultado e conclusões. Os trabalhos podem ser de revisão de literatura, baseado em pesquisa experimental, ensaios teóricos ou ter outra forma/conteúdo aceito pelas ciências ou filosofia.

Os trabalhos que tratam de questões que exigem conhecimento específico, como a física ou a biologia, por exemplo, serão encaminhados preferencialmente para pareceristas com formação nessa área. Eles analisarão o conteúdo apresentado.

Pergunta: A apresentação de trabalho no ENLIHPE tem valor acadêmico?

Coordenação Geral: Pode ter, depende do tema apresentado e dos critérios dos departamentos ou faculdades às quais os participantes estão ligados. 

No caso da mera participação, recebemos e atendemos o pedido de alunos de graduação para que pudessem contar como carga horária em seus respectivos cursos.

No caso da apresentação de trabalhos, já constatamos que diversos autores inseriram seus capítulos de livro impressos no Currículos Lattes, que é um dos instrumentos de registro de produção acadêmica. Houve autores que organizaram eventos com os livros que são participantes em suas universidades.

Há que se considerar, contudo, que o reconhecimento da produção é geralmente feito pelos pares nas universidades, e que eles podem não aceitar, como já vimos não aceitarem determinadas revistas técnicas ou subvalorizarem o trabalho. As coletâneas, contudo, seguem as exigências geralmente feitas pela academia: blind review, avaliação por pares, revisão das críticas pelo autor, decisão final de publicação pelos organizadores que têm formação acadêmica.

Já aconteceu de trabalhos apresentados no ENLIHPE serem publicados pelo autor, depois em revistas técnicas de sua área de conhecimento. Nesse caso, eles pedem para não publicar junto com os demais, para que o trabalho que será submetido continue inédito.

Pergunta: Os trabalhos apresentados nos encontros estão disponíveis para o público em geral?

Coordenação Geral: Sim, de duas formas. 

As apresentações orais são gravadas e estão disponíveis através da internet no portal Espiritualidade e Sociedade, nosso parceiro. A página com os encontros gravados é: http://www.espiritualidades.com.br/liga.htm

Os trabalhos escritos são publicados na série Pesquisas Brasileiras sobre o Espiritismo. A publicação e comercialização têm sido feitas pelo Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro. Os livros relacionados à LIHPE estão na página http://www.ccdpe.org.br/categoria-produto/lihpe/


Pergunta: Temas filosóficos pertinentes ao Espiritismo, como as leis morais e a metafísica, também podem ser objeto de pesquisas científicas?

Coordenação Geral: A palavra moral foi usada no século XIX e por Allan Kardec com dois sentidos: o sentido de costumes e no sentido psicológico. Quando se fala em leis morais, o mestre francês está procurando regularidades que explicam o ser humano, individualmente e em sociedade. A psicologia e a sociologia moderna fazem isso também, embora saibam que nem sempre se encontram regularidades com facilidade, então praticamente abandonaram o termo lei, ainda usado na física, e preferem teoria, no sentido de um conjunto de explicações que possibilitam o entendimento ou a compreensão de determinado fenômeno psicológico ou social.

Com o passar do tempo viu-se que não se estuda psicologia ou sociologia exatamente com os mesmos métodos que se estudam as ciências naturais: a física, a química e a biologia. Então novos métodos foram aceitos como científicos, mas como eram diferentes dos até então usados, começou-se a falar em ciências humanas e sociais. Kardec esbarrou nessa questão, quando desenvolveu novos métodos para entender o que os espíritos diziam a ele.

Quanto à metafísica, o nome se deve a quem classificou a obra de Aristóteles. O espiritismo trata da metafísica com dois tipos de instrumentos, a argumentação filosófica e o estudo de questões em que os conceitos metafísicos são concebidos como melhor explicação plausível para fenômenos naturais ou psicológicos. Uma criança que se lembra de ter sido outra pessoa, e após estudo dá mostras de ter conhecimentos da vida desta pessoa, que teriam que ser aprendidos, é um destes pontos de contato entre as ciências e a metafísica. Se as explicações naturais forem insuficientes, o conceito de espírito e o de reencarnação passam a ser uma explicação convincente ao problema.

Há questões no espiritismo que não estão ao alcance das ciências, como a questão de Deus, e que são tratadas com argumentação filosófica. Ainda assim, o ponto de contato que tem sido usado para se pensar a possibilidade de Deus são as leis universais. Einstein questionou como pode a física clássica ter leis tão regulares, enquanto no mundo subatômico tudo é incerto e probabilístico. Nos dias de hoje essa forma de pensar é costumeiramente chamada de “design inteligente” do universo. Kardec defende a ideia de Deus com um axioma e suas implicações: se há efeitos inteligentes, a causa precisa ser igualmente inteligente. Ele supõe Deus a partir do próprio ser humano.


Pergunta: Explique sucintamente como o público não acadêmico poderia identificar as características de uma pesquisa de boa qualidade, de outra que não atenda aos critérios formais.

Coordenação Geral: É uma pergunta difícil até mesmo para quem tem formação em pesquisa, mas vou dar alguma dicas, sem ter a pretensão de esgotar o tema.

1. A boa pesquisa se baseia em livros e artigos rigorosos, se possível, revisto por pares ou escrito por autor com domínio da área. Faz um esforço para identificar estes autores. Ela distingue opiniões pessoais dos autores de argumentos fundamentados. Ela identifica uma questão ainda não explorada ou polêmica e tenta responde-la com fundamentação. A boa revisão de literatura abrange os autores que concordam e os que discordam da opinião inicial que o pesquisador tem sobre seu tema, e analisa os dois.

2. A boa pesquisa argumenta em cima das informações que conseguiu obter, não fazendo inferências ou incluindo opiniões do autor sobre outros assuntos. Se o artigo é sobre mediunidade e os dados colhidos são sobre o trabalho de um médium, as conclusões devem ficar nesta esfera e não serem ampliadas para o movimento espírita, por exemplo. Para se discutir o movimento espírita em bases de pesquisa, é necessário ter dados sobre ele, e não apenas impressões ou experiências pontuais.

3. Quando é uma pesquisa de observação, a descrição das informações obtidas deve ser detalhada, e o leitor deve entender como foi feita, quais os critérios de análise ou classificação, e o que exatamente se observou.

4. Uma boa pesquisa não generaliza além do que é capaz. Se foi estudado um médium ou um passista, não se pode concluir que todos os passistas ou todos os médiuns agem como ele. Para se ter uma generalização de base estatística, é necessário trabalhar com amostras representativas (número de pessoas que possibilitam falar do todo, com uma margem de erro pequena).

5. Uma boa pesquisa se detém em um problema de pesquisa bem definido. Ele geralmente contribui para um melhor entendimento teórico e pode ter relevância social. 

6. Uma boa pesquisa explicita seus pressupostos. São pontos teóricos que são tomados como certos e que não serão discutidos, por já terem sido antes. Os comportamentalistas, em psicologia, partem do pressuposto que a análise do comportamento é a via principal para o entendimento do homem, e criticam  o conceito de mente, por exemplo. Os psicanalistas partem da existência do inconsciente, do Édipo e de outros conceitos básicos considerados aceitos pela psicanálise, para dar sua contribuição.

7. Uma boa pesquisa faz um grande esforço para obter os artigos mais recentes sobre o tema que trabalha, apresentando o essencial para o leitor. É o que se chama de “estado da arte”.

8. Uma boa pesquisa, ao concluir, reponde seu problema de pesquisa (mesmo que a resposta seja “ainda não sabemos”) e se posiciona com relação aos autores que já publicaram sobre o assunto.

9. Há outras formas de pesquisa, como a recuperação do pensamento de um autor antigo. Geralmente se lê a obra ou os livros desse autor, em seu idioma original, o que já se escreveu sobre ele, e, se explica o autor e dialoga com seus outros leitores. Pode-se discutir a lógica interna do trabalho do autor, a interpretação que fizeram dele, as implicações do que ele fez para o futuro, por que não foi aceito em sua época, como pode contribuir hoje.

10. O bom trabalho é claro, para quem domina os conceitos básicos da área. Trabalhos cheios de expressões técnicas, mal definidas e mal empregadas, ou com um tom hermético (ele dá a impressão que só o autor entende do assunto e que mais ninguém na área é capaz de entender) costumam ser muito equivocados. Um bom autor consegue explicar suas ideias e deixar clara sua argumentação para quem tem uma base conceitual do que está escrevendo. Este tem sido um exercício utilizado nos programas de pós-graduação no Brasil, o de escrever trabalhos de divulgação.

Pergunta: Qual a relação da LIHPE com a história do espiritismo?

Coordenação Geral: Antes de responder esta pergunta é preciso distinguir memória de história. A memória a apresentação de fontes históricas, escritas, pictóricas e orais. Quando alguém escreve sobre o centro espírita que frequentou ou o evento em que foi, apresentando fotos, relatos, entrevistas e textos, ele está trabalhando como um memorialista. A LIHPE, desde o Eduardo Carvalho Monteiro, que era memorialista, mas não era historiador, tem valorizado a preservação da memória.

O historiador é um profissional da história, e além das fontes históricas ele constrói um conhecimento teórico compreensivo ou explicativo. Tem, portanto, um domínio de sua disciplina e é capaz de interlocução com seus pares. Há historiadores na LIHPE fazendo seu trabalho, como o Fausto Nogueira e o Marcelo Gulão, por exemplo, mas para se tornar historiador é necessária uma longa formação. Atualmente só podemos aproximar historiadores de memorialistas.

A instituição que o Eduardo criou para apoiar a pesquisa histórica do espiritismo foi o Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo, que ganhou seu nome após sua desencarnação. Eduardo colecionou milhares de obras espíritas, recuperou obras raras, e guardou documentos. O centro foi iniciado com seu acervo, e tem recebido outros acervos com o passar dos anos, trabalhando para classificar, preservar e deixa-los acessíveis aos pesquisadores e estudiosos interessados. O CCDPE-ECM não é a LIHPE, mas tem sido um parceiro muito próximo, publicando nossos livros e apoiando os eventos. Mais informações sobre o CCDPE-ECM podem ser obtidos em: http://www.ccdpe.org.br/


Pergunta: Como se associar à Lihpe?

Coordenação Geral: Basta enviar um e-mail para contato@lihpe.net O moderador do grupo irá solicitar dados de identificação e repassará as regras de funcionamento da LIHPE ao interessado.  


14o. ENLIHPE
Apoio: União Espírita Mineira


21.1.18

O APOCALIPSE GNÓSTICO DE PAULO DE TARSO E A REENCARNAÇÃO

13 manuscritos descobertos em Nag Hammadi - Egito, 1945


O Novo Testamento é um livro cujos evangelhos são baseados em narrativas originalmente feitas em aramaico, que era a língua semítica falada em regiões como a Galileia e a Judeia, escritas anos depois, a partir de recordações, anotações em entrevistas, em grego koiné (ou helenístico, mais próximo da língua popular falada no oriente), atualizado para um grego mais erudito depois do cristianismo ser “protegido” por Constantino em 312 e traduzido no final do século IV para o latim por São Jerônimo, a pedido do bispo de Roma, Dâmaso.

Embora seja visto como a “palavra de Deus” por boa parte da comunidade cristã atual, ou então como inspirados (supervisionados pelo Espírito Santo) é entendido pelos espíritas em geral como o registro das experiências dos primeiros cristãos e de sua memória dos ensinos e vida de Jesus de Nazaré, considerado o Cristo.

Os livros que o compõem foram fruto de escolha de um conjunto ainda maior, do qual grande parte foi destruída por ser considerada herege (contrária aos dogmas eclesiásticos) ou apócrifa (sem autoridade canônica). Os dogmas da Igreja Católica, contudo, foram sendo construídos ao longo da história, sendo parte deles fruto de decisões tomadas por sínodos e concílios, séculos após os ensinamentos de Jesus. Alguns dos livros hoje considerados apócrifos foram muito utilizados pela comunidade cristã primitiva, regionalmente ou amplamente. Alguns autores anatematizados foram heróis intelectuais de gerações de cristãos, até terem seus trabalhos questionados e queimados, por diversos motivos, mas principalmente pelo cristianismo ter se tornado religião de imperadores de Roma.

Entendendo-se, então, desta forma mais histórica e crítica, o estudo sério do cristianismo merece de seus estudiosos a atenção aos caminhos que foram traçados e abandonados, e aos textos que, por razão dogmática e talvez arbitrária, foram abandonados.

Não é um estudo fácil, porque alguns hereges, como os gnósticos, são acusados de “inventar” textos intuitivamente e dar-lhes valor igual aos textos que teriam sido redigidos tendo por fonte a memória dos apóstolos, suas cartas e experiência (como é o caso do Apocalipse), considerada origem segura por católicos e protestantes. Os textos que não foram apoiados por nenhum dos pais da igreja são considerados pseudepígrafos (imaginários), e os que contam com a simpatia de algum dos autores da patrística são considerados apócrifos. Ainda em nossos dias há comunidades católicas que têm seu Novo Testamento com algum livro considerado apócrifo, como é o caso de “O pastor”, de Hermas, de do livro de “Atos de Paulo” que fazem parte do Novo Testamento da Igreja Ortodoxa da Etiópia. Esta bíblia também a primeira epístola de Clemente.

No meio espírita, Hermínio Corrêa de Miranda fez pesquisas em fontes secundárias sobre os escritos gnósticos e, posteriormente, o catarismo ou heresia albingense. Uma de suas fontes principais para a gnose é a escritora Elaine Pagels, que teve seu livro “Os evangelhos gnósticos” publicado em português.

Ela trata de fragmentos de textos do antigo e novo testamento que foram encontrados em Nag Hammadi, no Egito, por um pastor, em 1945. Os textos escritos em pergaminho e peles foram encontrados em uma caverna, numa região muito seca e quente, que os conservou durante quase dois milênios. O conjunto dos textos recuperados é chamado de Biblioteca de Nag Hammadi ou evangelhos gnósticos e ficou durante muitos anos sendo montada como um quebra cabeças e traduzida. 

Entre os escritos considerados pseudepígrafos, temos o Apocalipse Gnóstico de Paulo, que é o Códice V da Biblioteca de Nag Hammadi. Este documento faz parte da tradição setiana dos gnósticos. Ele é visto como falsificação (forgery) ou fruto de imaginação pelos estudiosos católicos e protestantes. Diz-se que os setianos combinam os evangelhos com um tipo de platonismo.

Neste livro, Paulo é guiado da montanha de Jericó por um menininho pelos dez céus, com a finalidade de chegar aos doze apóstolos. Ao passar pelo quarto céu, Paulo vê anjos parecidos com deuses, trazendo uma alma da terra e açoitando-a. Ela se queixa do castigo e pede testemunhas que provem que ela cometeu pecado, ao aduaneiro, uma espécie de cobrador de “pedágio” para a entrada. São trazidas três testemunhas, que depõem contra a alma, acusando-a de ira, raiva, inveja, desejo (concupiscência?) e obscuridade (ignorância?).

A alma “abaixa a vista, angustiada” e é derrubada para “um corpo que foi preparado para ela”

Este texto, sem dúvida, trata da reencarnação, mesmo sendo considerado falso, por não ser aceito que foi escrito ou ditado por Paulo de Tarso.

Não há dúvida que este texto gnóstico trata da reencarnação, ou, pelo menos, da volta de uma alma a um corpo “feito para ela” como punição por ter cometido pecados e não estar pronta para ser aceita em um estágio superior nos céus, o que não é aceito pelo espiritismo, senão, como uma alegoria.

Talvez a ideia da reencarnação tenha sido levada aos gnósticos a partir do platonismo de que são acusados de mesclar com o cristianismo, contudo, não há como afirmar com certeza que eles seriam os primeiros cristãos a tratar da questão da reencarnação. Mesmo sendo considerados hereges, os gnósticos são uma das muitas seitas cristãs que se formou nos primeiros séculos, com uma teologia talvez singular, mas articulada a escritos cristãos que comporiam no futuro o cânone.

11.1.18

PESQUISA MOSTRA QUE QUINTA EDIÇÃO DE "A GÊNESE" FOI ALTERADA




Há alguns anos discutimos a questão da alteração do texto de A Gênese, apontado por Carlos de Brito Imbasshy. Recentemente a autora Simoni Privato fez uma pesquisa profunda de livros e documentos na Biblioteca Nacional da França, na Confederação Espírita Argentina e no grupo Constância, na Argentina. Ela fez a conferência acima na Confederação Espírita Argentina no ano passado, em um evento que comemora o aniversário de Kardec.


Como muitos grupos estão estudando os 150 anos da publicação de "A Gênese", é importante que saibam que a quinta edição não é confiável. Há alguns anos Albertina Escudero Sêco fez uma tradução para o português da quarta edição francesa, publicada pela editora do Centro Espírita Léon Denis (comprei em formato eletrônico na Livraria Cultura). Carlos de Brito Imbassahy também fez uma tradução e disponibilizou na internet. Os originais franceses podem ser consultados no IPEAK, pela internet (Instituto de Pesquisas Espíritas Allan Kardec), pelo menos a quarta e a quinta edição. http://www.ipeak.net/site/conteudo.php?id=176&idioma=1

As publicações que fizemos anteriormente e os debates podem ser acessados nos seguintes links:





Quando tivermos outras traduções do texto que está entre a primeira e quarta edições em nossa língua, iremos divulgar. 


7.1.18

VOCÊ TEM UM TRABALHO DE PESQUISA QUE TRATA DA SOBREVIVÊNCIA DA ALMA?

Logomarca provisória do 14o ENLIHPE


Foi publicada ontem a chamada de trabalhos para o 14o. Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo, que será em Belo Horizonte - MG, na sede federativa da União Espírita Mineira, nos dias 25 e 26 de agosto.

O tema central deste ano será "Sobrevivência da alma".

O evento escolhe trabalhos submetidos até o dia 30 de abril para apresentação. Os trabalhos deverão ser escritos em formato acadêmico, que está descrito no edital de chamada de trabalhos, publicado em http://www.lihpe.net/wordpress/?p=1732.

Esses trabalhos serão avaliados por pareceristas com formação acadêmica e conhecimento do espiritismo, não terão acesso aos nomes dos autores e escreverão considerações e sugestões de aperfeiçoamento dos trabalhos, além de aprová-los ou não para apresentação no evento. Os trabalhos sobre o tema central (Sobrevivência da alma) têm preferência aos que não tratam dele.

Os trabalhos poderão ser publicados futuramente em forma de capítulo de livro ou artigo de periódico indexado, mediante permissão do autor.

As inscrições para o evento ainda não estão abertas, iremos divulgá-las futuramente.

A comissão organizadora está formada por:

- Alexandre Ramos (RJ)
- Gilmar Trivelato (SP)
- Jáder Sampaio (MG)
- Marcelo Gulão (RJ)
- Marco Milani (SP)
- Raphael Carneiro (ES)

Se você deseja ter informações sobre a Liga de pesquisadores do espiritismo - LIHPE ou sobre a submissão de trabalhos escreva um e-mail para contato@lihpe.net.

Esse evento está sendo apoiado pela União Espírita Mineira e pelo Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo - Eduardo Carvalho Monteiro, de São Paulo.

21.12.17

LIVRO ELETRÔNICO (E-BOOK) ESPÍRITA: VALE A PENA?




Tenho lido e-books espíritas há alguns anos, e gostaria de aproveitar o período em que as pessoas repensam a vida para conversar sobre minha experiência.

Um artigo recente sobre o assunto, avaliando os e-books no Brasil, explicava que os aparelhos de leitura, estilo Kindle (Amazon) ou LEV (Saraiva) são adquiridos e efetivamente utilizados por pessoas que leem muito. As que leem pouco, geralmente consideram caro o investimento em um desses aparelhos.

O que não tem sido muito dito é que quando se adquire um e-book, você pode lê-lo em um tablet (como o IPAD), notebook, computador e talvez até no smartphone (celular com tela). Basta instalar o aplicativo neles.

Os livros que você compra se tornam uma biblioteca disponível pela internet, e você pode acessá-los de onde quiser. Seus livros ficam em uma “nuvem” (um espaço de memória acessível via internet) e você pode “baixá-los” onde deseja ler. A compra, se você tem um cartão de crédito, é extremamente fácil. Você pode ler “amostras de livros” (geralmente os primeiros capítulos) para ver se vale a pena, e o livro está disponível em um minuto para você, se for encontrado.

Quanto ao dispositivo de leitura, que no meu caso é um Kindle, ele tem uma série de recursos que não se encontra em um livro editado em papel. Você pode aumentar ou diminuir as letras do dispositivo, deixando-as da forma mais confortável. A tela dele é iluminada, ou seja, a luz é voltada para a tela em vez dela emitir luz para seus olhos, e você pode ler no escuro. Quando você abre o livro, ele automaticamente localiza onde você parou no texto, na última vez que leu. Há índices diversos, e você pode pedir para procurar o texto lido por palavras, por exemplo, caso esteja preparando uma palestra e não se lembre ao certo onde leu aquela frase.

O recurso que mais me agradou são os dicionários. O Kindle vem com acesso gratuito a dicionários de diversos idiomas, que você pode “baixar” no seu aparelho. Uma vez feito, sempre que se esbarra em uma palavra desconhecida ou com sentido aparentemente diferente do que conhecemos, basta pressioná-la para que o dispositivo acesse o dicionário e, se estiver ligado à internet, pesquise também na Wikipédia. Ainda são apenas dicionários de sinônimos (ou seja, não há dicionários de inglês-português, por exemplo), mas facilitam imensamente a leitura e economizam tempo.



O que ainda me aborrece no Kindle, talvez por não conseguir usar direito seus recursos, é identificar a página original do livro em papel para citações em artigos e textos.

Outro problema são os livros que vêm mal revistos, com erros de ortografia e a suspeita que algumas páginas foram suprimidas. Não é um problema do Kindle, mas da abertura do mercado para autores independentes e qualquer tipo de editora,. A reputação da editora continua sendo importante no momento de aquisição dos livros eletrônicos.

Há uma grande reclamação dos artigos que li sobre o preço do livro eletrônico, quando comparado ao mercado norte-americano, mas é possível economizar um bom dinheiro comprando o livro eletrônico. Acessei agora o site da Amazon. O Livro dos Espíritos da FEB, com a tradução do Evandro Noleto Bezerra, custa R$ 2,93, enquanto o livro em capa comum custa R$18,75 (que é um preço igualmente promocional). O mesmo livro na livraria da FEB, também em valor promocional, custa R$21,25. O romance Renúncia, de Emmanuel, custa R$8,85 na versão eletrônica da Amazon, R$20,61 na versão impressa, em capa comum e R$ 30,60 na livraria da FEB, em promoção.

Penso que as editoras espíritas estão investindo cautelosamente na publicação dos seus livros em versão eletrônica, mas já existem muitos títulos sob esse formato, de diversas editoras. 

Outra boa notícia são os livros espíritas em língua estrangeira. Além de baixá-los diretamente das bibliotecas (Flammarion, por exemplo, pode ser encontrado em francês na Gallica), os e-books costumam ter um bom preço. O livro History of Spiritualism, de Arthur Conan Doyle, por exemplo, custa cerca de 45 dólares em capa dura (Amazon) e apenas 62 cents (cerca de dois reais) em formato eletrônico, também na Amazon.

10.12.17

COM O CHICO NO CINEMA



Passei o final de semana com Chico Xavier. Não o Chico, espírito desencarnado, mas o Chico da mente de um autor espírita e mineiro.

Fiquei encarregado de falar sobre a vida de Chico Xavier no sábado, na reunião de encontro das mediúnicas, e me incumbi de concluir a leitura dos dois livros escritos por John Harley, espírita de Pedro Leopoldo que teve convivência direta e familiar com o médium.

“O voo da garça” e “Nas trilhas da garça”, publicados há pouco, são dois livros muito diferentes dos que já li sobre o Chico, porque John optou por uma narrativa culta, com palavras de fácil entendimento, que entremeiam a vivência dele, com a vivência de outros “amigos de Chico” e com a literatura disponível sobre a vida do orientando de Emmanuel. John nos deixa saber que ele tem uma trajetória pela psicologia, o que nos faz compreender por que ele busca o mesmo que nós: desconstruir a imagem de santo popular e entender a humanidade do Chico, coisa que o médium sempre prezou, até mesmo na escolha do seu pseudônimo.

As perguntas que ele se faz sobre o médium nunca têm respostas simples ou monocausais. Perguntas como: por que ele se mudou para Uberaba? São respondidas à luz de diversos eventos e opiniões de outros autores, que culminam em uma resposta sempre elaborada e complexa.

John não consegue ocultar a admiração que tem do médium, e nem precisa, já que sabemos bem “de onde vem” o texto, e para quem foi escrito. Admiração que não se confunde com ilusão porque ele percebe e deixa perceber o sofrimento do Chico com a sua idealização pelo público, o preço da fama (no caso, o sacrifício da intimidade), a invasão não desejada pelos seus admiradores, a luta com (ou contra) seus impulsos, as difíceis escolhas que ele fez pelo compromisso com a doutrina. Creio que ninguém vai querer ser Chico Xavier após ler os livros de Harley.



Hoje fui ao cinema com a minha filha que está de gesso no pé, mas se recuperando bem. Conseguimos uma cadeira de rodas no shopping, para que ela não tivesse que se deslocar de muletas e fomos assistir um cinema em família. A jovem na cadeira de rodas chamava a atenção das pessoas, que a olhavam com diversos estados de espírito, entre a dúvida e a piedade. As crianças não escondiam algum comentário com as mães, sempre generosos ou engraçados.

Ao fim do filme, uma das funcionárias do cinema nos atendeu com muita gentileza, facilitando a saída, informando sobre os espaços para cadeira de rodas e consolando minha filha, dizendo-lhe que em breve estaria andando novamente. Acolhemos com simpatia a generosidade dessa funcionária, que se sentiu respeitada e segura conosco. A conversa com minha filha foi até o ponto em que ela recomendou que aproveitasse o convívio com a mãe, que compunha o nosso trio, quando ela se emocionou. Ela nos disse que sua mãe havia ido há três meses, e que ela sentia muita saudade. Sabia que a mãe estava bem , mas nunca mais receberia um abraço dela.

Eu reagi como de costume, disse-lhe que ainda iria rever a mãe, mas ela não escutou.

Imediatamente, recordei a narrativa do John. Ele dizia que muitas pessoas levavam sua dor para o Chico e que uma vez ele ouviu uma mãe narrar a dor de perder a filha. O ímpeto dele foi de falar alguma coisa que normalmente dizemos, como “o tempo vai diminuir a sua dor”, ou “não fique triste”, ou ainda alguma frase daquelas que visam diminuir a manifestação de sofrimento, mas que expressam apenas a nossa incapacidade de entendê-lo ou nosso desejo oculto de afastá-lo de nós.

O Chico apenas abraçou e chorou. Chorou com a mãe. E o ato de perfeito entendimento, de empatia na dor, parece que tinha seu efeito mágico. O choro aliviava. Ela não estava mais sozinha em sua dor.

Quando me lembrei, quis abraçar também a funcionária, mas não seria conveniente. Entendi que o Chico não apenas fazia a coisa certa, mas criou o lugar certo e um momento socialmente aceito para que as dores pudessem ser repartidas. Eu entendi como era singelo e, ao mesmo tempo, grandioso, o trabalho que esse homem fez. Alguém com óculos diferentes dos meus, geralmente critica o que o Chico fazia, como assistencialismo ou sensacionalismo baratos. Geralmente são pessoas que enxergam o homem apenas com suas necessidades fisiológicas, de segurança e de conhecimento, visto como arte e cultura. Eles não estão errados, apenas são incapazes de compreender o que fazia o médium das Minas Gerais.

Agradeço ao John Harley ter compartilhado seu mundo íntimo. Nos dias de hoje, foi um ato de coragem.

5.12.17

MEU FILHO DEVE IR PARA A MOCIDADE ANTES DO TEMPO?


Esta história aconteceu há muito tempo, mas tem histórias que se repetem, nem sempre com o mesmo fim. Eu era um dos evangelizadores da turma com 11 e 12 anos, na Associação Espírita Célia Xavier. Era novo, não devia ter feito 18 anos ainda.

Um dia, uma mãe me procurou. Ela desejava que sua filha fosse para a mocidade (grupo de jovens, que começava com 13 anos), que ela era muito madura e inteligente e que aproveitaria melhor o outro grupo.

Quando se dividem turmas por idade, em um período tão marcante como a pré-adolescência e a adolescência, não se tem em vista a capacidade intelectual, especialmente em um centro espírita. Um ano de diferença parece uma eternidade para um adolescente. Fico vendo as filhas dos amigos dizendo que dois anos de diferença fazem com que se sintam deslocadas nas festas.

Outro problema, muito encontrado nas escolas, é quando chega um novo membro em uma turma já formada. Ele terá uma dificuldade a mais para se “enturmar”, porque os demais já se conhecem, já têm suas preferências e amizades estabelecidas, e pode ficar meio à parte, até que consiga amizades. Uma adolescente que conheço mudou de escola no 6º. ano. Tímida, levou dois anos para construir uma turma de amigos, daquelas que se relacionam além das salas de aula e dos trabalhos em grupo.

Na pré-adolescência as mudanças corporais são acentuadas. Minha esposa comentou que seus alunos entram ainda com corpo de menino/menina e saem com corpo de rapaz e moça, com algumas variações. Não são apenas mudanças físicas, mas também psicológicas, que se tornam um fator a mais no difícil processo de integração dos jovens.

Certa vez fui falar para um grupo de mocidades em um centro espírita de Belo Horizonte que tinha apenas 4 jovens no dia marcado. Dois tinham entre 13 e 14 anos e os outros dois na faixa dos 18 anos. Foi um dia difícil, porque os interesses eram imensamente divergentes.

Há também uma questão com os pais. Via de regra eles fazem tudo por seus filhos, e às vezes se projetam neles. Os filhos podem ser uma espécie de “segunda chance” de realização dos sonhos deles próprios, e passam a sofrer (isso mesmo!) as expectativas dos pais. Os pais os consideram mais inteligentes do que eles foram, e às vezes querem “corrigir” a educação que tiveram com os avós nos filhos. Podem, por exemplo, tratar de forma mais “democrática” seus filhos e costuma acontecer de exagerarem na mão e serem permissivos. Passam a ter dificuldade de dizer “não”, uma palavra tão necessária para a educação de um cidadão que vai viver em uma sociedade com direitos e deveres.

Outra questão envolve o próprio jovem. Passando as transformações da adolescência, ficam hipersensíveis e às vezes “donos da verdade”. Os pais não sabem muita coisa, aos olhos deles, porque vivem uma nova época. Paradoxalmente, já li sobre isso no Império Romano... Com tanto “poder” e expectativas, costumam ser frágeis, na verdade. Se ofendem ou magoam com situações que um adulto nem percebe. E a fuga pode ser uma forma inadequada de enfrentamento dos problemas.

Nesse caso, o pai percebe que o filho está incomodado, mas o filho lhe dá uma resposta socialmente aceita: “eu já sei tudo o que me ensinam, por isso não quero ir... “ E os pais menos atentos, acreditam, mesmo que os programas de curso sejam bastante diferentes e preocupados com a variação dos temas e das abordagens.

Há também uma questão meio narcísica. O pré-adolescente/adolescente quer parecer algo que ele ainda não é. Não se trata, portanto, de um conteúdo que ele já conhece, mas mostrar aos pais e aos colegas o quão especial ele é. Fica claro que isso é fantasioso, e não se atinge com uma mera mudança de turma. Ele vai continuar com esta “necessidade” íntima.

Retornando à história original, eu conversei com a mãe. Expliquei-lhe nas duas aulas que a filha participou, eu havia notado que ela era realmente especial, mas que o interesse e a ligação com o grupo não podiam ser esquecidos. Eu lhe expliquei que iríamos fazer um trabalho na turma de 11 e 12 anos para que eles se aproximassem, e pudessem ir, juntos, para a mocidade. Isso lhes daria mais segurança e satisfação.

A mãe ouviu e entendeu. A pré-adolescente participou conosco durante o ano todo, e no ano seguinte foi para a mocidade. Com o passar das décadas eu perdi o contato com eles, e me lembro vagamente das duas. Não sei se continuam no meio espírita, mas acho que foi uma experiência bem sucedida, e uma decisão acertada.

Eu mesmo tinha interesses diferenciados quando tinha 13 anos. Eu participava de minha turma de mocidade, o antigo 1º. Ciclo, e depois ficava para assistir os estudos do 3º. Ciclo. Conseguia acompanhar os estudos sem dificuldade, mas eram duas experiências diferentes, e agradeço muito o carinho e a compreensão dos meus amigos de idade mais avançada, porque era claramente imaturo perto deles.

Creio que a opção para os jovens que desejam aprender mais, é mantê-los nas turmas de sua idade e encaminhá-los para outros espaços das casas espíritas, para ver como se saem. Cursos de estudo sistemático do espiritismo, por exemplo, seriam uma boa opção. Outra boa opção é aproximá-los a equipes de tarefas, onde poderão aprender e fazer algo. A realização e a confiança obtida pelos demais, nessa idade, é muito motivadora e estruturadora.

Para terminar, há também um “lado negro”, no caso de nossa casa, porque a evangelização é sábado de manhã e a mocidade no sábado à tarde, então há pais que não querem levar seus filhos duas vezes ao dia no centro espírita, e temem que eles ainda sejam muito jovens para andar de ônibus sozinhos. Então para os pais seria mais cômodo levá-los uma vez só.

Como se pode ver, é um problema bem complexo, mas que envolve a vida das pessoas mais queridas por nós, então vale a pena sair da “zona de conforto”, pensar muito antes de colocar os filhos em uma turma de jovens de idade diferente.

30.11.17

RELIGIÃO PODE SER BOA PARA A SAÚDE MENTAL?



Vivemos uma época curiosa, na qual o avanço das ciências é visto como a derrocada das religiões. Nos ambientes acadêmicos, muitas pessoas creem que a religião, em função da sua fragilidade em tratar de temas próprios das ciências naturais, é algo a ser banido do mundo. O visível avanço tecnológico do mundo trouxe uma imensa credibilidade ao que se diz científico, mesmo ante os muitos problemas que trouxe ao mundo. Alguns cientistas famosos usam do prestígio que obtiveram em sua área de conhecimento para fazer uma espécie de ativismo contra as religiões, argumentando geralmente que as religiões são um mal para a humanidade e destacando alguns pontos realmente problemáticos.

As religiões e as instituições religiosas certamente têm seus problemas, mas em tempos de um “individualismo selvagem”, em que muitas pessoas não querem “abrir mão” de seus desejos pessoais, há um discurso que valoriza a espiritualidade e desvaloriza as religiões, a religiosidade e os grupos religiosos. Sempre achei que espiritualidade sem grupo religioso é como empada sem azeitona, porque a espiritualidade não é algo construído individualmente, mas aprendido ou desenvolvido coletivamente.

Estou lendo o livro “Religião, psicopatologia e saúde mental”, escrito por Dalgalarrondo, professor titular de psiquiatria da Unicamp. O livro foi publicado em 2008, mas a qualidade das revisões de literatura é muito boa, até a data.

São muitos os estudos que estudam a relação entre religião e saúde mental. Bergin (1993) não encontrou relação entre psicopatologia e religiosidade (metanálise de 24 estudos). Payne e colaboradores (1991) mostra que a religiosidade está associada a um menor uso de álcool e drogas e melhores medidas de bem estar psicológico, auto-estima, ajustamento familiar e social e menor permissividade sexual.

Koenig e Larson (2001) concluíram existir uma associação positiva entre saúde mental e religião (sujeitos mais religiosos são mais saudáveis e com menos transtornos mentais) e o impacto positivo da religião fica mais evidente em situações de envelhecimento, doenças físicas e perda de habilidades físicas e sociais. Koenig mostra que maior frequência à igreja (ou comunidade religiosa) está associado a uma menor prevalência de doença mental.

Kendler (1997). Muito elogiado por Dalgalarrondo, estudou 1698 pares de gêmeas e mostrou que a “devoção religiosa pessoal” protege as mulheres da depressão ante efeitos estressantes. Em um segundo estudo (2003) com 2616 gêmeos de ambos os sexos, ele mostrou que a religiosidade geral e outras categorias da religião estão associadas a menor prevalência de transtornos externalizantes (dependência de álcool e nicotina, abuso e dependência de drogas ilícitas e comportamento anti-social).

O autor também fala dos aspectos negativos da religião sobre a saúde mental, mas trataremos em outra matéria.

27.11.17

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: ALGO MAIS PRÓXIMO QUE VOCÊ IMAGINA!








No início de novembro estive no programa Horizonte Debate, da TV Horizonte, que é um veículo da Igreja Católica em BH para discutir a diversidade religiosa. Como já falei anteriormente no EC, o tema foi motivado pelas invasões e violências acontecidos em terreiros de Umbanda, que o competente mediador Jairo Stacanelli possibilitou que fosse discutido em seu programa. 

Fomos três debatedores, a jovem estudante de Ciência da Religião, Rita Grassi, e a Coordenadora do CENARAB - Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira, Makota Célia Gonçalves e Jáder Sampaio, espírita, sem outras qualificações para discutir o difícil tema.

Confira! Comente! Aceito crítica educada...

22.11.17

UM MILHÃO DE ACESSOS!


Um milhão... de acessos

Quando comecei o Espiritismo Comentado, desejava apenas publicar reflexões, estudos, indicar bons livros espíritas, divulgar trabalhos sérios, dizer de antemão que há eventos interessantes, lembrar das histórias e preservar a memória espírita, apreciar a boa arte em temática espírita...

Imaginei que pudesse interessar a muita gente, mas nunca imaginei que um dia teria um contador de acessos dizendo que foi vencida a barreira de um milhão de visualizações. Um milhão de pessoas, do outro lado da tela, clicando e lendo o EC.

Não obrigamos ninguém a acessar. Hoje, a maioria dos leitores estão inscritos no Facebook ou no blog, os grupos em que faço chamadas são afins. Nunca investi em propaganda, nem paguei ao Google para mostrar o EC para quem digite a palavra espiritismo em seu instrumento de busca. Não haveria nada de errado nisso.



Nunca ganhei dinheiro com o EC. Talvez devesse, para empregá-lo em caridade e cultura, mas perdi esta oportunidade. Cheguei a tentar uma vez inserir anúncios, mas fiz tantas restrições ao Google, que eles desistiram de mim. Com isso evitei o pensamento de muita gente descaridosa, que logo fica pensando que o editor ganha dinheiro com o espiritismo.

Divulguei meus livros, as traduções, os que foram escritos, os organizados, os psicografados... Imagino que se eu não acreditasse neles, ninguém mais deveria fazê-lo. Mesmo assim, nenhum se tornou best-seller. Talvez eu escreva para muito poucas pessoas, mesmo, ou para pessoas que não gostam muito de livros, preferem os textos rápidos da internet.

Hoje tenho ajuda de amigos, que me comentam e criticam com bom coração, da Érika que virou parceira, mantendo o Eventos Espíritas com seriedade e dedicação, dos colaboradores que cederam gratuitamente seus textos para o EC, e por isso os publiquei com seus nomes em destaque. Agradeço à turma do Célia Xavier, ao pessoal da LIHPE, aos amigos do CCDPE-ECM, do JEE, da UEM, do Felipe Santigo e às pessoas das casas espíritas de Belo Horizonte com quem mantemos contato pessoal. Eles me conhecem ao vivo e à cores, e... toleram. Obrigado pela tolerância, e pelo afeto, que é ainda melhor.



O EC me abriu as portas do Japão, dos espíritas norte-americanos, de Portugal e de muitos outros países, inacessíveis ou de dificílimo acesso, se estivesse publicando apenas nas mídias impressas. Através do EC fiz amigos, conheci boa gente. O EC tem sido meu companheiro em algumas das sessões intermináveis de hemodiálise, e me ajuda a fazer o tratamento, às vezes protestando gentilmente por ter que sair da cadeira. Nessas horas eu estou “quase terminando” um texto, respondendo o comentário de um leitor, pesquisando uma imagem, aprendendo alguma coisa, fazendo uma pesquisa... Posso assegurar que o EC é bom para a saúde, pelo menos para a minha saúde mental.

Perdoem-me aqueles a quem respondi sem paciência. Perdoem-me os que se ofenderam em debates. Perdoem-me os que demorei a responder. Perdoem-me os que ficaram decepcionados com minha pequena capacidade. Perdoem-me os que desejavam que eu fosse capaz de conseguir vagas gratuitas no Hospital Espírita André Luiz. Perdoem-me os místicos, aqueles cuja visão de espiritismo não é compartilhada por mim. Perdoem-me os críticos tenazes, especialmente aqueles com quem não mais tenho conversado. “Os dias eram assim”, cantou Elis.

Obrigado aos que leram. Aos que entenderam minha “cara amarrada”. Aos que perdoaram minhas palavras francas, nem sempre caridosas. Aos que não se ofenderam com meus pensamentos e ideias. Aos que se ofenderam, mas entenderam que pensamos diferente. Obrigado aos que convidaram seus amigos para o EC. Aos que oraram por mim. Aos que riram de algo engraçado. Aos que choraram de algo triste. Aos que se indignaram com coisas erradas que denunciamos. Aos que se iluminaram diante da experiência de outros que trouxemos. Obrigado aos que leram algum de nossos textos em suas comunidades, espíritas ou não. Obrigado aos que compraram algum dos livros que divulgamos (espero que tenham lido e gostado). Obrigado aos que acharam bonitas algumas palavras. Muito obrigado aos que auxiliaram, quando viram que a finalidade era nobre. Isso é o que vimos tentando fazer há um milhão de cliques.

18.11.17

PLANEJAMENTO ENCARNATÓRIO? SÓ EM LINHAS GERAIS.




A Organização das Nações Unidas – ONU diz que nascem 180 pessoas por minuto no mundo, que viverão, em média, 71,4 anos. Inferindo, 94 milhões e 600 mil pessoas nascem todo o ano. Juntas, elas vivem cerca de 59 trilhões de horas.

Fiquei imaginando qual seria a infraestrutura no mundo dos espíritos para fazer o planejamento de 94 milhões de corpos por ano, ou para planejar os eventos que envolvem 59 trilhões de horas para as pessoas que encarnarão em apenas um ano nos quatro cantos do mundo.

Por que estou dizendo isso?

Os leitores da obra do espírito André Luiz, via Chico Xavier, irão se recordar, no livro Missionários da Luz, um caso de planejamento reencarnatório, intitulado “preparação de experiências”. Ele trata de um espírito, em boas condições mentais, apoiado por outros que lhe são afins, planejando a próxima reencarnação.

O autor espiritual faz uma ressalva, que há espíritos que reencarnam sem este tipo de apoio, tendo por base apenas suas promessas, endossadas pelo mais alto.

Alguns leitores apressados, ou desencantados com os revezes da vida, acreditam que tudo o que passam foi programado anteriormente. Não percebem as “causas atuais”, a que se refere Kardec, que são as escolhas que fazemos no curso da presente encarnação. Não percebem também os riscos a que nos expomos e que as ciências desvendam a cada minuto, propondo, quando possível, meios de os evitar ou reduzir.

Kardec não propunha esse determinismo reencarnatório que às vezes vemos no discurso de alguns expositores, como por exemplo, na questão abaixo de O Livro dos Espíritos (os negritos são meus):

259. Do fato de pertencer ao Espírito a escolha do gênero de provas que deva sofrer, seguir-se-á que todas as tribulações que experimentamos na vida nós as previmos e escolhemos?

Todas, não, porque não escolhestes e previstes tudo o que vos sucede no mundo, até às mínimas coisas. Escolhestes apenas o gênero das provações. As particularidades são a consequência da posição em que vos achais e, muitas vezes, das vossas próprias ações. Escolhendo, por exemplo, nascer entre malfeitores, sabia o Espírito a que arrastamentos se expunha; ignorava, porém, quais os atos que viria a praticar. Esses atos resultam do exercício da sua vontade, ou do seu livre-arbítrio. Sabe o Espírito que, escolhendo tal caminho, terá que sustentar lutas de determinada espécie; sabe, portanto, de que natureza serão as vicissitudes que se lhe depararão, mas ignora se se verificará este ou aquele evento. Os acontecimentos secundários se originam das circunstâncias e da força mesma das coisas. Previstos só são os fatos principais, os que influem no destino. Se tomares uma estrada cheia de sulcos profundos, sabes que terás de andar cautelosamente, porque há muita probabilidade de caíres; ignoras, contudo, em que ponto cairás e bem pode suceder que não caias, se fores bastante prudente. Se, ao percorreres uma rua, uma telha te cair na cabeça, não creias que estava escrito, segundo vulgarmente se diz.

(Dedico este texto aos meus amigos, Dr. Felipe Lessa e Dr. Ricardo Wardil.)