24.11.19

SINAIS DE NASCENÇA EM "A TRAGÉDIA DE SANTA MARIA"



Esmeralda fala a Barbedo que reencarnaria com uma mesma mancha de pele que tinha na vida passada.



Continuamos escrevendo sobre detalhes do livro “A Tragédia de Santa Maria”, ditado por Bezerra de Menezes e psicografado por Yvonne Pereira.

Na página 262 da terceira edição (capítulo quarto da quarta parte, com o título “E quando Deus permite!"), na trama da narrativa, o espírito Esmeralda comunica a seu pai, Barbedo, que vai reencarnar. Ela pede que ele examine o corpo físico da filha do casal de parentes em busca de um sinal de nascença que ela apresentava em sua encarnação passada, para certificar-se de que se tratava dela própria, reencarnada.

Os estudos sobre reencarnação são antigos, datam do início do século 20, mas o pesquisador que conheço ter tratado de marcas de nascença foi Ian Stevenson. Ele se popularizou no meio espírita brasileiro no final dos anos 60 com a tradução do livro "20 casos sugestivos de reencarnação" para o português. Ele publicou posteriormente um livro sobre reencarnação e biologia, no qual trata de forma cuidadosa da questão das marcas de nascença (birthmarks).

A pesquisa de Stevenson sobre memórias de vidas passadas em crianças, geralmente iniciadas entre dois e quatro anos, era muito dependente dos relatos feitos pelas famílias, às vezes muitos anos depois das primeiras lembranças. As memórias não são uma fonte muito segura, por que é sabido que esquecemos e nos enganamos sobre eventos acontecidos no passado, quanto mais distantes estamos do ocorrido. Stevenson desejava outras evidências de vidas passadas que pudessem ter sido registradas e verificadas de forma mais confiável.

Em 1961, em sua primeira visita ao Sri Lanka, ele estudou o caso de Wijeratne, que tinha um defeito de nascença severo associado a eventos de vida passada. Depois ele encontrou, no Alasca, os casos de Charles Porter e de Henry Elkin, que tinham marcas relacionadas a uma facada e um tiro ocorridos em suas vidas passadas. Apesar dos relatos, Stevenson diz que levou vários anos para perceber a importância dos registros, cujo insight o levou a colher muitos relatos como esses em um único trabalho, com mais fôlego[1].

Nesse trabalho, Stevenson disserta sobre os casos estudados, e fala dos diversos tipos de marcas, sinais ou defeitos de nascença. Embora sejam muito divulgadas as marcas de nascença correspondentes a feridas e lesões cirúrgicas em vidas passadas, no capítulo 8, Stevenson disserta sobre marcas de nascença correspondentes a outros tipos de feridas ou marcas de pessoas mortas.

Ele conta o caso de Santosh Sukla, que se recordava de ter sido Maya, na Índia. Os dois tinham listras vermelhas nos olhos, causados por arteríolas muito dilatadas na esclera, e não eram parentes, além de serem os únicos membros das respectivas famílias com essa característica física[2]. Stevenson fotografou Santosh aos 25 anos, ainda apresentando essa anormalidade.

Ele relata também o caso de John Rose, do Alasca, que nasceu com uma mancha branca no dorso da mão esquerda, lugar onde, na vida passada ele havia tatuado um lobo.

Stevenson relata casos de “fendas” de nascença onde havia piercings, que depois cicatrizaram, e locais de aumento de pigmentação, onde anteriormente havia pigmentação maior (pintas, onde haviam manchas, pelo que entendi). (p. 66)

Como se vê, o relato de Bezerra de Menezes parece antecipar a descoberta de Stevenson. Não tenho conhecimento da literatura de sinais de nascença associados à reencarnação, anteriores a esse pesquisador, o que daria uma bela pesquisa.

Mais uma vez encontramos uma contribuição interessante na psicografia de Yvonne Pereira, que normalmente passa despercebida  ao leitor da nossa época.




[1] STEVENSON, Ian. Where reincarnation and biology intersect. USA, Praeger Publishers, 1997. p. 2.
[2] STEVENSON, Ian. Where reincarnation and biology intersect. USA, Praeger Publishers, 1997. p. 63-64..


19.11.19

MULHERES E ESPÍRITAS





O informativo da Sociedade Mineira de Pediatria nº 57, publicado em maio/setembro de 2019, publicou uma matéria sobre o Grupo de Convivência da Mulher e Amparo à Maternidade, que acontece aos sábados no Grupo Espírita Luz e Paz – GELP.

A entrevistada da matéria, a médica-pediatra Juliana Goulart, diz que foi convidada por Andréa Lucchesi a participar. No grupo se fazem palestras de orientação de “nutrição, prevenção de doenças, cuidados com os bebês, direitos da mulher, etc.”

O grupo baseia-se em trocas, e não na antiga dualidade assistente-assistido. A Dra. Juliana se considera uma mulher como as demais, e destaca a importância de “fornecer um ambiente de acolhimento, amor e carinho” às crianças que também participam.

O projeto começou há mais de sete anos quando as mulheres eram gestantes. As participantes ganhavam os bebês, mas desejavam continuar participando, então ele foi se conformando a essa nova característica.

No dia 29 de outubro fazia uma palestra na Associação Espírita Célia Xavier sobre a transição planetária e surgiu o tema das contradições do nosso país. Discutíamos como nós nos acostumamos a achar normal bebês serem criados em caixas de papelão no centro da cidade por familiares, no meio da sujeira e fumaça, enquanto colegas europeus se comoviam às lágrimas.

O dirigente fez uma questão interessante, porque quando falamos em um problema dessa ordem, é normal sentirmo-nos impotentes diante dele. Comentamos então, que no meio espírita, pequenas iniciativas podem ter, com o tempo e a associação das pessoas, grandes ou profundas repercussões. O crescimento da nossa casa e das atividades que realizamos foi um exemplo lembrado naquele momento.

Agora, lendo o trabalho das Dras. Andréa e Juliana, e como após sete anos ele está sendo noticiado por um órgão oficial da Sociedade Mineira de Pedriatria, creio que temos mais um exemplo de pequenas inciativas que geram valores, cuidado, consciência de direitos e têm impacto social.

14.11.19

A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA AFETA O CÉREBRO?




Essa simpática cientista "em cima do muro", apresenta alguns resultados de ativação de diferentes áreas do cérebro em diferentes experiências religiosas. Ela mostra que diferentes religiões podem ter resultados satisfatórios para a vida das pessoas e que a experiência religiosa está associada a saúde mental e qualidade de vida, assim como as práticas nas comunidades religiosas, como música, meditação, ioga, dentro ou fora do contexto religioso, também o fazem.

Estamos diante de uma mudança de abordagem das religiões pelo meio acadêmico, outrora resistente a essa dimensão da vida humana por considerá-la opressora e alienante.

12.11.19

ORIGEM DA RESTRIÇÃO ÀS EVOCAÇÕES DE ESPÍRITOS NO BRASIL



Foto de Frederico Júnior, médium do Grupo Ismael


É sabido que Kardec usava as evocações como uma forma de obter informações sobre casos específicos que lhe chegavam às mãos. Contudo, ele não as recomendava como técnica universal e infalível na prática mediúnica.

As evocações nominais, segundo Kardec, demandam médiuns especiais, identificados por ele como flexíveis e positivos. [1] Os médiuns positivos, apresentados no capítulo 16 de O Livro dos Médiuns, segundo o próprio Kardec, são muito raros. Os médiuns flexíveis, que Kardec menciona apenas no capítulo 16, item 191, parecem ser o mesmo que os maleáveis, definidos acima. São capazes de dar comunicações de “diversos gêneros”, e ditadas por “quase todos os espíritos”.

Atento para com suas limitações ele advertia os espíritas para o risco de fraude por parte dos espíritos: “evoca um rochedo e ela te responderá. Há sempre uma multidão de espíritos prontos a tomar a palavra sob qualquer pretexto”[2].

Alguns autores atribuem a censura da prática das evocações a Chico Xavier. Eles geralmente se lembram da frase: o telefone toca de lá para cá. Honestamente, acredito que não seja verdade. Chico participava de reuniões onde ocorriam evocações mentais, nas quais parentes de pessoas desencarnadas pediam à espiritualidade a sua comunicação. Havia apelos mentais[3]. Tantos, que no livro Missionários da Luz, os espíritos em uma sessão de materialização recomendam que as pessoas cantem, para que se desligassem do petitório mental (p. 118). Isso significa que mentalmente se solicitava da espiritualidade a presença dos familiares, entre outros desejos, embora não se pudesse assegurar que eles estariam em condições de se comunicar, como vemos no capítulo 25 de O Livro dos Médiuns na pena de Allan Kardec: há diversos motivos para que os espíritos evocados não possam se manifestar. A explicação do Chico aos familiares, referindo-se ao telefone, é mais um eufemismo, visando preservá-los da dor da perda, mais uma vez revivida.

Estudando as informações publicadas sobre o Grupo Ismael, do Rio de Janeiro, encontrei algumas orientações dadas pelo “espírito guia” do grupo pela mediunidade de Frederico Júnior. Ele dizia:

“Não se ofereçam para evocações. Quando um centro não lhes parecer homogêneo, neguem-se ao trabalho, porque assim pouparão elementos do seu cérebro e não darão ocasião a divertimentos, a que muitos estão acostumados.
A sua linguagem deve ser esta:
Eu só trabalho quando meu guia esteja a meu lado, e desde que meus companheiros não me proporcionem a satisfação desta vontade, eu não trabalho: porque serei uma máquina sem maquinista, serei uma bússola sem agulha, serei um navio sem leme, e o meu estado é perigoso.” – Ismael via Frederico Júnior[4]

Creio que a orientação de Ismael se deve à época e aos conhecimentos do grupo. No Brasil ainda era muito comum a prática da mediunidade (e a de efeitos físicos também) para atrair adeptos. O grupo de Ismael era um dos primeiros a se dedicar ao exercício sistemático da mediunidade.

Se o público participante, que ignorava o espiritismo e os cuidados com a mediunidade, fosse incentivado a ir, movido exclusivamente pela curiosidade, os médiuns ficariam expostos a vexames públicos, às reações psicológicas dos assistentes da reunião e de outras consequências desagradáveis, diante da prática pública e oral de evocações. A prática mediúnica se tornaria uma espécie de espetáculo, onde as pessoas iriam querer que seus desejos e exigências pessoais fossem atendidos pelo médium. Muito diferente do ambiente de estudo criado por Allan Kardec na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, em Paris. Talvez por isso tenhamos a orientação restritiva do espírito que se identificava como Ismael.

O cuidado intransigente da presença do "guia" sugere fragilidade da direção encarnada da reunião mediúnica. O médium se orienta preferencialmente através do espírito que reconhece como guia. Sabemos que é uma atitude arriscada, porque nem sempre o médium é capaz de identificar esse espírito e outro espírito pode se passar por ele. Seria um cuidado próprio para a época e específico para o Grupo Ismael? Penso que sim.

Não há como afirmar sem dúvida que essa é a origem da restrição às evocações verbais nas reuniões mediúnicas brasileiras, mas é o que encontrei de mais antigo, e Chico Xavier ainda usava calças curtas.




[1]KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 40 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. [Segunda parte - Das manifestações espíritas. Capítulo 25 - Das evocações » Considerações gerais, item 269]
[2] KARDEC, Allan. Evocações dos animais in: O Livro dos Médiuns. 40 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. [Segunda parte Segunda parte - Das manifestações espíritas - Das evocações. Capítulo 25 - questão 283 - 36ª.]
[3] LUIZ, André. Materialização. in: Missionários da Luz. 13 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1980.  p. 117-118
[4] RICHARD, Pedro. Frederico Pereira da Silva Júnior, Reformador, Rio de Janeiro, ano 32, n. 18, 16 set. 1914,  p. 319


5.11.19

EM LUZ



Domingo fomos ao teatro do Colégio Monte Calvário para assistir ao espetáculo “Em Luz” da cantora espírita Sandra Miramar. Sandra é estudiosa e expositora há décadas, mas tem ligações com a música desde a participação na Mocidade “O Precursor”, na União Espírita Mineira. Sandra participou do Coral “Pedro Helvécio” no final da década de 1970, ainda com Elcinho como maestro. Lá ela teve contato com James Marotta, que marcou época com suas músicas e arranjos vocais. 

Algumas criações do James se encontram no Soundcloud, no seguinte endereço: https://soundcloud.com/james-marotta

Abaixo está a música "Noite Igual", dele.




Outra influência que se encontra no CD que gravou foi do Toninho (Antônio Gonzalez), jovem músico da mocidade O Precursor e também maestro do Coral Pedro Helvécio por algum tempo. Sandra recuperou a música intitulada “Luz”, na oitava faixa.

Embora desejasse muito ser cantora, sob a influência da mãe iniciou sua carreira profissional na área de saúde mental. Sandra formou-se enfermeira de nível superior, trabalhou no Hospital Espírita André Luiz e no Instituto Raul Soares da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais-FHEMIG. Ela dirigiu a Escola de Formação  profissional da Fhemig, que foi incorporada à Escola de Saúde. Posteriormente ela foi coordenadora na Escola de Saúde de MG. Sandra exerceu docência e pesquisa na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Em seu trabalho, Sandra associava a música à saúde. Aprendeu violão para tocar para as hansenianas de Sabará, cidade histórica mineira que ainda sofria os efeitos de anos de segregação social dos portadores do mal de Hansen.

“- Elas ficavam alegres com a música! ” Disse-nos.

Nos hospitais psiquiátricos montou grupos de teatro e música, à época levava jovens das mocidades espíritas para cantar e representar peças teatrais voluntariamente.

Os anos se passaram e Sandra passou a levar seu violão nas palestras espíritas que fazia fora de Belo Horizonte para cantar alguma música. Os participantes perguntavam se ela não tinha um CD ou um lugar na internet em que pudessem acessar suas canções e ouvir sua voz. Ela sempre postergava, dizendo que quando aposentasse iria fazê-lo.

Veio a aposentadoria e com ela aulas de canto, contatos no meio musical, recuperação de músicas e a gravação do CD. Daí para o palco do teatro foi um passo.

O espetáculo foi composto de voz, de violão, de flauta, de violino e de cajón. Entre os convidados, estavam o cantor Tim, o grupo Lumiar e um conjunto de jovens da COMEBH.

Além das músicas que compõem o bom CD com o mesmo nome do show, Sandra escolheu algumas músicas com temática religiosa.

“- Vivemos tempos pesados! ” Ela nos disse.

“- Gravei o CD para que as pessoas possam ouvir uma música suave e desligar-se dos problemas da vida. ”

Músicas muito cantadas em nossas casas espíritas, como “Mensagem Fraterna” composta para a letra de Auta de Souza, psicografada por Chico Xavier, tiveram um arranjo diferenciado. Esta canção me lembrou “Scarborough Fair”, música medieval inglesa cuja regravação de Simon e Garfunkel tornou popular nos anos 1960-70.

Uma bela surpresa é a música “Amazing Grace”, de 1773, composta originalmente por John Newton, um traficante de escravos que se tornou pastor. Dizem que a canção era cantada pelas “peças” transportadas em “bocca chiusa” porque lhes era impedido falar ou gritar. Sandra gravou a canção com letra em português de James Marotta.

Outra escolha de canção muito divulgada por aqui foi “Fim dos Tempos”, de João Cabete (1919-1987). Cabete é um compositor espírita paulistano, que se tornou advogado e tabelião em São Bernardo do Campo. Tem mais de 200 músicas e influência em Belo Horizonte e região em função do Coral Scheilla. Procurei, mas não encontrei informações sobre a música. Algo me diz que deve ter sido composta em reação ao sofrimento proporcionado pela segunda guerra mundial.

Onde comprar?

Livraria da União Espírita Mineira
Rua Guarani 314 - Centro. Belo Horizonte-MG
(31) 3201-3038

Livraria Novos Rumos
Rua Rio de Janeiro 1212 - Centro. Belo Horizonte - MG
(31) 3224-0643
https://lojanovosrumos.com.br/

31.10.19

A TORTURA DE BENTINHO NA PRISÃO


Aquedutos do Rio de Janeiro


Raquel F. Lima

Estamos estudando em nossa reunião a obra mediúnica Tragédia de Santa Maria, psicografada por Yvonne A. Pereira, autor espiritual Bezerra de Menezes, e em certo momento da história, ocorreu o assassinato da doce Esmeralda, filha do pomposo Comendador Barbedo. Este, por sua vez, enceguecido pela dor lancinante que dilacerava seu coração de pai, afirmou às autoridades policiais que os responsáveis por tal atrocidade seriam o escravo liberto Cassiano e seu genro e advogado, Bentinho.

Ambos foram imediatamente recolhidos à prisão, lá, foram submetidos aos castigos dos açoites, e estes fatos despertaram nossa curiosidade, enquanto operadores do Direito. Seria permitido pela legislação da época este tipo de tratamento a um advogado? O autor espiritual narra que Bentinho fora castigado, mantido isolado, segregado e incomunicável, e que ele por vezes intercedeu em favor do advogado, solicitando entrevistas com o preso, porém, não fora atendido. Como isso foi possível, sendo Bentinho advogado e branco?

De acordo com o Estatuto da Advocacia da OAB, vigente desde 1994, é prerrogativa do advogado ”não ser recolhido preso, antes da sentença transitado em julgado, senão em Sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm). O advogado é considerado pelo Estado Brasileiro como indispensável à administração da justiça, conforme art. 133 da Constituição Federal de 1988 (https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_12.07.2016/art_133_.asp), e o referido Estatuto da OAB, no parágrafo primeiro do artigo 2º  considera que o serviço prestado pelos advogados tem função social, devido à sua relevância (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm). Diante de tantas prerrogativas, é natural à todo advogado questionar e analisar o tratamento deferido a um colega de profissão, mesmo que os fatos tenham ocorrido nos anos de 1880.

Analisando a legislação da época, estava vigente o Código Criminal de 1830, de influência portuguesa, sancionado quando D. Pedro II era o Imperador do Brasil, sendo revogado pelo Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, em 1891, (Decreto nº 847/1890 e 1.127/1890), este de cunho republicano, porém não menos violento que o primeiro. Quando comparado à legislação portuguesa que o inspirou, o Código de 1830 avançou em questões quanto à preservação da integridade física para os homens livres, quanto à inviolabilidade dos direitos civis garantidos a partir da Constituição de 1824. Porém, em relação aos escravos, no artigo 60 da referida legislação penal brasileira, havia a previsão legal para os castigos corporais, como por exemplo, os açoites.

Fato é que as autoridades responsáveis pelo esclarecimento do crime descumpriram os preceitos legais aplicáveis ao caso em tela, relegados sob a influência política do orgulhoso Comendador Barbedo, aplicando a Bentinho tratamento que não estava previsto na legislação, o que levou Bentinho à loucura e à morte.

São tantos os detalhes e tão peculiares as circunstâncias que só mesmo estando lá, no calor dos acontecimentos, para descrevê-los com tantas minudências inclusive quanto ao contexto histórico, e é neste ponto que rendemos homenagens à excelência da mediunidade de Yvonne A. Pereira, que fielmente relatou a história contada pelo autor espiritual, Bezerra de Menezes. A médium descreveu acontecimentos desconhecidos de per si, fatos que não presenciou e que pelo estudo da legislação penal da época, verificou-se que estavam presentes no cotidiano dos viventes, que até os consideravam normais e necessários à repressão de crimes e à manutenção da ordem. Constata-se quão fidedigna é a sua descrição de detalhes tão peculiares ao cotidiano do século XIX.
Assim sendo, fica aqui nossa singela homenagem e a nossa gratidão à esta notável trabalhadora espírita, Yvonne A. Pereira.



A Tragédia de Santa Maria - página 207 (3a. edição)

"Todas as provas recaíam sobre o desgraçado esposo da vítima, o advogado Bento José de Souza Gonçalves. Detido para averiguações no próprio dia do crime, sem haver sequer iniciado a defesa a que se comprometera com o Júri, logo de início se reconheceu enleado por uma série esmagadora de circunstâncias que, efetivamente, apontavam a possibilidade de ser ele próprio o estrangulador da esposa. Em vão o infeliz moço debatia-se, apelando para os recursos de que, como intérprete das leis vigentes no País, poderia dispor, exigindo, no dia fatal, por entre lágrimas de rescaldantes revoltas, lhe concedessem o direito sagrado de visitar o cadáver da esposa e de, como advogado, auxiliar as demarches para a descoberta do verdadeiro criminoso, pois que se proclamava acima de quaisquer suspeitas." 

29.10.19

ROBERT ALMEDER FALA SOBRE REENCARNAÇÃO






Neste vídeo, a TV NUPES entrevistou o pesquisador Robert Almeder. Ele é professor emérito da Faculdade Estadual da Geórgia, com diversos trabalhos na área de Filosofia da Ciência. Almeder publicou sobre Charles S. Peirce e Nicolas Rescher. Tem dois livros publicado sobre sobrevivência da alma e reencarnação: "Beyond Death: The evidence of life after death" e "Death and personal survival: the evidence for life after death".

A visão de ciência que ele defende nesse vídeo é muito próxima à exposta por Karl Popper: fundada na falsificabilidade do pensamento científico.

É uma entrevista curta e muito clara, com argumentação muito amigável ao leitor sem formação específica em filosofia, psicologia ou parapsicologia.

"Robert Almeder é Professor titular de filosofia da Georgia State University (EUA). Já foi editor do “The American Philosophical Quarterly” e é co-editor do “Biomedical Ethics Reviews”. Autor de vários livros, entre eles:“Truth and Skepticism” e “Death and Personal Survival: the evidence for life after death”. Possui doutorado em filosofia pela University of Pennsylvania, recebeu os prêmios “Outstanding Educator of America Award” e “Georgia State University Alumni Distinguished Professor Award”.  


24.10.19

QUE SUGESTÕES DEU RIVAIL PARA A MELHORIA DA EDUCAÇÃO NA FRANÇA?

O longa narra a trajetória do escritor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), responsável por publicar o pentateuco espírita (Foto: Divulgação)

HLD Rivail escreveu em 1828 um livro chamado “Plano proposto para a melhoria da educação pública” na França. Como ele havia estudado no Instituto Pestalozzi, na Suíça, ele apresentava aos franceses algumas das diferenças do método de ensino-aprendizagem de sua escola para as praticadas pelas escolas francesas, muito influenciadas ainda pela educação clássica das escolas religiosas do século 18.

O livro, hoje, é raro, mas foi obtido, traduzido ao português e publicado pelo site dos “Autores Espíritas Clássicos” em sua base de dados. Não consegui obtê-lo na Gallica em seu original francês, o que prejudica este texto, porque não sabemos ao certo quais foram as escolhas feitas pelo tradutor para determinadas palavras técnicas muito específicas ao ensino da época.

Educação Pública

A primeira coisa que chama a atenção é ele ter-se preocupado mais com a educação pública  e não apenas com a dos filhos das elites. Ele, neste ponto, alinha-se com o projeto de educação da revolução francesa, que desejava uma educação pública, gratuita e universal (para todos os cidadãos, pelo menos a educação fundamental).

Ensino de línguas contemporâneas e não clássicas

Outra questão que Rivail tratou de forma enérgica foi a da diminuição da importância dos estudos do grego e do latim no ensino fundamental. Ao que parece, o estudo dessas línguas era considerado mais importante que o estudo da própria língua pátria e das línguas contemporâneas. O instituteur francês se queixa dos anos de estudos dedicados às línguas mortas (p. 23), em detrimento do ensino de outros conhecimentos que poderiam fazer com que o aluno entendesse melhor o mundo em que se encontrava e seus fenômenos. Talvez por isso tivesse escrito um livro de aritmética para o ensino fundamental e um livro de gramática francesa.

Pedagogia como ciência e profissão de prestígio

Um terceiro ponto sobre o livro é o que parece indicar que as escolas eram uma espécie de herdeiras da educação eclesiástica. Parece que os educadores apenas repetem as práticas a que foram submetidos quando eram alunos. Rivail se preocupa com que se desenvolva a pedagogia como uma ciência da educação, semelhante à medicina e ao direito, que exigiam formação de quem quisesse exercer a profissão. Fico pensando se muitos professores do equivalente à nossa educação fundamental na França de Rivail não eram apenas pessoas ligadas ao clero, e isso, com talvez alguma autorização do Estado, não seriam considerados suficientes para o exercício da docência.

Ao tratar desse ponto, Kardec adverte a sociedade francesa sobre a desvalorização do professor:

“...os educadores são em geral considerados como primeiros criados e na educação pública são vistos como sucessores das amas de leite. Pensai que eles vos substituem; que eles exercem junto aos vossos filhos, não funções baixas e servis, mas aquelas que deveríeis preencher vós mesmos.”

Uma época contra o ensino de base eclesiástica

O Trivium medieval se transformou em studia humanitatis (ou humanidades) antes de Rivail. Nele se estudavam a gramática e a retórica (e não a lógica ou filosofia). O estudo primário das humanidades formava o que se considerava ser o coração da educação liberal. No passado, as atividades hoje chamadas técnicas seriam atribuição dos escravos e os cidadãos gregos e romanos se preparariam para a vida pública, que lhes era reservada e interdita às mulheres, servos e escravos.

Essa influência das sociedades grega e romana, somadas à influência da Igreja, eram muito marcantes no antigo regime francês. Os revolucionários opuseram-se à chamada formação liberal e implantaram leis e normas em busca da criação de uma formação profissional, que deu ênfase, no ensino superior às faculdades de medicina e direito, e às Escolas Politécnicas, como Escola Politécnica de Paris, que dirigiu Albert de Rochas.

Educação sem punição e sem competição

Uma das influências de Pestalozzi nos escritos de Rivail, que talvez remonte à Rousseau, diz respeito a uma educação que não se fundasse nos castigos e punições de alunos. Rivail escreve contra o detestável hábito da palmatória (símbolo dos castigos físicos) e dos exercícios forçados como punição (escrever uma frase inúmeras vezes, por exemplo). Ele entende que a influência moral do professor, sua desaprovação explícita, pode agir como forma de coibir os excessos que os alunos venham a cometer.

Rivail critica a promoção da competitividade entre os alunos como forma de incentivar o ensino. Ele percebe que apenas os alunos que se destacam nas atividades em que se compete são incentivados a se desenvolverem. Os que têm dificuldades não se sentem interessados em competir, já que sabem que o resultado dificilmente será de sucesso. O Instituto Pestalozzi usava uma pedagogia da colaboração (mutualismo?) na qual os alunos mais avançados, tratados como “tu” e não com a formalidade do vós, auxiliariam na condição de monitores os alunos mais jovens ou em um estado anterior de aprendizagem.

Intuição como instrumento da educação

O ensino aos moldes do que ele viveu no Instituto Pestalozzi, basear-se-ia na intuição, aqui vista como a condução das atividades de ensino de tal forma que os alunos pudessem dar sentido ao que viam e viviam. Sob esse princípio, muito se poderia explicar do campo da biologia e da geologia em um passeio nas florestas. A educação seria muito mais tolerável se, em vez de basear-se exclusivamente na memorização de conteúdos isolados, pudesse se transformar em um meio para a compreensão dos fenômenos naturais.

Uma educação que desenvolve o conhecimento, o caráter e o corpo

Já no século 19, Rivail se preocupava com o escopo da educação. Ele a concebia como o desenvolvimento harmônico das diversas faculdades do ser. Por isso, ele parece criticar a ênfase da docência no mero ensino de conteúdos cognitivos, como a matemática e a gramática, para também abranger um desenvolvimento físico, através de exercícios e talvez de atividades como a esgrima, praticada no Instituto Pestalozzi, e da educação moral, que ele credita às impressões recebidas (p. 3), ou seja, ao convívio entre professor e aluno.

Rivail foi um homem que trouxe sua experiência no Instituto Pestalozzi para a França, não se importando com as tradições e os costumes. Nascido em uma família católica e educado em uma instituição protestante, aprendeu a confiar mais na sua própria experiência de vida que nos livros. 

Conviveu com as contradições e saiu em defesa do que considerava ser o melhor para a educação na França. Sua experiência como educador o preparou para a tarefa que se propôs a fazer: estudar os fenômenos mediúnicos a partir de sua própria observação, elaborar uma teoria desses fenômenos e defendê-la da crítica mal fundamentada.

O futuro mostrou que Rivail estava certo na maioria das ideias pedagógicas que defendeu, em uma época na qual podiam soar como mero modismo ao cidadão francês comum.

Fonte bibliográfica

Rivail, HLD. Plano proposto para a melhoria da educação pública. Paris: Dentu, 1928.

22.10.19

MUDANÇAS NO ESPIRITISMO COMENTADO

Espiritismo Comentado


Atendendo a sugestões feitas por leitores do Espiritismo Comentado, fizemos quatro pequenas mudanças pontuais:

1. Facilitamos os comentários no blog, bastando preencher a caixa de comentários e identificar-se. Pedimos aos leitores que insiram pelo menos um nome para o qual possamos responder, evitando comentários anônimos.

2. Inserimos em cada publicação (post) um link para redes sociais que facilita o compartilhamento direto do blog.

3. Inserimos uma escala de reações para que os leitores indiquem o que pensam das publicações.

4. Inserimos na coluna à direita, logo abaixo do link para o livro “Conversando com os espíritos”, um link do mais novo livro da Liga de Pesquisadores do Espiritismo – LIHPE: "O espiritismo, da França ao Brasil". Ele pode ser adquirido na livraria do Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – CCDPE-ECM ou na distribuidora Boa Nova.

19.10.19

CONVERSANDO COM OS ESPÍRITOS



reuniao-mediunica.jpg

Uma reunião sem mesa. Não temos por hábito colocar as mãos para cima...


O último número do Correio Fraterno fez uma ótima síntese do nosso seminário "Conversando com os espíritos", baseado no livro de mesmo título publicado pela Lachâtre.

A imagem lembra bem nosso grupo. Uma reunião em círculo com cadeiras tipo universitário onde se pratica a mediunidade e se faz comunicações simultâneas. Um coordenador atento, médiuns de psicofonia (falantes), psicografia (escreventes) e desdobramento (sonambulismo mediúnico).

Os espíritos se comunicam contando suas histórias, dramas pessoais e sofrimentos, e aproveitamos uns poucos minutos que temos para auxiliá-los da melhor forma possível. Às vezes espíritos superiores, pessoas antes ligadas à nossa casa e já desencarnadas e espíritos que participam dos trabalhos "do outro lado" nos dão uma orientação, uma palavra de incentivo, um carinho.

Ao longo dos anos, estudando mediunidade em diversos autores na primeira parte da reunião, praticando na segunda parte e avaliando o que foi feito na terceira parte, observamos que os princípios da técnica de relação de ajuda, desenvolvida por Rogers no século passado, são úteis em nosso trabalho e mais úteis ainda para os espíritos em sofrimento. 

Verificamos, estudando Kardec, que alguns dos princípios do atendimento aos espíritos já se encontram esparsos em suas publicações, principalmente na Revista Espírita. Espíritos superiores foram falando "homeopaticamente", como lidar com espíritos obsessores ou em situação de sofrimento.

Confiram a bela síntese do seminário que a equipe do Correio Fraterno publicou recentemente, após estar conosco, clicando no link abaixo:





14.10.19

HLD RIVAIL, BANQUEIRO?

Imagem: HLD Rivail e Maurice Lachâtre, sócios em um banco


Uma das descobertas curiosas de François Gaudin, estudioso da vida de Maurice Lachâtre, foi a sociedade que ele estabeleceu com HLD Rivail na França em 1840. Ela se chamava “Sociedade Delachâtre e Rivail”.Rivail é o “nosso” Rivail, nascido em 03 de outubro de 1804, na cidade de Lyon.

Os dois fundaram um Banco de Intercâmbio, destinado a “facilitar as transações comerciais, proporcionar novas oportunidades ao comércio e à indústria, suprir a falta de recursos monetários através de troca de qualquer tipo de produto.” 

Gaudin encontrou essas informações nos Arquivos de Paris, e citou suas fontes documentais. 

O banco parece não ter tido sucesso, mas Gaudin, em nossa fonte, não informa quando ele encerrou suas atividades ou foi vendido para novos proprietários. 

Olhei as datas, para saber se Lachâtre seria o investidor citado por alguns biógrafos de Kardec, que faliu e perdeu o dinheiro que ele recebeu quando vendeu o Instituto Rivail, mas isso se deu alguns anos antes do registro da empresa acima citada.

O que teria acontecido se o banco tivesse sucesso? Talvez Rivail não tivesse tempo para se dedicar aos estudos espíritas e a sua organização tivesse que ser feita por outra pessoa...

LACHÂTRE, Maurice. O espiritismo, uma nova filosofia. Bragança Paulista-SP, Lachâtre, 2014. [Organização, apresentação e notas feitas por François Gaudin]

12.10.19

RIVAIL: MEMBRO DA SOCIEDADE FRANCESA DE ESTATÍSTICA UNIVERSAL


Imagem obtida em http://www.autoresespiritasclassicos.com/Allan%20Kardec/1/O%20professor%20Rivail%20e%20Allan%20Kardec.htm


Em meio aos documentos de HLD Rivail, encontra-se o diploma acima de membro da Sociedade Francesa de Estatística Universal. Esta instituição, dividida em seções ou comissões, estuda a estatística associada a outras áreas do conhecimento. 

Em seus estatutos se vê a estatística ligada a:

- Topografia
- Produções naturais (das minas e do solo)
- Da população
- Da agricultura
- Da indústria
- Do comércio
- Das ciências (instrução geral, línguas, literatura e belas-artes)
- Das religiões e cultos
- Dos poderes legislativo, judiciário, administrativos, das contribuições e finanças, das forças armadas e da diplomacia

Esta sociedade aproxima-se mais de um IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que de uma associação de estatísticos. Segundo os estatutos da sociedade,  ele foi apresentado por dois membros e aceito em reunião geral. No diploma ele é qualificado como “Chefe de Instituição”, semelhante ao nosso “Diretor de Escola”. 

Os participantes pagavam uma anuidade de 30 francos, o que é uma das fontes de manutenção da Sociedade. Os associados tinham acesso à biblioteca e podiam adquirir os livros da instituição a preços mais baixos. 

Há a possibilidade de Rivail ter participado das comissões sobre as ciências, especialmente da instrução geral. Os encontros eram mensais.

Fonte: Estatutos da Sociedade Francesa de Estatística Universal na Biblioteca Nacional da França

10.10.19

KARDEC, O FILME: NA SALA DE AULA


Uma charge de época sobre a Lei Falloux

Kardec, o filme, começa com uma aula de Rivail em uma sala só de meninos, possivelmente em 1850. São crianças que aparentam, pela idade, estar no ensino primário francês. Kardec faz um discurso simpático e afetivo. A aula é interrompida por um padre que inicia a “hora do catecismo”. Depois Kardec se indigna com a interferência da igreja no ensino.

# Fato: o ensino primário na França em torno dos anos 1850 não aceitava escolas mistas.

#Ficção: na época de 1850, Rivail era diretor do Liceu Polímático [1] . Os Liceus eram escolas de ensino secundário, segundo a lei de 1808 [2] que criou a Universidade Imperial e que tinha sob sua gestão as seguintes instituições :

Academias, que poderiam ter outras instituições sob seu controle e eram regionais. 

Faculdades: instituições de ensino superior, geralmente de medicina, direito, letras, filosofia, etc.

Escolas secundárias (Liceus), onde se estudavam línguas antigas, história, retórica, lógica (filosofia) e elementos das ciências

Escolas secundárias comunitárias (Colégios), nas quais se estudam línguas antigas e primeiros fundamentos das ciências

Instituições ou Institutos (Institutions), escolas administradas por instituteurs (um tipo de professor) particulares, semelhantes aos colégios. 

Pensionatos (pensionats) pertencentes a professores particulares (mâitres) e dedicados a estudos inferiores às instituições

Escolas Primárias (petites écoles ou écoles primaires) nas quais se aprende a ler, escrever e se obtém as primeiras noções de cálculo.

# Ficção: O padre interrompe a aula de Kardec para ensinar catecismo

Desde a reforma de Napoleão, em 1808, a moral cristã é objeto de ensino aos alunos das escolas primárias e secundárias na França. Em 1850, que parece ser o período indicado pelo filme, é aprovada a Lei Falloux. Falloux eram um conde católico que ocupou o cargo de Ministro da Instrução Pública e encaminhou uma lei que reformava o ensino francês. Ele tinha ideias como “Deus na educação. O papa à frente da igreja. A igreja à frente da civilização””. Todavia, sua reforma é bem mais modesta, e sofreu a oposição de intelectuais como Victor Hugo, que dizia “A igreja na casa dela. O estado na casa dele”.

O programa aprovado pela Lei Falloux inclui o respeito pelas hierarquias sociais, e prevê a presença de bispos nos conselhos superior e secundários. A lei que a antecedia, a Lei Guizot, de 1833, propunha originalmente a presença de curas ou pastores nas comissões locais, teve esse artigo vetado, e elas ficaram exclusivamente sob o controle de representantes do estado.

A lei Falloux trata de um controle maior sobre os Instituteurs (professores, diretores de institutos), que pleiteavam melhores salários ao estado. 

Falloux defende, na verdade, a liberdade de ensino proposta na constituição  e abre espaço para o funcionamento livre das escolas confessionais, particulares e mantidas por associações. É uma ação de desestatização parcial do ensino e de possibilidade de oferta a partir da livre iniciativa [3].

Um retrocesso da lei é a autorização de ensino para ministros de culto, pessoas com certificado de estágio e, para as freiras, uma carta de obediência ao bispo. Antes somente pessoas com formação normal ou diploma de bacharel (bachelier) poderiam ser professores [3].

A presença dos bispos nos conselhos permite que, na prática, eles possam transferir professores e que mediante um relatório, o prefeito possa demiti-los.

O século 19 foi marcado pela disputa entre o ensino laico, obrigatório e universal e o ensino religioso, com avanços e retrocessos ao longo do século. 

Não se trata, portanto, de se colocar padres nas escolas primárias e secundárias laicas, nem de uma invenção do ensino da moral cristã, que já existia desde Napoleão no ensino francês. A cena é ficcional, mesmo porque Kardec era o diretor do Liceu Polimático até 1850.

Referências

[1] Chibeni, Silvio. Quadro dos principais fatos referentes a Allan Kardec e às origens do Espiritismo. Disponível em  www.autoresespiritasclassicos.com/Allan%20Kardec/5/Quadro%20dos%20principais%20fatos%20referentes%20a%20Allan%20Kardec%20e%20às%20origens%20do%20Espiritismo.htm. Acesso em 10/10/2019
[2] Artigo 5 da lei que criou a Universidade Imperial, e que à época era responsável pela regulação e controle do ensino na França, do primário ao superior.
[3]  Loi Falloux. Disponível em: https://howlingpixel.com/i-fr/Loi_Falloux Acesso em 10/10/2019

8.10.19

POR QUE DISCUTIR O FILME KARDEC?

Jovens estudando a vida de Allan Kardec na Associação Espírita Célia Xavier



Nossa última publicação sobre o filme Kardec, que se encontra no Netflix, parece ter saído sem explicações, o que gerou comentários diversos, então gostaria de explicar nossas intenções.

O filme Kardec é uma ficção baseada na vida de HLD-Rivail/Allan Kardec, portanto entremeia eventos que aconteceram e estão documentados e eventos imaginados pelo autor e roteiristas. 

Recentemente fui convidado a falar sobre a vida de Rivail/Kardec até o lançamento de O Livro dos Espíritos para jovens de 13 e 14 anos em nossa casa e se sugeriu o uso do filme como mídia útil e de interesse dos jovens. Como usar o filme com essa finalidade?

Resolvemos, então, bem ao gosto da nova geração, fazer um “fato ou fake”, como forma de usar o filme e ao mesmo tempo apontar o que é ficção, para que os jovens possam, ao mesmo tempo, aprender sobre a vida de Kardec e curtir as imagens do filme.


Alguns livros de Kardec e sobre a vida de Kardec apresentados no estudo


Então resolvemos publicar o “Fato ou Fake”, não com o objetivo de criticar a produção (o que seria legítimo em outro contexto), mas de ajudar as pessoas que não estudaram a vida de Kardec a distinguir as licenças que o Wagner se deu para construir um filme que também fosse agradável de se ver, nas condições que o espaço de duas horas pudesse oferecer.

Não me coloco na posição de “dono da verdade” em matéria de Allan Kardec, e entendo a reação do Wagner expressa no Podcast Podser #035 (o link está abaixo deste texto) a algumas críticas, embora tenha me sentido meio desqualificado de fazer comentários. Ficou parecendo que quem critica algum ponto do filme é uma espécie de fanático, que não conhece as artes e muito menos o cinema, que quer fazer prevalecer seus pontos de vista sobre Kardec, e até mesmo que são atávicos ou mal fundamentados. Isso existe, ele não está errado, mas se o assunto fosse um grupo musical ou um grupo de fãs de um autor da literatura, talvez não se dirigisse aos fãs com esse tom meio defensivo, meio desqualificador.

Isso não é muito bom para o filme, porque o que notei é que os espíritas criticaram entre si nas redes sociais, a boca pequena, muitos incomodados com algumas escolhas de desfecho ficcional, mas praticamente não li na imprensa espírita um debate sobre o filme.

Se os leitores se interessarem em saber o que vimos que parece ser pura ficção, e que ao contrário do que o Wagner colocou, não nos parece factível, e desejar saber por que, manifeste-se para que eu possa usar o espaço do Espiritismo Comentado para fazê-lo. 

Um abraço a todos, e um especial ao Wagner de Assis que fez um trabalho "trabalhoso".

Jáder Sampaio


4.10.19

ALLAN KARDEC: O FILME - FATO OU FAKE?




Kardec - o filme, chegou  na Netflix com o título Kardec. Meu amigo cinéfilo, Marcus Vinícius Papa sugeriu que fizéssemos no Espiritismo Comentado um Fato ou Fake com diversas passagens do filme que merecem uma análise mais precisa sobre o que realmente aconteceu. (palavras do Papa) 

Vamos fazer alguns com base nas diversas fontes disponíveis sobre Rivail-Kardec.

Aos 11 minutos e 20 segundos o editor Didier lhe dá exemplares de seus livros e assim o diz:

"- São todos os que eu tenho por agora, professor! Aritmética, Gramática, Astronomia... Proposta de melhoria da escola pública! Acho que foi um dos primeiros que o senhor escreveu!"

Didier se equivoca quanto à ordem de publicação. O primeiro livro publicado por Kardec, em dezembro de 1823 foi Curso prático e teórico de aritmética  segundo o método de Pestalozzi. Na Gallica, a biblioteca digital da Biblioteca Nacional da França, se encontra um exemplar digitalizado de 1824. 

O Plano proposto para a melhora da educação pública escrito por Rivail saiu em 1828, cinco anos depois.

Embora Rivail desse aulas de astronomia, não encontrei livro atribuído a ele sobre o assunto.

Como Didier não tem certeza do que fala no filme, eu classificaria com um:

#Não é bem assim.

3.10.19

IMPRESSÕES DO FILME DIVALDO, O MENSAGEIRO DA PAZ


Ana Franco: mãe de Divaldo



Domingo à tarde e fui com minha esposa assistir ao filme Divaldo, o mensageiro da paz.

Depois de ter assistido o “Allan Kardec”, que entre fatos e fakes ficou com muitos “não é bem assim”, o Divaldo está bem próximo das histórias da própria vida que ele sempre nos contou, ao longo de anos de palestras e conferências.

O roteirista optou por contar a infância, a descoberta da mediunidade, as obsessões espirituais e a construção da Mansão do Caminho.

No domingo à tarde o público não era muito grande no cinema. Devia ter um terço ou um quarto da sala de exibições, mas as reações ao filme entregavam a filiação religiosa dos presentes. A história correu entre risos e lágrimas, e ao final, mais lágrimas que risos. As pessoas presentes aspiravam suas lágrimas, e os sons aconteciam em todos os espaços da sala de projeções.

O filme fala discretamente do suicídio de Nair Franco. O cineasta conseguiu fazer uma espécie de presença seguida de ausência, e da apreensão dos familiares seguida da dor. Ana Franco é a grande personagem da trama, na minha opinião, mais impressionante que o próprio Divaldo.

A ruptura dela com a comunidade católica em que se achava bem inserida, em função da antiga visão da igreja sobre o suicídio, talvez um pouco elaborada em termos do seu discurso, é um grande momento do filme. A busca pelo tratamento do filho, mesmo desgostando seu marido, em uma época na qual o patriarcalismo ainda era uma instituição forte, também me marcou.

O filme é cheio de mulheres fortes e admiráveis, mulheres capazes de enfrentar seu tempo, a ordem vigente, em favor de um ente querido, uma pessoa amada. Mulheres inteligentes, capazes de argumentar e explicar com elegância suas posições. Mulheres que amam, e que são capazes de oferecer sua capacidade de amar em favor de encarnados e desencarnados. Mulheres simples, sem a alta escolaridade comum ao nosso meio espírita de hoje, mas capazes de ações pragmáticas e corajosas. Mulheres como Joanna de Ângelis, companheira-mestra do médium, orientadora nas horas de dúvida, assertiva nas horas de sofrimento. Eu admiro essas mulheres. Entendo porque Lynn Sharp e outras historiadoras contemporâneas entreviram no movimento espírita uma forma de emancipação e expressão social das mulheres.

Eu não conhecia Laura. Sabia dos problemas de Divaldo e da presença de uma espírita em seu favor, mas não tinha ideia da dimensão da importância dela para ele. Foi uma espécie de anjo da guarda encarnado.

Não sei se foi a intenção da direção, mas não dá para não comparar os primeiros trabalhos do Divaldo, com os primeiros trabalhos do Chico. Os dois são pessoas naturalmente estudiosas, interessadas na doutrina, convivendo com pessoas que viviam sua participação na casa espírita como uma atividade, muitas vezes sem o mínimo conhecimento necessário.

Nos dois se vê o compromisso com a caridade material, que dizia Kardec, começando com o pouco, quase nada, quase inútil, da distribuição de alimento e se tornando aos poucos um trabalho de impacto em um número enorme de pessoas. Escolas, ensino de música, profissionalização, adoção, apoio à maternidade com parto natural, editora, e muitas e muitas iniciativas que vão nascendo ao redor do que foi uma cesta de alimentos. Um trabalho que seria mais responsabilidade do Estado que de uma associação de voluntários.

Quando saía da sala, uma pessoa me reconheceu. Perguntou se eu era filho do José Mário Sampaio e se apresentou como alguém que participou das suas reuniões de estudo sobre mediunidade na União Espírita Mineira. Ele era leitor do Espiritismo Comentado e me incentivou:

- Quero ver suas impressões sobre o filme!

Uma amiga me enviou um e-mail. Ela estava no Shopping em uma tarde de calor e tempo seco, e resolveu assistir a um filme para usufruir também do ar condicionado. Viu o nosso filme em cartaz, e não sei porque resolveu assisti-lo em meio aos outros. Acho que ela se emocionou como nós e ficou intrigada com o líder espírita (palavras dela) e sua mensagem.

Assim o filme vai cumprindo seu papel, como folhas ao vento dizia um amigo espiritual. Não se sabe onde vai parar, quem vai assistir, como vai percorrer sua trajetória incerta, mas se sabe que vai encontrar muitos em seu voo irregular. O filme não transformará as pessoas em espíritas, nem é esse seu objetivo, mas sensibilizará as pessoas ao bem e ao amor. É uma história, dirão alguns, mas é uma história boa de se contar e melhor ainda de se ouvir.