18.6.14

HEROÍNA SILENCIOSA




Em viagem de lua de mel, uma amiga querida foi conhecer Dona Yvonne. Era o início dos anos 80, e a grande médium fluminense viveria apenas mais um par de anos em seu corpo físico. Ela acolheu os recém-casados com cordialidade e conversaram muito sobre as atividades nos centros espíritas. Yvonne queixava-se de uma certa transformação dos grupos em clubes recreativos.

Eu já conhecia a obra da médium. O estilo vívido de Tolstoi através das mãos de Yvonne sempre me impressionaram muito. Os detalhes da vida na Rússia dos Czares, da igreja ortodoxa, do campesinato e da nobreza, fluem com vida incomum no texto de Ressurreição e Vida ou em alguns contos de Sublimação.

Esta semana recebi o livro do amigo Pedro Camilo, já publicado desde 2004 e em sua 5ª. edição, chegando aos 11 mil exemplares. Comecei a leitura dentro do CTI, em recuperação de uma pequena cirurgia que havia feito. As palavras se transformavam em imagens muito vivas, e entrei em uma oscilação psíquica que vai da recordação à imaginação ativa. Eu já havia lido quase todos os livros citados por Pedro, alguns diversas vezes, mas o seu texto admirado fez-me recordar. As passagens da vida de Yvonne foram misturadas e reorganizadas em uma linha singular, belíssima, porque a literatura mediúnica desta médium traz uma narrativa de muitas vidas.

Charles, Roberto de Canalejas, Victor Hugo, Denis, Bezerra, e muitos outros homens e mulheres espíritos povoaram meus olhos novamente. Os suicídios e suicidas, tratados como seres humanos e parceiros na via dolorosa da recuperação da alma que atentou contra sua própria vida, vidas a fio, como Camilo Castelo Branco, invadiram a baia de tratamento intensivo, com suas memórias. Yvonne consegue traduzir não apenas a dor, mas as cores, os cheiros, as visões, como se fôssemos todos expectadores, vendo e entendendo à luz do consolador.

Um técnico puxou conversa, no plantão interminável do tratamento intensivo e confessou-me: você não imagina quantas pessoas vêm parar aqui por atentar contra a própria vida, sem sucesso. Jamais havia pensado nisso. O sofrimento dos suicidas e dos familiares dos suicidas que falharam (felizmente) está impregnado naquelas paredes muito limpas e brancas. A dor deles é compartilhada pelos encarnados que cuidam dos corpos mutilados, ainda vivos, não se sabe por quanto tempo.

Os amigos dela também são meus amigos. Eu os conheci pessoalmente ou através do rastro de luz que deixaram no movimento espírita. Chico Xavier, Divaldo Franco, Carlos Imbassahy, Hermínio Miranda, Rizzini, Affonso Soares...

Pedro conta a história de um agricultor do interior do nordeste, perdido na capital por ter dado um passo em falso e vendido todas as suas posses em busca da esperança de um emprego que desse uma existência digna aos filhos e a ele mesmo. Desiludido, abandonado nas ruas, possivelmente atordoado com a fome e o frio dos filhos, veio-lhe à mente à ideia nefasta quando uma senhora de cabelos brancos puxou conversa. Que palavras diríamos a um homem sem futuro, só sofrimento, com uma ideia fixa na mente? Ela soube exatamente o que dizer e reacendeu-lhe a esperança, mais uma vez. Coisa perigosa para quem já chegou à beira do precipício. Ele escreveu, ante sua orientação uma carta nominal a uma diretora do Centro Espírita Yvonne Pereira, em Rio das Flores – RJ, terra natal de Yvonne. Num misto de admiração e espanto, os trabalhadores daquela casa conseguiram que ele voltasse à sua terrinha, espantados que em 1989, uma pessoa morta em 1984 pudesse fazer-se vista, ouvida e identificada em lugar tão remoto, atraída pelo socorro a um candidato ao suicídio de outro plano.

Eu saí do CTI cheio de vida e de amor à vida. Eu já conhecia a história e as histórias, mas foram contadas de forma tão bela que deu vontade de compartilhar com os leitores do EC.

2 comentários:

  1. Prezado Jáder Sampaio, lendo sua entrevista na RIE, edição deste mês de junho, me deparei com o seu blog "Espiritismo Comentado". Li seu artigo "Heroina silenciosa" e fiquei emocioando. Estou começando a ler os livros de Yvonne Pereira, e se já lia com interesse, confesso que esse interese aumentou. Parabéns pelo seu blog. Abs. Fernando Antonio Melo

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  2. Fernando, seja bem-vindo ao EC. Temos um grupo no Facebook que avisa aos membros quando há alguma atualização no blog e facilita o diálogo sobre os assuntos veiculados. É um prazer tê-lo conosco.

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