Sábado à tardinha. Rodamos três
vezes o quarteirão (quadra, para os de fora de Minas Gerais) da rua Guarani, em
busca de um estacionamento ou vaga de estacionamento. Os estacionamentos
estavam fechando e não nos aceitavam, quando finalmente conseguimos uma vaga
“milagrosa”. Já estávamos quase desistindo.
Entrar na União Espírita Mineira
depois de tantos anos não foi um ato sem emoção. Estávamos indo para a Cantata
de Natal, evento que acontece anualmente. A livraria estava fechada (que tristeza)
e havia uma portaria improvisada. Com as portas semicerradas, alguém poderia
ter achado que a federativa estava fechada.
Subi as mesmas escadas até o
salão. Ato contínuo e semanal quando meu pai estava ainda encarnado e era
responsável pelo ciclo de estudos sobre mediunidade na salinha do final do
segundo andar. O auditório continuava o mesmo. Trezentas cadeiras de madeira no
primeiro andar e um balcão imenso no segundo andar. Alguns ventiladores fixos
nas paredes laterais lutavam contra o calor, mas era uma luta quixotesca. O
público já havia ocupado os lugares ao alcance do vento, quando conseguimos
alguns lugares na última fileira. A casa estava cheia.
Afonso e Wadson nos abraçaram.
Estavam de pé, cuidadosos, como anfitriões do evento. Procurei entre a multidão
e não encontrei ninguém da diretoria antiga. Talvez alguns dos trabalhadores
desta casa que conheci estivessem por lá, já sem o corpo físico.
Marcelo Gardini terminava as
últimas palavras da apresentação, possivelmente em nome da diretoria. Os atos
musicais começaram. Não conhecíamos o primeiro grupo, nem suas músicas. As
vozes eram bonitas e o uso de tons dissonantes lembrou um pouco a melodia da
bossa nova. A música sobre o evangelho no lar soou didática.
Tim e Vanessa apresentaram-se,
profissionais. A poesia das canções de Gladston Lage invadiu a alma dos que
ouviam. Personagens do evangelho ganharam vida. João, Pedro... Depois o público
os acompanhou em seu último número, uníssono. Eram quatrocentas vozes um pouco
tímidas e uma canção.
Mais um grupo, desfalcado de um
de seus membros, que foi substituído, entrou em cena com baixo e violão. Duas vozes
masculinas e uma feminina. Como curiosidade, encerrou sua apresentação com uma
canção em estilo “country” norte-americano.
O grupo Laboro iniciou sua peça, “O
Encontro”. Quando ou vi o nome de D’Arsonval, lembrei-me do personagem de
Humberto de Campos/Irmão X, pela pena de Chico Xavier. A trupe encadeou o texto
simples com ensinos espíritas e situações circenses, que deixaram a
apresentação mais leve. Mendigos entremearam personagens medievais, às vezes
temperados à brasileira. D’Arsonval finalmente encontrou-se com Jesus, a quem
apenas havia deixado esmolas generosas ao longo da história.
Tivemos que sair mais cedo, em
função de compromissos já assumidos.
A Cantata foi um sucesso de
público, mas o prédio histórico da União Espírita Mineira encheu minha alma de
tristeza. Quase cinquenta anos se passaram desde que fui pela primeira vez, menino ainda, e ele continua, essencialmente, com sua mesma estrutura. A Sede Federativa ainda não tem um auditório com capacidade ampla ou uma estrutura de centro de eventos, capaz
de tornar real toda a potencialidade da cantata, por exemplo. Recordei-me de Virgílio Almeida. Como sua capacidade de empreender, agregar e construir está fazendo
falta! Pedi aos diretores da “velha guarda”, hoje no plano espiritual, um grande presente: um movimento
espírita que se importe com sua federativa e que pudesse se unir para dar-se o
presente de uma casa capaz de realizar os projetos cujo fôlego exigisse mais
que um centro espírita, e cuja abrangência pudesse ser todo o estado que
um dia foi sede dos desejos de justiça e modernidade dos inconfidentes.