28.6.09

O REINO DE HERCULANO


Há algumas semanas que estou atrás do livro de Herculano Pires intitulado "O Reino". Como não consegui comprar no circuito mineiro de livros espíritas, resolvi tomar emprestado em nossa biblioteca. Qual não foi minha surpresa quando me deparei com o livro cuja capa publico para os leitores.

Escrito em 1946, diferentemente do outro livro homônimo, mas publicado sob o pseudônimo de Irmão Saulo na década de 60, Herculano escreve logo após o final da segunda grande guerra e discute a questão do comunismo.

Fiquei realmente curioso, como este livro e seu autor conseguiram sobreviver aos anos de chumbo, época cheia de piromanias, não importa bem ao certo o que se tenha escrito.

Herculano apresentou esta tese na cidade de Marília, interior de São Paulo, no I Congresso Espírita da Alta Paulista. A questão central do livro é o projeto social espírita, ou seja, como ele pensa a atuação do espírita no mundo do pós-guerra para a construção do reino proclamado por Jesus.

Herculano e seu vasto conhecimento espírita, dialoga com três autores: Jacques Maritain, o reverendo Stanley Jones e Karl Marx. O Brasil está diante da redemocratização, é o final da ditadura Vargas, e o mundo assiste ao nascimento da Guerra Fria.

Considerando o pouco tempo para apresentação de seu trabalho, Herculano sintetiza suas idéias. Ele irá desconstruir o pensamento de Marx, e em sua desconstrução que tem por instrumento o pensamento cristão-espírita, Herculano divisa dois pontos importantes no autor alemão. Ele irá criticar o Marx materialista, propositor da luta de classes, do determinismo econômico da sociedade, dos meios violentos para se atingir uma sociedade menos desigual.

"O marxismo exerce uma poderosa fascinação, justamente por se apresentar, neste mundo de após-guerra, como um instrumento eficiente de justiça social, o único caminho político capaz de lavar as massas famintas a um regime de bem-estar econômico." (Herculano Pires, 1946, pág. 17)


Herculano, entretanto, entende que há no Marxismo, para a revolta dos ortodoxos, uma forte influência do pensamento cristão. O Marxismo sem os três elementos que enumerei no parágrafo acima não seria mais que o cristianismo primitivo.

Herculano não poupa críticas aos marxistas:

"O amor é a única força capaz de eliminar a exploração, a escravidão e a violência. Riem disto os marxistas, aferrados à visão primitiva de Marx, que foi um lúcido analista da sociedade de classes, um arguto observador do mundo egoísta e ateu da burguesia capitalista, mas jamais se libertou da visão dos conflitos econômicos para estudar o homem em si, nas suas possibilidades básicas mais profundas e reais." (pág. 18)

Jones e Maritain são alternativas cristãs às propostas de um mundo de menos desigualdade social. Eu não me deterei na análise feita pelo filósofo espírita paulistano, deixando aos interessados a leitura de seu trabalho.

Em um terceiro momento, Herculano discute o papel dos espíritas neste novo mundo que nascia em sua época.

"Não devemos envolver o Espiritismo na luta inglória da política. Seria cometermos um erro amargo, de tristes conseqüências. Mas não devemos também permitir que os espíritas continuem transviados no terreno político, servindo muitas vezes aos interesses de grupos antagônicos. A formação de um movimento cristão, na modalidade ampla a que acima nos referimos, pode e deve ser promovida por um grupo de espíritas sinceros, independentemente da participação de qualquer associação doutrinária. O movimento terá de se revestir do mais puro espírito e do mais alto ideal cristãos, sem se imiscuir jamais nas lutas partidárias, nem indicar candidatos para a votação de seus adeptos.Seu trabalho será apenas o despertar o mundo para a imensta possibilidade da realização do Reino de Deus, esclarecendo os cristãos a respeito da única posição que um verdadeiro cristão pode assumir em face das lutas partidárias da sociedade anti-fraternal - a abstenção, mas a abstenção ativa, no trabalho silencioso e humilde da construção do reino". (p. 26)

Ele analisa posteriormente o nascimento da guerra fria, sem, logicamente, antecipar-lhe o nome e sobre ela diz:

"De lado a lado se estendem os homens, em formação de batalha. E dos impropérios, das injúrias, das acusações que uns aos outros se lançam, geram-se a confusão ameaçadora do momento que vivemos. (...) Não podem os cristãos tomar partido ao lado de uns, nem de outros. O Espírito do Cristianismo é porfundamente contrário aos processos empregados por ambos os contendores. Não obstante, antecipando-se de muitos anos na condenação dos erros capitalistas, e na luta por um mundo melhor, mais justos, não pode o Cristianismo alheiar-se agora ao tremendo embate que se desenvolve na Terra." pág. 34-35)

Herculano sugere que os espíritas trabalhem pelo livre registro e apresentação de candidatos e chapas nas eleições, sem vínculo partidário. Ele percebia que o vínculo partidário gera obrigações que violentam muitas vezes a consciência dos candidatos. Ao mesmo tempo, condena a identificação destes candidatos livres ao movimento espírita (eles teriam que candidatar-se sem pedir que se votasse neles por serem espíritas) e, em época de voto não obrigatório, conclama todos a participar das eleições e não deixar de votar.

Interessante a inserção e posicionamento de Herculano Pires em sua época e sua lúcida análise da conjuntura, assim como a inquietação de seu espírito, buscando respostas para os conflitos que se estenderiam durante anos e que patrocinou morticínio, escravidão de consciências e violência em nome da justiça social.

9 comentários:

  1. Interessante. Creioi que é devido à matriz um tanto humanista do marxismo é que levam uma quantidade cada vez maior de marxistas amadurecidos a se tornarem espíritas. Tenho muitos e muitos amigos ex militantes marxistas ex ateus, buscadores do bem do povo e agora também buscadores do sentido da vida..

    ResponderExcluir
  2. Jáder,

    Gostei do texto.
    Sugiro-lhe que também LEIA e DIVULGUE o Socialismo e Espiritismo, de Léon Denis, com o EXCELENTE prefácio de Freitas Nobre.
    Um grande abraço com minhas fraternais saudações.
    Alfredo S. Martins
    29 de junho de 2009

    ResponderExcluir
  3. Alfredo,

    Fiz uma palestra sobre ele há alguns meses. Um trabalho sobre o livro está no forno...

    Aguarde.

    Jáder

    ResponderExcluir
  4. Jáder, ótimo texto!

    Sugiro que você unifique os marcadores Herculano Pires e José Herculano Pires, fica mais fácil para a nossa pesquisa no blog.

    Abraço!

    ResponderExcluir
  5. Interessante, mas Jáder, pra mim é muito fácil se criticar marx ou toda a forma de ver o mundo pelo viés econômico se se vive de uma forma mais tranquila. talvez, o querido Herculano desfrutasse de uma posição mais cômoda, o que lhe permitia além de divagar sobre as teorias marxistas não ser pego pela ditadura vigente. não estou a criticar o autor espírita, até porque tento ser uma espírita e tento compreender por quais formas se pode chegar a essência do ser humano de forma a propiciar a transformação. Por isso, pra mim, o homem depende e precisa de explicações sobre as desigualdades sociais e de classes para compreender porque está nessa situação e o que deve fazer para melhor. Até porque a evolução espiritual depende também do resgate da dignidade do cidadão. Não se consegue pensar em Deus se o desemprego bate à porta, se falta comida pros filhos e se não se tem acesso aos recursos materiais e oportunidades. Afinal, até mesmo para se compreender o espiritismo no patamar que o saudoso Herculano conhecia é preciso no mínimo ter frequentado uma escola e ter aprendido a abstração dos conceitos. Caso contrário, o espiritismo soa oco, como tantas outras religiões que apenas figuram.
    um abraço muito cordial e desculpe o longo e-mail.
    Adriana

    ResponderExcluir
  6. Alexandre,

    Já modifiquei os marcadores, obrigado pela sugestão.

    Adriana,

    Mencionei rapidamente a crítica à polêmica tese do determinismo econômico, vista como reducionismo, (mencionada pelo Herculano), o que não é uma defesa das diferenças econômicas acentuadas na sociedade. Penso que no texto que escreverei sobre o livro de Denis isto ficará mais claro. De forma geral, concordo com seus argumentos (exceto com a questão de Deus em meio aos miseráveis e analfabetos, pense nisto).

    O texto é de 46, e Herculano produziu muitos livros, já tive em mãos mais de 70 títulos. Acho que este opúsculo passou despercebido, pela época em que foi escrito, título e pouca divulgação posterior.

    No ano passado apresentei um trabalho no ENLIHPE que mostra a perseguição aos espíritas na ditadura Vargas. Confira!

    Um abraço

    Jáder

    ResponderExcluir
  7. Alexandre,

    Já modifiquei os marcadores, obrigado pela sugestão.

    Adriana,

    Mencionei rapidamente a crítica à polêmica tese do determinismo econômico, vista como reducionismo, (mencionada pelo Herculano), o que não é uma defesa das diferenças econômicas acentuadas na sociedade. Penso que no texto que escreverei sobre o livro de Denis isto ficará mais claro. De forma geral, concordo com seus argumentos (exceto com a questão de Deus em meio aos miseráveis e analfabetos, pense nisto).

    O texto é de 46, e Herculano produziu muitos livros, já tive em mãos mais de 70 títulos. Acho que este opúsculo passou despercebido, pela época em que foi escrito, título e pouca divulgação posterior.

    No ano passado apresentei um trabalho no ENLIHPE que mostra a perseguição aos espíritas na ditadura Vargas. Confira!

    Um abraço

    Jáder

    ResponderExcluir
  8. olá Jader,

    Muito interessante esse livro. Como é uma obra que não se encontra mais no mercado, gostaria de saber e se possivel receber o conteúdo do mesmo em arquivo, para estudo.

    abraços, Luiz Curcino
    curcino@gmail.com

    ResponderExcluir
  9. Luiz,

    Precisaria informar-me primeiro sobre os direitos autorais do livro, que devem pertencer ainda à família do Herculano.

    Um abraço

    Jáder

    ResponderExcluir