João, o apóstolo
Giovanni Reale e Dario Antiseri (2011) escreveram e publicaram uma coleção intitulada História da Filosofia. No Brasil, a Paulus fez a empreitada de traduzir para a língua portuguesa e trazer a público.
No segundo volume, os autores apresentam a filosofia patrística e escolástica. Com mais de 300 páginas, eles podem se dar ao luxo de apresentá-las com mais cuidado. Um tema desenvolvido por eles vem de encontro às nossas pesquisas sobre a identidade do cristianismo.
O Cristianismo é trinitário?
Minha filha entrou em debate com seu professor de religião, que afirmou que embora os espíritas acreditem ser o Espiritismo uma doutrina cristã, o resto da cristandade não compartilhava desta posição. Ele se justificou: na sua concepção de cristianismo a doutrina trinitária (Deus-Jesus-Espírito Santo são uma só pessoa) é o marco central. Quem não aceita este dogma, não é cristão.
A Construção do Trinitarismo
O Trinitarismo não é um ponto pacífico entre os cristãos dos primeiros séculos. Reale e Antiseri entendem que alguns problemas enfrentados foram centrais: a conciliação do Antigo Testamento com o Novo Testamento, os problemas textuais (a multiplicação de textos) e os problemas teológicos (que têm por centro a questão da trindade).
Comecei uma leitura dos textos dos chamados Padres Apostólicos (os que foram discípulos dos apóstolos e deram sequência ao movimento cristão). Em Clemente Romano, por exemplo, não há clareza alguma do trinitarismo. O tema não parece ser relevante em suas preocupações, que envolviam as discórdias internas do movimento e o ethos cristão.
Esta questão vai tornar-se relevante aos poucos, no confronto entre o pensamento cristão, que se desenvolve a partir dos "padres apologistas", debatedores com os filósofos e que aos poucos absorvem alguns dos instrumentos do pensamento filosófico.
Os filósofos italianos afirmam: "A formulação definitiva do dogma da Trindade só ocorreu em 325, no Concílio de Nicéia, depois de longas discussões e polêmicas, quando foram identificados e denunciados os perigos opostos do adocionismo (...) e do modalismo (...), bem como uma série de posições relacionadas a estas de diversos modos." (pág. 29-30)
A pergunta que não quer calar
Publicamos há alguns meses uma matéria sobre o Concílio de Nicéia, suas interferências políticas e os interesses que o cercaram, bem como sua composição e como foram votadas suas conclusões.
Independente deste relato, se o trinitarismo como conhecemos só foi formulado no século IV, e se as posições do movimento cristão iam da indiferença à oposição a esta tese, dar-se-á que os cristãos dos primeiros séculos fossem heréticos, todos heréticos? Penso que não, assim como nós espíritas, nos dias de hoje.
O trinitarismo não é o pilar central do cristianismo, é só uma ideia dos cristãos dos séculos III e IV que se tornou majoritária no futuro. Uma esquina de pedra.
Outro dia, na escola em que trabalho, entrei no mesmo debate com um professor de História e Ensino Religioso, que é da Igreja Luterana. Ele também comunga desta mesma ideia de que o Espíritas, por esta razão, não podem ser considerados cristãos. Não é a toa que Herculando Pires, em "Pedagogia Espírita" fala da importância de não nos excluírmos do debate e do trabalho a favor da prática espírita na escola. Nossos filhos espíritas estão sendo vitimizados por esta prática sectária e os demais alunos, não têm nem sequer a oportunidade de conhecer, refletir, e escolher. Qual o papel dos espíritas na educação de nossas crianças?
ResponderExcluirPor essas e outras razões a Dora Incontri advoga uma educação que ensine aos alunos as diferentes religiões.
ResponderExcluirInfelizmente o sistema escolar trata a religião como algo menor, indigno de fazer parte da formação do ser humano, e não como um elemento estruturante da cultura. Herança do positivismo
No sistema público de ensino da Prefeitura de Belo Horizonte, o ensino religioso já foi excluído do currículo há muito tempo. Em Contagem, este ano, foi feito um plebiscito com os pais dos alunos para que escolhessem se os filhos deveriam ter aula de ensino religioso ou "ética e valores". Na prática, não há aula sobre as religiões em nenhuma escola, mas práticas que depende dos profissionais da escola. Algumas têm imagens de santos em algum oratório, outras fazem orações com alunos nos moldes das religiões que professam... mas eu não conheço nenhuma em que se discute realmente as religiões. Entre meus colegas de profissão e meus alunos, enquanto espírita, sou apenas tachada de "macumbeira". Temo por meu filho que ainda criança não terá a mesma segurança e tranquilidade em lidar com esta situação.
ResponderExcluirHá experiências de ensino inter-religioso em outros estados. Estou enviando três links de experiências da Dora e do Alessandro Bighetto.
ResponderExcluirhttp://www.hottopos.com/mirand15/dora.htm
crv.educacao.mg.gov.br/.../%7B59C17AD6-7469-46A1-8EB7-...
www.gper.com.br/documentos/ensino_religioso_inter-religioso.pdf
Realmente hoje são poucos os colégios que possuem um ensino religioso. Acho muito interessante a postura do meu colégio em particular (Colégio Militar) que, apesar de não ter uma matéria específica de ensino religioso, realiza cultos/reuniões bimestrais para espiritas, católicos e protestantes separadamente com caráter voluntário. Ao meu ver, o ensino religioso deve ser ensinado nas escolas, porém não como matéria específica, e sim inserido em algumas matérias da área de humanas como história, filosofia e sociologia.
ResponderExcluirAristarco,
ResponderExcluirInteressante a experiência do Colégio Militar. Não sei se você viu as novas publicações que fiz sobre ensino inter-religioso. A Dora fez um relato de um evento ecumênico no qual os participantes procuravam realizar atividades (como uma oração, por exemplo) que não viessem a desrespeitar a fé alheia.
Se você puder relatar alguma atividade diferente de sua escola, será bem-vinda no Espiritismo Comentado.
Um abraço
Jáder