Entrevista com a Coordenação Geral do 14o. ENLIHPE
Pergunta: A LIHPE é um grupo de pesquisadores espíritas ou inclui pessoas não espíritas com pesquisas sobre espiritismo?
Coordenação Geral: A Liga de Pesquisadores do Espiritismo – LIHPE, foi criada por Eduardo Carvalho Monteiro (SP) para aproximar pessoas interessadas na preservação da memória do espiritismo, em forma de rede. Depois o grupo ampliou a esfera de interesses para as mais diferentes áreas do conhecimento com algum interesse comum com o espiritismo.
Como foi criada por membros do movimento espírita, atraiu muitos espíritas inicialmente. Depois vieram pessoas do meio acadêmico interessadas no espiritismo, mas não necessariamente espíritas. Posteriormente publicamos trabalhos exclusivamente acadêmicos, tratando do espiritismo como movimento, da história de pessoas ligadas ao meio espírita, e de reflexões sobre o serviço social espírita.
Acho que a resposta mais honesta é que estamos na fronteira entre o meio espírita e a universidade. Isso às vezes não é favorável, porque alguém da Universidade fica receoso de publicar seu trabalho em nossas formas de publicação e não ter reconhecimento acadêmico, ou um estudioso espírita fica receoso de submeter seu trabalho a um evento nosso e ele não atender aos critérios de pesquisa formal. Isso, contudo, não nos fez ainda migrar para um ou outro espaço institucional e permanecer apenas lá.
Pergunta: O que é o Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo – ENLIHPE?
Coordenação Geral: Como o contato dos membros da LIHPE era apenas pela internet, o próprio Eduardo sugeriu que organizássemos um encontro presencial de tempos em tempos. Ele próprio já havia organizado os dois primeiros, em Brasília e no interior paulista. O terceiro foi em Belo Horizonte, e depois dele Eduardo desencarnou. Com um espaço de alguns anos, voltamos a realizar o evento na instituição que ele fundou em São Paulo, o Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo). Os dois últimos encontros foram na União das Sociedades Espíritas de São Paulo – USE.
Como os encontros são abertos, temos três grupos de participantes: os membros da LIHPE, espíritas interessados no tipo de debate que a LIHPE faz e pessoas do meio acadêmico interessadas no espiritismo. Já tivemos um doutorando italiano participando dos eventos e diversos graduandos e mestrandos querendo fazer doutorado que foram buscar ideias no ENLIHPE.
Pergunta: De que maneira os trabalhos da LIHPE têm contribuído com o avanço da dimensão científica do espiritismo?
Coordenação Geral: As publicações da LIHPE têm contribuído de diversas formas para a construção do conhecimento espírita. Allan Kardec não construiu uma doutrina dogmática e estática, mas propôs uma base teórica para o estudo dos espíritos desencarnados e suas relações com os homens.
Cabe destacar, antes da resposta, que não há uma posição coletiva da LIHPE ante questões em geral. Eles são de responsabilidade dos seus autores, então, falando honestamente, o que vamos fazer é destacar algumas das contribuições dadas pelos autores que publicaram nos espaços da LIHPE.
Alguns trabalhos fizeram um levantamento da produção científica sobre o espiritismo no Brasil e constataram quase duas centenas de teses e dissertações defendidas há mais de dez anos. Já está na hora de refazer esta pesquisa para fins de comparação.
Temos analisado alguns conceitos e sistemas de pensamento que têm sido divulgado no meio espírita com feição científica ou filosófica, mas que são incoerentes com o pensamento espírita e até com as áreas de conhecimento a que se referem. Elas não visam a destruição de sistemas de pensamento, como, por exemplo, a física “espiritualista” de Amit Goswani, mas indicar seus pontos frágeis na própria física e suas contradições com o espiritismo. Esta análise está no quarto livro da série, intitulado: O espiritismo visto pelas áreas de conhecimento atuais.
Temos discutido a construção do pensamento espírita, sua metodologia e técnicas de pesquisa, assim como sua interlocução com os avanços científicos e a contemporaneidade. Isso está ligado à comunicação e debate de conhecimento produzido no meio acadêmico sobre o espiritismo.
Temos interagido muito, e conhecido pesquisadores de todo o Brasil, espíritas ou não, que produzem sobre o espiritismo. A LIHPE divulgou, por exemplo, a chamada de trabalhos para o tema do Encontro Nacional de História das Religiões, facilitando a captação de trabalhos ligados ao espiritismo. O trabalho em rede facilita também que alunos de graduação e mestrado conheçam pesquisadores e que pesquisadores conheçam novas pesquisas que saíram em outras áreas do conhecimento que não a sua.
Como há estudiosos da administração na LIHPE, fizemos discussões sobre a administração das instituições espíritas, como organizações do “terceiro setor” e da aplicabilidade ou não de técnicas de gestão próprias de empresas ou do estado.
Com o formato de submissão aberta, criamos um espaço de análise e sugestões para os estudiosos de boa vontade, sem formação acadêmica em pesquisa, que fazem revisões de literatura, discutem questões próprias do espiritismo e fazem pesquisas de observação ou experimental. Nem sempre eles ficam felizes com as análises críticas, mas é assim que o conhecimento se sustenta e avança.
O diálogo direto entre espíritas, acadêmicos e espíritas e pesquisadores não espíritas tem sido, talvez, a marca dos encontros da LIHPE. Temas debatidos nos eventos têm sido objeto de publicações na imprensa espírita e têm gerado novas questões de pesquisa nas universidades.
Pergunta: Quem não é pesquisador pode participar dos encontros da LIHPE?
Coordenação Geral: Pode participar livremente, perguntar e interagir. Pode também apresentar trabalhos, se estes forem aprovados pela comissão avaliadora. O que se pede é que os trabalhos tenham a forma estabelecida para artigos, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, e que trate um problema de pesquisa com referencial teórico, problema de pesquisa, método, resultado e conclusões. Os trabalhos podem ser de revisão de literatura, baseado em pesquisa experimental, ensaios teóricos ou ter outra forma/conteúdo aceito pelas ciências ou filosofia.
Os trabalhos que tratam de questões que exigem conhecimento específico, como a física ou a biologia, por exemplo, serão encaminhados preferencialmente para pareceristas com formação nessa área. Eles analisarão o conteúdo apresentado.
Pergunta: A apresentação de trabalho no ENLIHPE tem valor acadêmico?
Coordenação Geral: Pode ter, depende do tema apresentado e dos critérios dos departamentos ou faculdades às quais os participantes estão ligados.
No caso da mera participação, recebemos e atendemos o pedido de alunos de graduação para que pudessem contar como carga horária em seus respectivos cursos.
No caso da apresentação de trabalhos, já constatamos que diversos autores inseriram seus capítulos de livro impressos no Currículos Lattes, que é um dos instrumentos de registro de produção acadêmica. Houve autores que organizaram eventos com os livros que são participantes em suas universidades.
Há que se considerar, contudo, que o reconhecimento da produção é geralmente feito pelos pares nas universidades, e que eles podem não aceitar, como já vimos não aceitarem determinadas revistas técnicas ou subvalorizarem o trabalho. As coletâneas, contudo, seguem as exigências geralmente feitas pela academia: blind review, avaliação por pares, revisão das críticas pelo autor, decisão final de publicação pelos organizadores que têm formação acadêmica.
Já aconteceu de trabalhos apresentados no ENLIHPE serem publicados pelo autor, depois em revistas técnicas de sua área de conhecimento. Nesse caso, eles pedem para não publicar junto com os demais, para que o trabalho que será submetido continue inédito.
Pergunta: Os trabalhos apresentados nos encontros estão disponíveis para o público em geral?
Coordenação Geral: Sim, de duas formas.
As apresentações orais são gravadas e estão disponíveis através da internet no portal Espiritualidade e Sociedade, nosso parceiro. A página com os encontros gravados é: http://www.espiritualidades.com.br/liga.htm
Os trabalhos escritos são publicados na série Pesquisas Brasileiras sobre o Espiritismo. A publicação e comercialização têm sido feitas pelo Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro. Os livros relacionados à LIHPE estão na página http://www.ccdpe.org.br/categoria-produto/lihpe/
Pergunta: Temas filosóficos pertinentes ao Espiritismo, como as leis morais e a metafísica, também podem ser objeto de pesquisas científicas?
Coordenação Geral: A palavra moral foi usada no século XIX e por Allan Kardec com dois sentidos: o sentido de costumes e no sentido psicológico. Quando se fala em leis morais, o mestre francês está procurando regularidades que explicam o ser humano, individualmente e em sociedade. A psicologia e a sociologia moderna fazem isso também, embora saibam que nem sempre se encontram regularidades com facilidade, então praticamente abandonaram o termo lei, ainda usado na física, e preferem teoria, no sentido de um conjunto de explicações que possibilitam o entendimento ou a compreensão de determinado fenômeno psicológico ou social.
Com o passar do tempo viu-se que não se estuda psicologia ou sociologia exatamente com os mesmos métodos que se estudam as ciências naturais: a física, a química e a biologia. Então novos métodos foram aceitos como científicos, mas como eram diferentes dos até então usados, começou-se a falar em ciências humanas e sociais. Kardec esbarrou nessa questão, quando desenvolveu novos métodos para entender o que os espíritos diziam a ele.
Quanto à metafísica, o nome se deve a quem classificou a obra de Aristóteles. O espiritismo trata da metafísica com dois tipos de instrumentos, a argumentação filosófica e o estudo de questões em que os conceitos metafísicos são concebidos como melhor explicação plausível para fenômenos naturais ou psicológicos. Uma criança que se lembra de ter sido outra pessoa, e após estudo dá mostras de ter conhecimentos da vida desta pessoa, que teriam que ser aprendidos, é um destes pontos de contato entre as ciências e a metafísica. Se as explicações naturais forem insuficientes, o conceito de espírito e o de reencarnação passam a ser uma explicação convincente ao problema.
Há questões no espiritismo que não estão ao alcance das ciências, como a questão de Deus, e que são tratadas com argumentação filosófica. Ainda assim, o ponto de contato que tem sido usado para se pensar a possibilidade de Deus são as leis universais. Einstein questionou como pode a física clássica ter leis tão regulares, enquanto no mundo subatômico tudo é incerto e probabilístico. Nos dias de hoje essa forma de pensar é costumeiramente chamada de “design inteligente” do universo. Kardec defende a ideia de Deus com um axioma e suas implicações: se há efeitos inteligentes, a causa precisa ser igualmente inteligente. Ele supõe Deus a partir do próprio ser humano.
Pergunta: Explique sucintamente como o público não acadêmico poderia identificar as características de uma pesquisa de boa qualidade, de outra que não atenda aos critérios formais.
Coordenação Geral: É uma pergunta difícil até mesmo para quem tem formação em pesquisa, mas vou dar alguma dicas, sem ter a pretensão de esgotar o tema.
1. A boa pesquisa se baseia em livros e artigos rigorosos, se possível, revisto por pares ou escrito por autor com domínio da área. Faz um esforço para identificar estes autores. Ela distingue opiniões pessoais dos autores de argumentos fundamentados. Ela identifica uma questão ainda não explorada ou polêmica e tenta responde-la com fundamentação. A boa revisão de literatura abrange os autores que concordam e os que discordam da opinião inicial que o pesquisador tem sobre seu tema, e analisa os dois.
2. A boa pesquisa argumenta em cima das informações que conseguiu obter, não fazendo inferências ou incluindo opiniões do autor sobre outros assuntos. Se o artigo é sobre mediunidade e os dados colhidos são sobre o trabalho de um médium, as conclusões devem ficar nesta esfera e não serem ampliadas para o movimento espírita, por exemplo. Para se discutir o movimento espírita em bases de pesquisa, é necessário ter dados sobre ele, e não apenas impressões ou experiências pontuais.
3. Quando é uma pesquisa de observação, a descrição das informações obtidas deve ser detalhada, e o leitor deve entender como foi feita, quais os critérios de análise ou classificação, e o que exatamente se observou.
4. Uma boa pesquisa não generaliza além do que é capaz. Se foi estudado um médium ou um passista, não se pode concluir que todos os passistas ou todos os médiuns agem como ele. Para se ter uma generalização de base estatística, é necessário trabalhar com amostras representativas (número de pessoas que possibilitam falar do todo, com uma margem de erro pequena).
5. Uma boa pesquisa se detém em um problema de pesquisa bem definido. Ele geralmente contribui para um melhor entendimento teórico e pode ter relevância social.
6. Uma boa pesquisa explicita seus pressupostos. São pontos teóricos que são tomados como certos e que não serão discutidos, por já terem sido antes. Os comportamentalistas, em psicologia, partem do pressuposto que a análise do comportamento é a via principal para o entendimento do homem, e criticam o conceito de mente, por exemplo. Os psicanalistas partem da existência do inconsciente, do Édipo e de outros conceitos básicos considerados aceitos pela psicanálise, para dar sua contribuição.
7. Uma boa pesquisa faz um grande esforço para obter os artigos mais recentes sobre o tema que trabalha, apresentando o essencial para o leitor. É o que se chama de “estado da arte”.
8. Uma boa pesquisa, ao concluir, reponde seu problema de pesquisa (mesmo que a resposta seja “ainda não sabemos”) e se posiciona com relação aos autores que já publicaram sobre o assunto.
9. Há outras formas de pesquisa, como a recuperação do pensamento de um autor antigo. Geralmente se lê a obra ou os livros desse autor, em seu idioma original, o que já se escreveu sobre ele, e, se explica o autor e dialoga com seus outros leitores. Pode-se discutir a lógica interna do trabalho do autor, a interpretação que fizeram dele, as implicações do que ele fez para o futuro, por que não foi aceito em sua época, como pode contribuir hoje.
10. O bom trabalho é claro, para quem domina os conceitos básicos da área. Trabalhos cheios de expressões técnicas, mal definidas e mal empregadas, ou com um tom hermético (ele dá a impressão que só o autor entende do assunto e que mais ninguém na área é capaz de entender) costumam ser muito equivocados. Um bom autor consegue explicar suas ideias e deixar clara sua argumentação para quem tem uma base conceitual do que está escrevendo. Este tem sido um exercício utilizado nos programas de pós-graduação no Brasil, o de escrever trabalhos de divulgação.
Pergunta: Qual a relação da LIHPE com a história do espiritismo?
Coordenação Geral: Antes de responder esta pergunta é preciso distinguir memória de história. A memória a apresentação de fontes históricas, escritas, pictóricas e orais. Quando alguém escreve sobre o centro espírita que frequentou ou o evento em que foi, apresentando fotos, relatos, entrevistas e textos, ele está trabalhando como um memorialista. A LIHPE, desde o Eduardo Carvalho Monteiro, que era memorialista, mas não era historiador, tem valorizado a preservação da memória.
O historiador é um profissional da história, e além das fontes históricas ele constrói um conhecimento teórico compreensivo ou explicativo. Tem, portanto, um domínio de sua disciplina e é capaz de interlocução com seus pares. Há historiadores na LIHPE fazendo seu trabalho, como o Fausto Nogueira e o Marcelo Gulão, por exemplo, mas para se tornar historiador é necessária uma longa formação. Atualmente só podemos aproximar historiadores de memorialistas.
A instituição que o Eduardo criou para apoiar a pesquisa histórica do espiritismo foi o Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo, que ganhou seu nome após sua desencarnação. Eduardo colecionou milhares de obras espíritas, recuperou obras raras, e guardou documentos. O centro foi iniciado com seu acervo, e tem recebido outros acervos com o passar dos anos, trabalhando para classificar, preservar e deixa-los acessíveis aos pesquisadores e estudiosos interessados. O CCDPE-ECM não é a LIHPE, mas tem sido um parceiro muito próximo, publicando nossos livros e apoiando os eventos. Mais informações sobre o CCDPE-ECM podem ser obtidos em: http://www.ccdpe.org.br/
Pergunta: Como se associar à Lihpe?