Figura 1: Foto atual do Cemitério de Montmartre, nos arredores de Paris, tirada por Tonya Ricucci
"Antoine Cousteau era um membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que desencarnou em 1863. Não tinha posses, era um calceteiro (trabalhador que calça as ruas com pedras) que estava sendo enterrado em vala comum.
Os membros da sociedade estavam presentes e o Sr. Canu, antes materialista, fez um breve mas emocionado discurso:
"Caro irmão Costeau: Faz alguns anos, muitos dentre nós, e eu em primeiro lugar, não viríamos ante este túmulo aberto, que representaria apenas o fim das misérias humanas, e depois o nada, o pavoroso nada, isto é, onde não existia nem alma para merecer ou expiar, e, conseqüentemente, nem Deus para recompensar, castigar, ou perdoar. Hoje, graças à nossa santa Doutrina, divisamos aqui o termo das provações, e para vós, querido irmão, cujos despojos baixam à terra, o triunfo dos labores e o início das recompensas a que fizeram jus a vossa coragem, resignação, caridade, as vossas virtudes, e, acima de tudo isso, a glorificação de um Deus sábio, onipotente, justo e bom.
"Sede, pois, caro irmão, o portador das graças que rendemos ao Eterno por ter permitido dissiparem-se as trevas do erro e da incredulidade que nos assoberbavam. Não há muito tempo, e nestas mesmas circunstâncias, com a fronte abatida e o coração lacerado, em desânimo, nós vos diríamos:
- ‘Amigo, adeus para sempre'. Mas hoje vos dizemos, de fronte erguida, radiante de esperanças, e com o coração repleto de amor e de coragem: - ‘Caro irmão, até breve, orai por nós."
Inesperadamente, um dos médiuns da Sociedade entrou em transe e possibilitou uma última fala do desencarnado, ainda mais bela:
"Obrigado, amigos, obrigado. O meu túmulo ainda nem mesmo de todo é fechado, mas, passando um segundo, a terra cobrirá os meus despojos. Vós sabeis, no entanto, que minha alma não será sepultada nesse pó, antes pairará no Espaço a fim de subir até Deus!
"E como consola poder-se dizer a respeito da dissolução do invólucro: Oh! eu não morri, vivo a verdadeira vida, a vida eterna! O enterro do pobre não tem grandes cortejos, nem orgulhosas manifestações se abeiram da sua campa...
"Em compensação, acreditai-me, imensa multidão aqui não falta, e bons Espíritos acompanharam convosco, e com estas mulheres piedosas, o corpo que aí jaz estendido.
"Ao menos todos vós tendes fé e amais o bom Deus!
"Oh! certamente não morremos só porque o nosso corpo se esfacela, esposa amada! Demais, eu estarei sempre ao teu lado para te consolar, para te ajudar a suportar as provações. Rude ser-te-á a vida, mas repleto o coração com as idéias da eternidade e do amor de Deus. Como serão efêmeros os teus sofrimentos! Parentes que rodeais a minha amantíssima companheira, amai-a, respeitai-a, sede para ela como irmãos. Não vos esqueçais nunca da assistência que mutuamente vos deveis na Terra, se é que pretendeis penetrar a morada do Senhor.
"Quanto a vós, espíritas, irmãos, amigos, obrigado por terdes vindo a esta morada de pó e lama, a dizer-me adeus. Mas sabeis, e sabeis muito bem, vós, que minh'alma imortal vive, e que algumas vezes vos irá pedir preces que jamais lhe recusareis para auxiliá-la na vida magnífica que lhe descortinastes na vida terrena.
"A vós todos que aqui estais, adeus. Nós nos podemos rever noutro lugar que não sobre este túmulo. As almas me chamam a conferenciar. Adeus, orai pelos que sofrem e até outra vista.
Fico imaginando a emoção da esposa, a surpresa dos amigos e muito mais a dos que enterravam o corpo sem vida, desconhecedores do Espiritismo e da Mediunidade. Igualmente me tocou o carinho que os membros da Sociedade dedicaram ao companheiro e a sua família, independente de suas posses ou projeção social. É uma mensagem poderosa aos espíritas, quase um século e meio depois.