Véspera de eleições municipais.
Na saída da reunião matutina de sábado, quando se levam os filhos para a
evangelização, uma situação constrangedora. Pessoas estranhas ao grupo estão
distribuindo envelopes fechados na porta do centro espírita.
- Uma mensagem linda de Eurípedes
Barsanulfo para você! Dizia a panfletista. Leia com atenção!
Não era apenas uma mensagem de
Eurípedes, psicografada por Suely C. Schubert em 1983, mas também um “santinho”
eleitoral e uma carta aos espíritas em geral, falando da “crise do campo
político no Brasil”, e sugerindo que em vez de deixar um oportunista ou ladrão
ocupar o cargo, que se votasse em um dirigente afastado de seu cargo em centro
espírita, para fazer campanha eleitoral, por um partido minoritário.
A responsável pelos panfletos
disse a uma frequentadora:
- Nós somos iguais, somos
espíritas!
Não sou capaz de descrever com
precisão o que aconteceu, mas um dos pais, após tentar inutilmente explicar a
todos que aquele ato nada tinha a ver com nosso centro espírita, e ser recebido
com ouvidos de mercador da parte dos panfletistas, alterou-se.
- Está obsediado, disse a senhora
que distribuía os envelopes. Sou médium e percebo os espíritos próximos a ele.
Deveria ser levado a uma reunião de desobsessão...
Uma das coordenadoras da reunião
pediram que eles não ficassem na porta do centro, mas eles apenas se afastaram
um pouco e continuaram panfletando.
O mais curioso foi o inusitado do
acontecimento. Estou há décadas nesta casa espírita e não me recordo de um
assédio desses em período eleitoral. Que pensar da situação?
A lei eleitoral proíbe a
propaganda eleitoral em templos religiosos (Resolução nº 23.457, de 15 de dezembro de 2015)
entendendo-os como bens de uso comum (Código Civil). Pelo que li nos jornais,
os arredores de templos religiosos, como se configurou a propaganda, foram
proibidos pelo Ministério Público de Minas Gerais até 05 de julho (http://coad.jusbrasil.com.br/noticias/2208071/igreja-evangelica-lei-proibe-propaganda-em-templos-religiosos) mas não encontrei proibição explícita após esta data e a lei é passível
de interpretação.
Ficou claro
que a distribuição visava às pessoas por serem espíritas, e que houve um
mascaramento da propaganda política sob a forma de mensagem, ou seja,
apresentava-se aos frequentadores da nossa casa a distribuição gratuita de um
texto psicografado por médium e espírito respeitáveis, mas a intenção principal
era apresentar um candidato a vereador e obter votos.
Na carta e
no panfleto se vê que a plataforma do candidato a vereador apresenta apenas que
ele é um espírita, boa pessoa, que pratica caridade. Qual é a proposta de
trabalho dele? Como se posiciona ante os principais problemas e projetos em
curso do legislativo municipal? Que exigências o partido faz de seus filiados e
por que se filiou ao seu partido? Nem uma palavra.
A questão
que mobiliza a candidatura é apenas que ele não se deixará corromper
individualmente, o que parece importante, mas é muito pouco em matéria de
política.
Penso que
dizer-se espírita não qualifica um candidato, e ainda acho que trazer os
problemas dos partidos políticos (o que não é o mesmo que problemas sociais)
para a esfera dos centros espíritas, traz consigo o risco da manipulação, da
divisão entre os membros a partir de ideias políticas, o conflito externo e
apaixonado das legendas, o risco do assédio político na esfera individual das
microrrelações nas sociedades espíritas e o jogo dos interesses que costumam
atrair poderes econômicos e partidários, às vezes meramente instrumentais.