Ilustração alusiva à proclamação da república portuguesa
Mais recentemente li um texto de
Vianna de Carvalho, através da mediunidade de Divaldo Franco, que fala de como
ele foi vítima de ironia e escárnio em sua época, mantendo-se firme. Retomei
sua leitura e encontrei um trabalho de Eça de Queiroz que trata de um tema
muito atual, recorrente, no movimento espírita: o ceticismo radical.
Silva Pinto escreveu introdução
para o livro em 1911, um ano após a implantação da república portuguesa, de
influência positivista.
Com o positivismo, veio a
tendência de se identificar o pensamento cristão com a monarquia, e, ao mesmo
tempo, uma crítica de princípios e valores que acompanha a crítica do regime
político, além, é claro, da crítica contundente da crença em Deus. Eça, sem se
alinhar à proposta política da monarquia, defende no texto psicografado por
Fernando de Lacerda os valores cristãos e a crença em Deus, opondo-se ao
espírito de época.
O estilo chama a atenção, pela
ironia profunda e inteligente, pela construção do texto que desafia o leitor a
pensar. Vou transcrever algumas passagens.
Sobre o ateísmo da política portuguesa da época:
“A ilustre pseudo sociedade
pensante desta linda terra de mentecaptos proclamou sua emancipação.
Deus passou à história
Nem serve para se mostrar
empalhado, em qualquer museu de raridades, porque tendo-se ausentado, há
séculos para parte incerta, não cumpriu ainda o gracioso dever de cortesia de
vir apreciar as generosas conquistas do mundo moderno.
Sobre a valorização do livre-pensar:
Eu sinto – e nós todos,
certamente o sentimos por igual – que para sermos agradáveis à linda cocote,
toucada de vermelho, que se divorciou para se casar em seguida com o cidadão
Livre Pensamento, não saibamos perpetrar a delicada e encantadora hipocrisia de
a felicitarmos, fingindo que também nos libertamos da tirania de Deus (já que
ainda temos a imperdoável fraqueza de ainda lhe estarmos sujeitos); mas, tristemente, desconsoladoramente o digo: - não
o sabemos fazer.
...
Sobre a acolhida das mensagens pela intelectualidade portuguesa:
Tu é que devias procurar libertar-te de nós,
porque te somos companhia prejudicial. (Aqui, Eça fala ao médim)
Já te fizemos passar por maluco,
por ignorante, por mistificador, por asno, por detestável escrevinhador de
prosas bárbaras e de versos insulsos; e agora te arriscas a apanhar alguma sova
de respeito, ou a seres tido e havido por agitador religioso, se continuas a
deixar perceber a esse mundo emancipado e sábio que associas com companhias tão
pouco recomendáveis , como são as dos mortos, e, de mais a mais , de mortos
ignorantes, mortos que não se pejam de falar em Deus, nem de virem aconselhar a
humildade, a caridade e a resignação, quando a moda obriga a renegar Deus, a
praticar o Orgulho, proclamar a Fraternidade e aconselhar a Rebeldia. “
Sobre a Rebeldia como valor:
Que esplêndida coisa é a
Rebeldia!
Pena é que ela seja, às vezes,
como esses jogos de facas pontiagudas com que inábeis jongleurs exploram a basbaquice popular: - que se sucede
cravarem-se no explorador, também arriscam o explorado a ser espetado por
elas...
Desviei-me do meu fim.
Perdi-me na parlenga, e ia por si
em fora, modulando ditirambos às modernas virtudes que enfloram o tálamo
nupcial da Sociedade livre pensante portuguesa – anônima criatura, filha
incestuosa da Ignorância e do Atrevimento, com o ilustre cidadão Livre
Pensamento, filho adulterino da Vaidade e do Amor-Próprio; e esqueci-me que não
foi para isso que vim.”
(Extraído de “Do País
da Luz, cap. I, pág. 17-26)