31.10.13

CAMINHOS DA MANSÃO



São quatro as instituições de ensino infantil na Mansão. A creche Manjedoura, para crianças de 0/3 anos, o Jardim de Infância Esperança para crianças de 3/4 anos, a Escola Allan Kardec, do 1o. ao 4o. ano de ensino fundamental e a Escola Jesus Cristo, hoje com 1100 vagas.

A impressão é que as crianças estão felizes, convivem normalmente umas com as outras. Vi brincadeiras típicas de meninos, um pouco mais viris, mas  a professora, atenta, interferia para que não houvesse progresso. 



O entorno da Mansão é de comunidades, típicas de capitais e grandes centros, mas a violência típica dos aglomerados parece ter dado uma trégua, talvez pela consciência da importância da obra para o futuro das crianças dalí e para as pessoas em geral. Enquanto "black blocks" quebram o país, em sinal de protesto, os pobres preservam um patrimônio que é também deles, de alguma forma.





Outro lugar instigante é o centro de parto normal. Ambulâncias a postos, para o caso de complicações, o lugar parece ser bem equipado para sua finalidade. Uma recém-mãe, de camisola hospitalar verde, com um bebê cabeludinho nos braços recuperava-se do parto. As ideias do Dr. Leboyer ressoaram de alguma forma no distante bairro do Pau da Lima.


Apesar do museu do espiritismo não estar aberto à visitação no dia que fui, o memorial nos acolheu. Uma concepção moderna, que lembrou-me o Memorial JK em Brasília, com as fotos e textos aplicados nas paredes iluminadas e os diversos ambientes retratando diferentes momentos da obra, que se mistura à vida de Divaldo.



Um painel já um pouco desatualizado mostra os países onde foi Divaldo Franco, iluminados com leds. O mundo ficou pequeno para a tarefa de levar o verbo, a boa-nova e o espiritismo.


Por todos os espaços há placas, honrarias, títulos concedidos pelos lugares onde Divaldo levou sua mensagem. Foi-nos dito que não se trata de uma coleção completa, o que não importa, porque o que está exposto dá uma noção clara do reconhecimento do trabalho prestado.



Minas Gerais está presente em pelo menos dois momentos. O que mais me tocou foi a colcha de retalhos dada pelos 55 anos de serviços prestados no estado. Cada quadrado de tecido representa um centro espírita. A colcha dorme ao fundo de um belo móvel de vidro, permitindo apreciar o trabalho.




Nas instalações funciona a Livraria e Editora Espírita Alvorada. Para a tristeza da minha esposa, saí com uma sacola de livros, que são expostos e disponíveis para a venda dos interessados.





Ao lado, o cômodo com o Clube do Livro e a revista Presença Espírita. A responsável nos mostra com entusiasmo os grupos de envio para o exterior. Eu lembrei dos muitos e muitos livros que recebi e li, graças ao trabalho voluntário de pessoas como ela, que o tempo já deve ter levado para outras paragens. Vem-me à mente o livro biográfico de Elisabeth D'Esperance, médium de efeitos físicos e mecenas da revista de Gabriel Delanne, e depois dele muitos outros, que foram co-responsáveis pela lenta construção da minha cultura espírita e espiritualista.




No outro extremo da Mansão pude conversar com voluntários que trabalhavam na revisão dos textos produzidos por Divaldo e pelos colaboradores de sua obra. O parque gráfico estava com suas máquinas descansando, embora seus funcionários continuassem com tarefas de identificação de livros com defeitos, correção e outras mais.

Conversei rapidamente com uma voluntária que fazia o trabalho de revisão. Trocamos figurinhas sobre esse trabalho, sobre língua portuguesa, sobre neologismos, sobre editoração de livros. Quando ela se referia aos livros que analisava, lembrei-me de uma história de Divaldo:
- O que você faz?
- Você não vê? Estou construindo uma catedral!



Um grande auditório de 750 lugares, dispostos em dois andares, com a possibilidade de usar outras salas de estudo como apoio, com os recursos da transmissão de imagens pela tecnologia.

Assim, vazio, dá tristeza. Então imaginei os eventos que ele já acolheu e que ainda acolherá, apesar da distância do centro urbano de Salvador. Pensei que mais uma ou duas décadas e não teremos conosco a dupla Divaldo e Nilson, que retornará à pátria espiritual, deixando este enorme legado para seus sucessores. De onde virão os livros, que transformaram letra em pão, papel em tijolos, desejo de conhecer em contratos de trabalho, ideais em voluntariado? Não tenho resposta, mas a esperança me fez recordar de Allan Kardec em diálogo com a espiritualidade: Outros virão.

25.10.13

PASSEANDO NA MANSÃO



Quarta-feira pela manhã. Um café da manhã reforçado no hotel de Salvador e pé na estrada. O gentil Bira se dispôs a abrir mão de suas obrigações e nos levou à Mansão do Caminho, a enorme obra social do Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador.  A Mansão fica no bairro do Pau da Lima, que hoje está urbanizado, mas ainda conta com muitas comunidades.

O grupo de visitantes


Chegando à Mansão, passamos aos cuidados da Anita, uma pedagoga paulista com algumas obras escritas sobre Divaldo e seu trabalho. Ela e o marido residem na Mansão do Caminho. Isto é algo que observei ao longo da visita. Muitas pessoas receberam convites e residem lá, trabalhando voluntariamente pelo objetivo maior.  Parece-se com uma ordem monacal totalmente voluntária e civil. Conversei com muitos voluntários de lá. A dedicação e a admiração ao Divaldo e ao Nilson impressionam.

Uma alegria e um reencontro. No meio do grupo de visitantes que se formou, encontrei uma velha amiga da Sociedade Espírita Fraternidade – SEF, de Niterói. Quantos anos! Tanto o Remanso Fraterno, que é a obra dos colaboradores espíritas reunidos em torno de Raul Teixeira, quanto o Lar Espírita Esperança, que é a obra da Associação Espírita Célia Xavier, têm raízes e sofreram influências importantes da Mansão do Caminho.


Crianças em fila para fazer atividade ao ar livre

O que mais alegra o passeio pela Mansão são as crianças. Lindas, bem cuidadas, álacres... Não pude fotografá-las de perto, o que é uma pena, porque as expressões são inesquecíveis. Os pequenos nos cumprimentam, atraídos pelas lentes da câmara fotográfica. Os ambientes são rigorosamente limpos e os espaços comuns são muito arborizados e floridos.


Fachada do Centro Assistencial Ana Franco (mãe de Divaldo)

A Mansão é uma concretização dos sonhos  e ideias de uma comunidade dedicada. Não foi possível acompanhar o crescimento, mas nota-se que as propostas vão ganhando corpo e se tornando prédios, atividades, inclusão social.

Violões e violões


Uma das construções promove a arte entre as crianças e jovens. Uma sala repleta de violões e guitarras, outra com teclados, uma sala com pintura em tecidos exposta.


Pintura sobre tecido 

Há alguns recantos em meio aos jardins. A Mansão é cheia de memórias vivas. Cássio, explicava-nos Anita, era mineirinho, assim como nós.  Joanna de Ângelis também tem um recanto, apropriado para fotografias.

Este post está ficando grande, continuaremos com ele daqui há alguns dias.


Vista do recanto de Joanna

17.10.13

VISITA À CONFEDERAÇÃO ESPÍRITA ARGENTINA - BUENOS AIRES




Entrada da Confederación Espiritista Argentina

Depois de um dia corrido em Buenos Aires, escolhemos fazer como último passeio uma visita surpresa à Confederação Espírita Argentina - CEA. Ela tem sua sede na calle Sanchez de Bustamante 463.




Duas fotos da Livraria El Ateneo

A busca ao espiritismo nas livrarias argentinas, como foi o caso da bela “El Ateneo”, com três andares e um subsolo, não foi muito feliz. Mesmo nas estantes de ocultismo, encontramos apenas um exemplar de capa dura do “Perdoo-te”, de Amália Domingos Soler. O vendedor, muito gentil, após consultar seu sistema, pediu que procurássemos nas outras “tiendas” da livraria, nas quais talvez encontrássemos Allan Kardec.

Na CEA fomos literalmente acolhidos por Paulo e Julieta, que fizeram a gentileza de entrar em contato com o Sr. Gustavo Martinez, presidente da instituição. Ele nos permitiu tirar as fotos que se encontram ao longo desta matéria.

Livraria da CEA

A livraria da CEA é seleta, mas tem bons clássicos do espiritismo argentino.  Cosme Mariño, Humberto Mariotti e outros são facilmente encontrados lá. Recomendo que se acesse o catálogo de livros publicado no site da CEA: http://www.confespirarg.com.ar/  mas nem todos os livros estão disponíveis.


Livros em exposição

Há igualmente muitos livros em espanhol psicografados por Chico Xavier e por Divaldo Franco. Das Minas Gerais eu encontrei o clássico da Associação Médico-Espírita de MG, organizado por Roberto Lúcio e por Alcione Albuquerque e livros do atual presidente, Andrei Moreira, em castellano e português. As palestras recentes de Divaldo e de Andrei deixaram boas impressões entre os funcionários e frequentadores com quem conversamos. Como é fácil de se ver, Divaldo encheu o auditório e as pessoas se acomodaram até no hall de entrada para ouví-lo em um idioma híbrido entre o espanhol e o português, mas falado com a linguagem universal do coração, coisa que ele sabe fazer bem.


Vista frontal do auditório

A estrutura física da CEA não é grande, mas tem espaços que lhe permitem realizar suas funções a contento. Um auditório com os bustos de Kardec e Amália Domingos Soler, uma biblioteca e algumas salas de estudos, no subsolo um espaço para depósito dos livros da livraria.

Como órgão de encontro das sociedades espíritas afiliadas, a CEA promove uma reunião mensal e mantém cursos de estudos sistematizado do espiritismo – ESDE, em três níveis. Há também palestras sobre “O Evangelho Segundo o Espiritismo” para o público interessado, estudo e educação da mediunidade, estudo avançado da doutrina espírita, curso de oratória e expressão espírita.


Busto de Amália Domingo Soler

As atividades assistenciais, segundo meus anfitriões, são realizadas pelas sociedades adesas, e li na boa revista “La Idea”, publicada pela Confederação, há mais de nove décadas, o relato de algumas ações de cunho social realizados pelos centros espíritas argentinos.


Placa na porta da Confederação


Se conseguir uma entrevista com o Sr. Gustavo Martinez, presidente da CEA, repasso mais informações ao leitor do EC em uma próxima publicação.

9.10.13

SER VOLUNTÁRIO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS




Ontem à noite enfrentei o trânsito pesado de Belo Horizonte e a chuva contínua e fria para um compromisso no auditório Prof. Bicalho, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. O Dr. Miguel Mahfoud e os doutorandos Yuri e Roberta organizaram um seminário com noite de autógrafos para conversarmos sobre o livro Ser Voluntário, Ser Realizado.

Como membro da mesa, li o livro com mais cuidado (até onde consegui). O livro é uma investigação fenomenológica em uma grande casa espírita da capital mineira, com foco em voluntários, para a construção de um entendimento sobre a experiência de ser voluntário.

A parte inicial é uma revisão teórica sobre a fenomenologia, e tem como boa surpresa a filosofia de Karol Wojtyla (que se tornaria papa, futuramente) e de Edith Stein. O Prof Paulo, um dos membros da mesa, destacou a importância da recuperação do pensamento destes dois autores para a fenomenologia brasileira.

Eu conhecia a casa espírita estudada, e as descrições feitas por Yuri me fizeram recordar André Luiz. Cuidadoso e meticuloso ele vai visitando, em seu texto, os departamentos e tarefas da casa, que se organizou de forma diferenciada da estrutura organizacional que normalmente vemos nas casas em Minas Gerais. O autor vai falando com detalhes, e as imagens da sociedade espírita rapidamente povoaram minha mente, pois já estive lá duas dúzias de vezes, pelo menos.

Depois o texto mostra a que veio, e relata a experiência voluntária de quatro pessoas, que o autor selecionou entre os milhares que encontrou, e entre as onze que realmente entrevistou. Eu me pergunto quando ele terá uma disponibilidade íntima para se debruçar sobre este material ainda não explorado e publicá-lo em forma de artigos, para irmos compondo uma massa crítica sobre a experiência voluntária em casa espírita.

O público de voluntários desta casa não é apenas espírita, há católicos confessos que se identificaram com o caráter cristão e sério dos trabalhos realizados e lá realizam suas tarefas e realizam-se.

A leitura da experiência voluntária é muito desafiadora (Miguel e Yuri gostam de usar o termo provocadora), Se vista à distância, como gostam de fazer os materialistas, parece empobrecida. Uma senhora lava pratos, outra prepara e distribui salada de frutas, outra coordena aulas de evangelização infantil e outra é responsável por dar banho em crianças. Recordei-me dos comentários maldosos, feitos por revolucionários, que diziam ser esta uma atividade burguesa, pobre, sem capacidade de transformação do mundo.

Yuri vai além das aparências e pergunta às pessoas como é o seu trabalho, ou algo semelhante. As histórias se multiplicam. Entre alguns schematas, aprendidos na casa espírita e na vida, há uma riqueza textual de vivências interiores, dificuldades superadas, emoções, mudanças interiores, que possibilitam a compreensão da experiência vivida dos voluntários. Nós leitores, ora nos admiramos, ora nos emocionamos, ora somos arrebatados à reflexão. O texto de Yuri parece repetitivo às vezes, mas vai nos fazendo refletir quase frase a frase a comunicação do sujeito.

Ele nos explicou que selecionou os entrevistados. Nem todos os voluntários conseguem passar da concretude do ato e resignificar o que fazem, mas não há limites de idade, crença, ou classe social para o que fazem.

O Prof. Paulo nos chamou a atenção para algo importante. Ele foi apresentado ao espiritismo não pela doutrina, mas pela experiência dos que participam do trabalho. Eu diria que é um retrato da "vita activa" do movimento espírita, e não de sua "vita contemplativa", que li em São Tomás de Aquino esta semana, ou em um de seus comentaristas, referindo-se a Pedro e a João, apóstolos como suas referências. Eu não caracterizaria os pensamentos e vivências dos voluntários como exclusivamente espíritas, mas indiscutivelmente são cristãs, por isso tocaram tanto o público presente. Não quero dizer que uma é mais importante que a outra, o que considero tolice, mas temos necessidade de reflexões profundas no movimento espírita sobre a "vita activa" de seus membros. Este tipo de análise nos faz ter uma nova perspectiva sobre o significado de tudo o que fazemos, em uma época cheia de relações temporárias e análises à distância.

O Prof. Miguel encerrou o encontro, após muitas questões do público presente e tentativas de resposta dos membros da mesa. Questões muito seminais, eu diria. Ele falou algo como: nesse momento a universidade tornou-se universidade. E é verdade, em meio a muitas visões de mundo, todos buscaram a verdade, sem temer apresentarem sua escolha religiosa, sua área de conhecimento ou qualquer outro elemento de sua identidade. E o diálogo respeitoso se fez, respeitadas as diferenças.


1.10.13

O PROBLEMA DA TERRITORIALIZAÇÃO DAS SOCIEDADES ESPÍRITAS





"Personalismo e espiritismo são dois polos que não se tocam.” Célia Xavier

Um dos fenômenos que tenho observado em instituições espíritas é a territorialização. Podemos definir a territorialização em uma organização como sua divisão em segmentos com regras próprias e núcleo de poder, em dissonância com os elementos identitários da organização como um todo.

A territorialização, no caso dos centros espíritas, pode acontecer em associações grandes ou pequenas, mas é mais comum nas grandes associações, geridas com estrutura, cargos e funções de gestão pensadas para organizações menos complexas e de menor porte.

Não se confunde territorialização com departamentalização das sociedades espíritas. Esta última prevê autonomia em determinados segmentos ou departamentos, mas mantém coesão em torno de diretrizes gerais e de decisões para a organização como um todo. A departamentalização reconhece que em determinados segmentos, pode haver necessidades e características próprias, por isso tem diretrizes gerais para o todo e permitem variações consistentes com estas características gerais em departamentos específicos.

Este fenômeno vem acompanhado do surgimento de lideranças “individualistas”, com aspirações, visão das tarefas e objetivos de seu(s) grupo(s) de trabalho desconectadas da visão, missão e objetivos da organização como um todo. As lideranças de territórios desenvolvem uma lógica de isolamento, evitar o diálogo com lideranças organizacionais e não participação dos fóruns institucionais. Para sustentarem-se, as lideranças são carismáticas, e atraem o respeito e a fidelidade das pessoas que trabalham com elas. Aos poucos conseguem que as pessoas percebam a direção institucional como uma espécie de “mal necessário”, que se deve respeitar e tratar bem, mas não necessariamente seguir as diretrizes que vêm dela, por mais democráticos e dialógicos que sejam os fóruns de decisão.

Quando participam de órgãos deliberativos, os líderes territoriais podem evitar o conflito verbal, mas boicotam as decisões coletivas com as quais não concordam, considerando-se acima delas.

Tendo se acostumado com esta forma de liderar e coordenar, se eleitas para cargos de nível organizacional, estas lideranças terão dificuldades em lidar com as diferenças, tendendo ao autoritarismo e promovendo conflitos nas relações. Em vez de promover o difícil e demorado caminho da busca possível de consenso com base no diálogo, pretenderão normatizar a partir de sua perspectiva individual. Transformam facilmente uma discussão de ideias em um conflito pessoal, às vezes impondo seus pontos de vista e desqualificando quem discorda deles.

Concebamos as sociedades espíritas territorializadas como uma construção com rachaduras. Se não houver uma intervenção e uma conscientização dos membros dos territórios que são também membros da sociedade como um todo, e que precisam apoiar dentro do possível os projetos coletivos, a construção de normas comuns, e os diretores, que tem o difícil papel de articular uma organização cheia de pontos de tensão, a tendência é a ruptura ou o isolamento, enfraquecendo a sociedade espírita como um todo.

Penso que todos nós temos uma tendência ou impulso ao personalismo. É, portanto, um trabalho de autodesenvolvimento evitar que ele se torne predominante na nossa vida de relação, aprendendo a ouvir e a respeitar fóruns instituídos.

Não é à toa que Allan Kardec valorizasse muito o entendimento e a colaboração entre os membros das sociedades espíritas.