A primeira vez que conversei sobre Nina Arueira, foi com a Dra. Ângela, da Fundação Getúlio Vargas. Eu havia apresentado um trabalho sobre construção de arquivos históricos espíritas, com a colega Míriam Hermeto, em um evento de História Oral. O nome não me era estranho, vinha à mente a psicografia do Chico e alguma obra social que levava o nome da "pequenina".
Depois, em conversa com o Alexandre Rocha, fiquei conhecendo rapidamente a vida, os amores e o pós-vida de Nina e Clóvis Tavares.
A história de Nina virou dissertação de mestrado, e como todo trabalho acadêmico é seminal, incentivou o Flávio Mussa Tavares, alma amiga a quem conheço apenas pela internet, a escrever mais do mesmo, talvez com uma outra visão.
O estilo do Flávio é delicioso. Uma vez iniciada a história que ele conta, não se tem vontade de parar.
É a história de uma jovem brilhante, que na flor da adolescência conhece o amor, a teosofia e a militância socialista. Longe de ser ambígua, ela constrói uma síntese pessoal, humanista, e se lança ainda na flor da idade a reconstruir a terra, através da escrita, das incursões no campo, da organização dos pobres. Como a maioria dos jovens honestos, ela é puro ideal, quase inconsequente, ovelha enviada em meio aos lobos.
Flávio enfatiza este lado das muitas Ninas, o lado que sua família e seus amigos de Campos conheceram, a jovem admirada por sua inteligência, por seu verbo, por seu coração, estas coisas que os advogados da "realidade" teimam em condenar, não importa sua orientação político-econômica.
Após o resumo biográfico que corre célere aos olhos do leitor, vêm os textos escritos por Nina encarnada. Ela realmente merece ser admirada pela sua ilustração, seu tirocínio, sua habilidade com as letras, sua tenacidade e seu destemor adolescente. Temas como a pobreza, o conformismo, a reforma da educação, Deus, o amor, o dinheiro, o utilitarismo e os céus preenchem sua poesia e sua prosa.
Na penúltima parte do livro, Flávio selecionou psicografias de Chico Xavier atribuídas a Nina. Certamente, o conteúdo mudou. Nina está mais cristã, mais evangélica, menos militante socialista, mas ainda militante humanista.
Penso que a militância socialista não deve perdoar esta mudança e considerá-la mito. Ameaça muito aceitar que uma de suas pérolas tenha revisto suas idéias ao se colocar de pé, ao lado do corpo frio e visualizar um novo céu, uma nova realidade. Será possível ser exatamente o mesmo após a experiência da morte? Penso que não. O lado humanista-cristão de Nina cresceu e floresceu.
Chamou-me a atenção as poesias ditadas por Nina a Chico. Nelas encontro mais proximidade do estilo que a pequenina utilizava quando encarnada.
A última parte do livro são poesias dedicadas a Nina Arueira, de espíritos, ora encarnados, ora desencarnados.
Cabe ainda uma palavra sobre a apresentação de Virgílio de Paula, seu instrutor em assuntos teosóficos em vida e seu protetor nas horas de perseguição. Não se pode ler o livro sem ler as palavras do amigo que ficou. Elas nos confirmam ainda mais a Nina sedenta dos conhecimentos do espírito e dos céus, inconformada com a versão vigente da religião oficial do Brasil do início do século passado e ansiosa por novas luzes para o problema da existência.
Belo trabalho o do Flávio. Ao colecionar e apresentar novas fontes, a História ainda há de reconhecer o seu valor.